7.7.15

Paciência, tolerância, confiança

Se não cumpres o semestre, devias ter cumprido.
Se atinges os objectivos do semestre, devias tê-los superado.
Se superaste os objectivos do semestre, devias ter feito ainda melhor.

[Nem sei bem o que dizer, para além de constatar que este é o tipo de jogo psicológico e pressão que já não funciona comigo (será que algum dia funcionou? talvez, admito!); não funciona porque tudo o que podia ter sido alvo de ponderação antes das decisões, foi; não funciona porque não me sinto diminuído na minha competência; funciona porque me irrita - continua a irritar-me - e, na verdade, cada vez tenho menos paciência para estas coisas. O que vale é que, com a idade, a paciência que se vai perdendo - não sei como é com as outras pessoas, mas comigo vai - é compensada com mais tolerância e confiança.]

Para evitar que me chegue a mostarda ao nariz ou me salte a tampa: aí sim, tínhamos o caldo entornado. E o pior é que se ia entornar em cima de mim. Lá vem a questão da dignidade à baila... mas isso são contas de outro rosário e é assunto para outro dia.  

3.7.15

Lisboa e eu


Levei muito tempo, tempo de mais, a gostar e a entregar-me a Lisboa. Pensava, durante esses anos voltados de costas para esta bonita cidade, que estava zangado com ela. Mas, na verdade, estive zangado comigo. Uma revolta provocada pelo sentimento de ter sido desenraizado sem nunca o assumir, que foi transferida para esta cidade que hoje considero minha. Hoje levantei-me muito cedo - quem vive nos subúrbios paga um preço elevado no princípio e no final dos dias - com receio de não cumprir com a pontualidade que me imponho quando se trata de reuniões ou outro tipo de compromissos. E foi com uma ligeira irritação que, depois de ter estacionado o carro perto do local da reunião, olhei para o relógio onde os ponteiros marcavam 8 da manhã. Amaldiçoei o facto de ter chegado duas horas antes da reunião. Saí do carro e logo depois dos primeiros passos dados numa avenida de Lisboa, a irritação tinha dado lugar a um sorriso de contentamento. A manhã de Lisboa como que me abraçava e me dava os bons dias, ainda preguiçosa mas sorridente, como uma mulher alegre, bem disposta e com bom acordar. Fazes-me bem, Lisboa.

1.7.15

40 anos


Este ano, mais propriamente no dia 2 de Novembro, vão passar-se 40 anos desde comecei a trabalhar. Pode dizer-se que fiz de tudo um pouco durante estes 40 anos: comecei como servente de pedreiro e ainda com o mesmo patrão - um homem baixo e gordo de quem já não me recordo do nome e que parecia que ia explodir a qualquer momento, principalmente quando se irritava, e que me pagava em notas à semana - fui “promovido” a ajudante de pintor. Ainda na Nazaré, para onde eu, o meu irmão e a minha mãe fomos viver nos idos anos 70 depois de termos chegado de Angola, fui arrumador no cinema da vila. O quero dizer com arrumador é que indicava o lugar à pessoas e fazia bom dinheiro em gorjetas. Fiz biscates a mudar vidros de janelas e a pintar casas. Fui DJ em S. Martinho do Porto e croupier, já em Lisboa, num casino clandestino que ficava numa cave em Alcântara. Fui desenhador de construção civil enquanto frequentava a faculdade à noite. Trabalhei numa empresa de limpeza, ainda na faculdade, a fazer aquilo que a maior parte das pessoas faz numa empresa de limpeza: lavava chãos e vidros. Fui vendedor de empilhadores eléctricos antes de ter ido viver para Cambridge, onde voltei a lavar vidros. Fui publicitário em Lisboa e em São Paulo, até chegar a director geral da maior agência de publicidade portuguesa. Hoje sou um homem do marketing. 40 anos!... ah vida... e ainda me pergunto às vezes porque me sinto cansado e desgastado.

30.6.15

How are you feeling?


Ao percorrer as notícias dos media lá de fora - um hábito quase diário que tenho vindo a cultivar com prazer - tropecei neste artigo muito interessante do The New York Times.
 

Um artigo de interesse redobrado para mim, não por uma questão técnica ou de estilo - nada a apontar nesse sentido - mas do ponto de vista pessoal. A importância de dar nomes às nossas emoções deixou-me a pensar em como isso é tão difícil para mim. Não que eu não o soubesse já, tantas são as vezes que tenho dificuldade em exprimir o que sinto. No princípio pensei que se tratava de uma defesa, de evitar a exposição das minhas fragilidades ou de auto-preservação. É certo, e é um facto, que algumas vezes é disso que se trata. No último ano - um dos anos mais importantes da minha vida - uma das coisas que mais ganhei foi auto-conhecimento e a infeliz (ou feliz?) descoberta que a minha dificuldade em exprimir sentimentos advém, em primeiro lugar, do facto de não os conseguir identificar com rigor. É que há tantos sentimentos que, por serem ou ficarem difusos em mim, me retraem. Afinal, a maior parte das vezes, não os quero esconder ou omitir; apenas não os exprimo porque não lhes consigo dar nomes. 

29.6.15

Há dias assim


O ciclo de trabalho de intensidade extrema concluiu-se hoje, como estava previsto. Outros ciclos assim virão. Creio que o meu corpo e a minha cabeça já se habituaram a este vai-e-vem cíclico, mas confesso-me cansado. Hoje estou cansado e triste. As muitas horas de labuta diária intensas, as poucas horas de sono - poucas e que o stress se encarregou, sem piedade, de transformar em más - explicam, naturalmente, o cansaço físico e mental. Mesmo que tenha conseguido, sendo inédito para mim, equilibrar uma agenda diária densa e por vezes tumultuosa, sem ter abdicado do exercício físico praticamente diário, o que são boas e bem-vindas notícias. Horas, dias, semanas de trabalho jogam-se e são avaliadas em 4 horas, o tempo que dura uma conferência. Também sei isso há muitos anos; os anos, e já são muitos, em que o trabalho faz parte da minha vida. Sou especialmente crítico do meu trabalho; chego mesmo a ser severo nessa auto-crítica e auto-avaliação. Indo directo ao assunto: a conferência correu bem apesar de haver muitos pontos a melhorar mas que não dependem directamente e só da minha dedicação, empenho e experiência. A maior parte das coisas que não correram bem só eu as sei e tratarei de evitar que se repitam nas próximas conferências. Mas estou triste. Estou triste com as pessoas, ou melhor, com o lado mais negro do ser humano que se revela quando o campo é propício a que tal aconteça: a arrogância, a mesquinhez, o caciquismo e a falta de carácter. Lidei com isso tudo hoje. Nada a que não esteja habituado a lidar mas que não deixa de me entristecer. A vida é feita de dias assim. Mas amanhã é outro dia. 

28.6.15

Adversidade



Não devia ser o primeiro!
Mas sei, por experiência própria, que a adversidade é um dos caminhos que nos leva à verdade; ou às verdades porque, como diz Kahlil Gibran em O Profeta, não digais “encontrei a verdade”, mas antes “encontrei uma verdade”A adversidade não muda a nossa essência mas leva-nos por caminhos e para destinos que nós próprios desconhecíamos. A verdade é um deles. 

26.6.15

Escrevemos porquê? e para quê?

Escrevemos para sermos lidos ou para nos lermos? 
Escrevemos porque sim. 
Escrevemos porque deixamos um pouco de nós em cada palavra, em cada frase, em cada vírgula, mesmo mal colocada. 
Escrevemos porque nos ouvimos no silêncio; para viajamos para paragens longínquas, porque nos banhamos em mares desconhecidos, para caminharmos por veredas e caminhos que os nossos passos nunca marcaram.
Escrevemos porque sonhamos e porque choramos; porque as palavras não temem as nossas fragilidades; para as mostrarem, porque nos levam a aceitá-las.
Escrevemos porque temos medo; para nos ser devolvida a coragem e a esperança; porque estamos inseguros, porque estamos confiantes, para nos sentimos perto de quem não está ali, aqui.
Escrevemos porque nos rimos, para sonharmos, porque nos esquecemos, para nos lembrarmos.
Escrevemos porque nos dá de repente fome da vida e para nos alimentarmos dela; da vida e das palavras. 
Escrevemos porque pensamos e para não pensarmos; porque sentimos e para não sentirmos.
Escrevemos porque estamos sós e para não estarmos sós; escrevemos porque e para.
Escrevemos porque queremos fugir do espelho que as palavras nos colocam à frente; escrevemos para nos olharmos nesse espelho; para sentirmos vergonha e arrependimento, para lhe sorrirmos e fazermos uma careta. 
Escrevemos porque estamos cansados e para descansarmos; porque sentimos o vulcão e para que a lava saia e escorra por nós e nos queime por fora depois de nos ter queimado por dentro.
Escrevemos coisas sem nexo, como se o vento levasse as palavras e as trouxesse de volta para que façam sentido. 

Escrevemos porque a alma nos pede e para a saciar.