15.4.08

“Nunca te aconteceu teres perguntas para fazer e saberes que ninguém te pode responder?”

Há cerca de uma semana atrás, li na blogosfera um texto em que paira a ternura de uma mãe babada a quem é colocado um enigma, pela filha, uma princesa que num “crescendo” questiona quase tudo o que observa ou lhe é dado a conhecer. Safa que a minha mais nova, que deve rondar a idade da princesa, não me coloca, pelo menos por enquanto, perante questões como “nunca te aconteceu teres perguntas para fazer e saberes que ninguém, mas ninguém mesmo te pode responder?”... digo-vos que era um cabo dos trabalhos. Fiquei a matutar no assunto e vai daí toca de procurar, no pouco tempo que tenho livre, literatura que pudesse dar algumas, mesmo que sejam poucas, respostas ao assunto, não vá ele um dia ser colocado pela princesa que tenho cá em casa. De site em site e de livraria em livraria, dou por mim a folhear um dicionário, não daqueles catrapázios que há para aqui em casa, da autoria de Orlando Neves, um alentejano que de acordo com o seu currículo pode ser considerado um homem dos sete ofícios e todos eles ligados à comunicação, às letras ou ao teatro. Mais um, pensei eu, quando me dei conta que Orlando Neves se formou em Direito e conhecendo de gingeira essa espécime que não segue profissionalmente a formação académica superior. Pois... mas foi por ter encontrado essa pequena afinidade que não pousei o dito dicionário e parti em busca de outro livro que me desse mais luzes, que o caso, depois de tanto remoer começou a tornar-se sério. Trouxe o dicionário, que se pode ler como um livro ou apenas ser consultado. Dediquei-me a ele como se de um livro se tratasse, o que aliás constitui uma recomendação do autor e da editora, animado com um pensamento lírico... ah não minha menina, com essa não me deixas sem resposta, que a terei pronta e se não for na ponta da língua, será numa qualquer página do Dicionário da Origem das Palavras. Chegado à letra E, um calafrio assolou-me o corpo ao ler Eco, a primeira palavra. Os momentos que se seguiram foram de pânico, sentindo-me perdido, numa tentativa vã de me agarrar às palavras que lia e que em catadupa me ocupavam o cérebro, como um exército bem treinado que tomava de assalto a aldeia da mioleira onde meia dúzia de neurónios incapazes e desorganizados corriam desgovernados e sem rei, quanto mais roque. O pânico passou num instante a terror quando os vi fugir como uns cobardes pela porta do meu quarto. Levantei-me aos tropeções e a esvair-me em neurónios, e fiz uma tentativa mal sucedida de lhes barrar o caminho... tarde de mais! Calma Mike, tem calma, isto há-de ter uma solução... que raio, és um homem não és um neurónio... respirei fundo... nestas alturas o que é que as mulheres fazem? choram... estás a ir pelo lado errado Mike... ok, ok, e os homens? o que é que eles fazem? sei lá, bolas... Eureka! o que os homens fazem não sei, mas sei o que vou fazer. Três pedras de gelo num copo, um pouco de chá, mas da Escócia, a paciência suficiente para deixar o gelo misturar-se com o whisky e uns segundos depois, um trago retemperador. Senti-me mais calmo e a lucidez foi-se apoderando de mim... Preciso de pensar... e vou ter que o fazer sem aqueles malditos neurónios... assim seja... quem é que quer aqueles inúteis? Mais um trago de whisky e a minha cabeça vazia desses minúsculos incompetentes, encheu-se de uma lucidez providencial. Voltou a paz momentânea e, ainda atordoado, comecei o difícil exercício que dá pelo nome de raciocínio. Enquanto o Diabo se contorcia de tanto rir, aproximou-se um anjinho, pousando ao de leve no meu ombro (já nem me lembro se era o esquerdo ou o direito, mas o que é que isso importa para o caso?) e segredou-me num tom de voz amistoso: porque estás assim Mike? o que leste que te deixou tão desesperado? Respondi-lhe com a voz sumida, que principiara a leitura do significado da palavra Eco. Diz assim: à repetição de um som, pela reflexão num corpo situado a certa distância, chamamos eco. Faz sentido, disse-me o ingénuo anjinho, enquanto o outro anjo, o do mal, perdia o ar de tanta gargalhada dar. Ainda morres com falta de ar, meu safado, pensei eu enquanto olhava de esguelha e já impaciente para o anjinho que sorria para mim, esperando que concluísse a deixa. Irritei-me! Os teus neurónios também têm asas e deram de frosque, é oh anjinho? ou fizeram-te uma neuróniotomia? não consegues pensar sem esses teus seres alados? Então não percebes que eu quando começar a explicação à princesa, ainda a frase vai a meio e ela já me está a dizer “espera aí oh Mike, e qual é o significado de repetição?”... Não vês? isto não tem fim, pensava que sim mas não encontrei solução para o enigma. Estou a vê-la a encolher os ombros, com um sorriso simpático e misericordioso e a virar-me as costas atirando-me contundentemente a frase “afinal continuo na mesma, sem que ninguém, mesmo ninguém, me consiga dar respostas a algumas perguntas”. Porca miséria! Ironia das ironias, tudo começou e acabou com a palavra eco. É que esta solução teria eco na princesa, mas não o desejado. Bolas! Mais um trago e vou-me deitar que se faz tarde. Não foi tudo mau e por falar em eco, o Diabo também ficou a saber o significado dessa maldita palavra. De volta ao quarto reparei que a minha profecia se tinha concretizado. O desgraçado agonizava e deixei-o afogar-se no seu próprio riso. O anjinho acabou-me com o whisky e encontrei-o no dia seguinte com uma valente ressaca tombado no chão da sala. Nessa noite, mesmo entregue à penosa sensação de impotência, adormeci sem sobressaltos, consumido pelo cansaço.

4 comentários:

CPrice disse...

vale-lhe a idade da princesa que não vai questionar o significado das palavras .. já a forma como apareceram aí sim é capaz de ter o dito cabo de trabalhos para lhe responder .. ;)
hilariante a contradição de troca de ombros entre o anjo e o diabo!

Anónimo disse...

Miss Once :):)

José, o Alfredo disse...

Não é tratamento que se aplique a princesas, por isso não sou eu que vou resolver esse dilema. Mas noutras situações há uma frase que pode dar muito jeito (creio que é o título de uma obra qualquer, mas não faço ideia de quem): se não sabe, por que é que pergunta?

Anónimo disse...

Ou usar uma máxima dos advogados... fazer só perguntas para as quais já sabemos as respostas... ;)
Mas sim, tens razão, não é tratamento que se aplique a princesas.

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