29.5.08

Tarefas e preconceitos.

Uma destas manhãs, cumprido que estava o compromisso diário matinal de levar os mais novos à escola, e rumando ao escritório entre o trânsito de uma Lisboa desorganizada e caótica, deparei-me com uma situação que me proporcionou sensações contraditórias. Um camião do lixo estava estacionado em segunda via e quatro pessoas, quais formiguinhas obreiras num vai-e-vem, transportavam contentores que eram depois despejados automaticamente para dentro do camião. Comecei por achar curioso o facto dessas pessoas estarem bem dispostas e, aparentemente, divertindo-se umas com as outras, entre algumas gargalhadas que não conseguia ouvir. Estariam fazendo o que gostavam? ou exprimiam a saudável atitude de quem aprendera a gostar do que fazia? Não importa, e não foi isso que despertou em mim as tais contraditórias sensações. As quatro pessoas que faziam o transporte do lixo eram mulheres. Que raio, pensei, isto não é trabalho para uma mulher. E lembrei-me do meu pai. É que lá em casa havia serviços que uma senhora, no entender dele, que passou a ser meu, não faz. Nem deve. Levar o lixo à rua, tanto quanto me lembro, era tarefa dos homens. E na minha casa continua a ser assim. Ora bolas, não havia quem visse isso naquela empresa? Quatro mulheres a fazer um trabalho que devia ser feito por homens, não me pareceu nada, mas mesmo nada bem. Segui o meu caminho e, entretanto fui pensando quão descabida poderia ser a minha postura, num mundo de igualdade reclamada e legítima, em que o quebrar de barreiras e preconceitos é reclamado e saudável. Será? Assim como assim, ainda antes de ter chegado ao escritório, e não levei muito tempo, cheguei à conclusão que em algumas matérias corro o risco de me manter preconceituoso. O meu pai tinha razão e razão alguma me fará pensar que não. E cá em casa há preconceitos que continuarão a sê-lo. Ó mais velho, vai pôr o lixo na rua. Queres ajuda? (do pai, claro, que o mais novo já está a dormir).

28.5.08

Good luck Mr Gorsky.

Um primo da minha mãe, homem de fortes e inabaláveis convicções, morreu sem acreditar que o Homem tinha ido à lua. Viu as reportagens na televisão, viu as fotografias, leu artigos, mas nada o demoveu dessa convicção de que tudo não passou de uma burla norte-americana forjada em estúdios sofisticados, para afirmarem a sua superioridade tecnológica ao mundo. Quando lhe falavamos da Apollo 11 e de Neil Armstrong, o primeiro homem a pisar solo lunar a 20 de Junho de 1969, ele respondia, sem vacilar, que se tratavam de manobras fraudulentas da NASA. “Este é um pequeno passo para um homem, mas um passo gigantesco para a Humanidade”, até essa frase que se tornou célebre, era liminarmente refutada e considerada como uma trapaça de marketing bem engendrada. Não viveu o suficiente para ser confrontado com o tabu que o comandante da Apollo 11 manteve durante décadas, originado por outra frase, menos conhecida, e proferida por Neil Armstrong, na lua, no caminho de regresso à nave. Ainda no espaço, a NASA especulou sobre a frase, pensando tratar-se de um recado a outro astronauta, mas russo. Já em terra, quando confrontado pelo repórteres e jornalistas, limitou-se a sorrir. E o sorriso foi a resposta dada a jornalistas, durante algum tempo, sempre que a questão se colocava, até ser abandonada. A 5 de Julho de 1995, em Tampa Bay, e quase 30 anos depois, um repórter voltou a questioná-lo sobre o significado dessa frase e ele finalmente acedeu a responder. Mr. Gorsky já não era vivo. Neil Armstrong, para além de um homem que entrou para a História, foi, e é, um verdadeiro cavalheiro. Ah, a esposa de Mr. Gorsky também não era viva quando o tabu se desfez. Nem esta história faz com que acredite que a lua foi pisada pelo Homem, não é primo? Bem me parecia.

26.5.08

Emigrar? Por enquanto não. Por enquanto...


O clima é temperado e ameno, próprio dos ares soprados nas regiões a sudoeste do Pacífico. E a região faz parte da Polinésia.

Boa, isto começa bem. Mas se é uma dessas ilhas paradisíacas onde o número de tursitas é inversamente proporcional às oportunidades de trabalho, já olho de esguelha. Também gosto, claro, mas estou a falar de emigração e há para aqui umas quantas bocas para alimentar.

Calma, que o país é a Nova Zelândia.

Continua, a conversa já me está a agradar.

A principal cidade é Aukland, uma cidade moderna que se espraia ao longo de avenidas largas, parecendo que vão todas dar ao porto Waitemata, a meca da Vela.

Seguindo, que estou a gostar do que oiço. O mar por perto é música para os meus ouvidos.

Não percebeste, o mar não está perto, o mar entra pela cidade. Ou será ela que entra pelo mar?

Isso não interessa. Adiante.

Aukland é uma próspera metrópole que conjuga com harmonia a elegância e o kitsch, e onde os edifícios sofisticados da City convivem com bairros, todos eles preservados, que nos seduzem com o charme das suas casas de madeira de estilo colonial do século XIX.

Será um sorriso o que tenho no rosto? E as pessoas?

As pessoas são educadas, civilizadas, optimistas e alegres. Uma diversidade de gente que se integrou culturalmente na perfeição. Cerca de 60% são de origem europeia e mais de metade dessas pessoas são emigrantes.

Muito bem, se tantas se fixaram por lá, devem ter boas razões para isso.

Mas há mais, e mais importante. Os neozelandeses são o povo no mundo que mais admira e ama o seu país. Eles acham que não há país melhor à face da Terra.

A sério? tens aí um mapa? só por curiosidade e para ver onde fica Aukland.

Nas nossas antípodas.

An quê?

Antíp...

Ah deixa lá, já entendi. Isso é muito longe daqui, certo?

É! É do outro lado do mundo.

Mas olha que é um lado que me parece bem agradável. Achas que arranjava emprego a fazer o que sei fazer?

E fazes o quê?

Sou publicitário.

Pode até ser, mas é uma área muito competitiva. Falas inglês?

Falo e escrevo.

Mesmo assim.

Já percebi que seria complicado. Mas olha, eu já virei muito frango na vida, achas que se fizesse um estágio de aperfeiçoamento ali na Valenciana em Campolide e depois fosse para Aukland e abrisse um negócio de frangos me safava?

Eh pá, não sei, acho que sim. Os frangos dessa Valenciana são bons?

Bons? são uma delícia, não há frangos iguais, nem em Aukland, aposto.

Então safavas-te e se tivesses juízo e sentido empreendedor, e arranjasses um sócio, até poderias enriquecer, quer dizer, lá não há bilionários, mas podias vir a ser um homem rico.

Conheço um gajo que era capaz de alinhar. Diacho... Não vou emigrar para a Nova Zelândia... por enquanto. Não querem ver que este “por enquanto”, assim de repente, soou-me diferente?

25.5.08

Não me canso de Botero.

Esta cerveja está quente e sem pressão. Isto assim não presta. Eu aqui a combater o tédio e a devorar cigarros uns atrás dos outros, e esta parva a falar-me da porcaria da cerveja. Oh céus, isto hoje não corre de feição. Tenho um peito à mostra e eles? onde é que eles andam? Devem pensar que sou uma meretriz. Ah, olha aqueles dois. Dançam tão bem. Um dia hei-de arranjar um marujo que case comigo.

23.5.08

Crónicas de uma viagem (VIII)

De volta a Nairobi, essa imensa metrópole africana, situada a 1.700 metros de altitude e que é o centro de uma rica região agrícola onde o café e o chá predominam, outrora uma planície semi-deserta de onde se avistava o Monte Kilimanjaro. Uma cidade com um clima seco, em que os únicos meses de precipitação são Abril, Maio e Novembro, e em que a amplitude térmica média entre o suposto Inverno e o permanente Verão se rege por um mísero e insignificante dígito. Tive sorte, então. Youstus franziu o sobrolho quando lhe pedi, e tive que insistir, que me levasse a Kibera. Considerei naturalíssima a reacção dele. Idêntica seria a minha se as posições se invertessem e um turista hospedado num dos melhores hotéis da cidade me pedisse que o levasse à maior favela da capital. Nesse ano estimava-se que vivessem ali cerca de meio milhão de pessoas e pelo que pesquisei, antes de escrever esta crónica, hoje habitam cerca de um milhão, ou seja 25% da população de Nairobi. O que me moveu a visitar aquela que é hoje a maior favela de África não foi uma curiosidade despropositada ou mórbida, nem tão pouco um impulso de solidariedade. Foi o apelo que África voltou a suscitar em mim, nesta viagem. Depois de quase duas semanas em continente africano, já não era apenas a imensidão da terra, o indescritível pôr do sol na savana, o luar raro de tão luminoso, ou a natureza no seu estado mais puro e selvagem, que se haviam instalado no meu ser. Eram também a cor das cores, o cheiro dos cheiros, o pó, o som dos sons, o ar que respirava e as gentes que me rodeavam. O que moveu a querer ir a Kibera foi o simples e irremediável sentimento de sentir África. Kibera, que mais tarde se tornou conhecida por lá ter sido rodado o célebre filme O Fiel Jardineiro, não é diferente de tantas outras favelas do planeta, onde a pobreza extrema coabita com a dignidade, por mais que sejamos relutantes em aceitar essa crua realidade. Mas é em África e isso, sem que consiga explicar, bastou-me naquele dia, daquela viagem.

Ódio.

O Caro Réprobo lança-me o desafio, de lá das suas Afinidades, para que fale de seis coisas que odeio. Tarefa ingrata e hercúlea, para não dizer impossível, já que não me parece que haja assim tantas coisas que odeie. Uma delas é a própria palavra que no título figura. Ódio. Ora, porquê? está-se mesmo a ver. Ódio é inútil, é um desperdício e um canalizar de energia para o lado errado da vida. Bom, uma já está. Acho que vou ter que me orientar por coisas de que não gosto e das quais já falei, mantendo as razões que me levam a não gostar delas. Assim seja. Não gosto de Racismo (porque não gosto mesmo). Nem de Vedeta (chega-te para lá, por favor). Nem tão pouco gosto de Perfeição (pois, está bem, já te atendo). Também não gosto de Ironia (poupem-me, por favor). Resta Sensível (fico com a sensação de darmos sempre mais a alguém do que realmente precisa). Mas não odeio nenhuma destas coisas.

Equilíbrio. Uma coisa muito importante na vida.

Mens sana in corpore sano (acho que é assim). E é bem verdade que uma mente sã pede, e nem sempre lhe é concedido, infelizmente, um corpo são. Mas como deve ser é uma mente sã num corpo são. E um corpo são, numa mente insana, isso então é bem pior. Muito pior. Se bem que tenha sérias e sãs dúvidas sobre a veracidade desta última possibilidade. Em resumo, o equilíbrio é ou não é uma coisa impotante na vida? A moça da fotografia concorda comigo. E dá mostras de ser equilibrada. Ou será equilibrista?

Bom fim-de-semana.

22.5.08

Amalfi, Capri e Sorrento.


O amanhecer chega com o céu limpo, deixando que um sol radioso nos abrace do lado de fora da vidraça das janelas. A imensidão da Baía de Nápoles e o Vesúvio que se ergue inquieto ao longe, aguardam que a vista os alcance e se delicie com a magnitude da paisagem. A Maison La Minervetta está ali para aconchegar-nos, tomando-nos nos seus braços de uma forma exclusiva e refinada, confortavelmente, mas sem dispensar um estilo luminoso e contemporâneo que se deixa envolver pelas cores mediterrânicas. Construído nos anos 50, este pequeno hotel de doze quartos foi concebido para ser um restaurante, o Don Giovanni Cacaci. La Minervetta, charmosa, intimista e serena, e vivendo numa quietude contagiante, é um local encantador que nos convida sem que consigamos ou queiremos dizer que não, a desfrutarmos de uma das mais belas regiões do mundo. E quem tem pavor em viajar de avião, poderá sempre optar pela via terrestre, utilizando o comboio, e deixando-se invadir pela atmosfera romântica de Amalfi, Capri e Sorrento.

Àcerca de conversões.

A porta do vento está entreaberta e deixa passar uma aragem que ali, num paraíso não muito de longe de Lisboa, se chama brisa marítima. O mar está calmo, a rebentação suave e as ondas quebram-se tranquilas espalhando a espuma pela areia molhada. A pequena mas confortável cadeira de praia enterra-se aos poucos nessa areia que o mar amolece. Ninguém por perto. A garrafa de Moët & Chandon aberta no frapê de prata acetinada e o flute de cristal encostado aos lábios, num saborear sem pressa. A música que se ouve é a que o mar, com os seus acordes serenos, nos faz chegar. O sol despede-se da praia ao entardecer, tingindo o céu de cores que o caleidoscópio nunca sonhou existirem. Alguém se aproxima, detendo-se a uma distância respeitadora da intimidade que se vive no momento. Senhora, o seu automóvel acabou e chegar e o chauffer aguarda-a. Despede-se do pôr do sol com um sorriso e encaminha-se para o Jaguar que a espera, para dar início a uma curta viagem. Sentada confortavelmente no banco de trás, ouvindo Barry White, o frapê a seu lado e o flute na mão, sorri divertida, sentindo aproximar-se o momento da estreia. Um dos camarotes do estádio do Sporting estava reservado para si e para alguns amigos. Jogo dito grande, com o estádio repleto de adeptos que civilizadamente entoam cânticos sem que as cinquenta mil gargantas enrouqueçam. O frenesim e a agitação tomam conta de quem assiste à partida e o auge atinge-se quando a bola beija as redes da equipa visitante. O resultado alterna-se como um destino desvairado a que ninguém consegue deitar a mão. Homens, mulheres e crianças deliram ainda antes do árbitro apitar, assinalando o fim do jogo. O Benfica está antecipadamente e irremediavelmente condenado após o quinto golo do Sporting. Cinco a três, outrora a conta que Deus fez, nessa noite a conta que ditava o afastamento da equipa da Luz da importante final da Taça de Portugal. Cânticos, sempre os cânticos, celebrando os vitoriosos. O estádio esvazia-se assumindo a nobreza de um grande palco. Esperava-a uma seia na companhia dos amigos. O sorriso divertido de há umas horas atrás, encontrava eco numa alegria impossível de conter. Talvez repetisse a experiência, pensou para com os seus botões.

(Será que assim se dava o primeiro passo para a converter ao futebol? Pergunta alguém.)

21.5.08

Emigrar. Para onde?

Li um artigo de Joel Neto que nos dava conta de um país com água, muita água e mais água. Para onde quer que vamos, é isso que se encontra. Bem sei que o meu elemento é fogo, mas dou-me bem com água. Nesse país está líquida no Verão e sólida no Inverno. Humm... nada como aprender a patinar. Fala-nos de terra, para além de água, paisagem a perder de vista e beleza de cortar a respiração. Por aqui estamos conversados. E as pessoas? Apenas 17 habitantes por quilómetro quadrado, um paraíso interminável, onde parece não haver Homem. O tempo divide-se entre um Inverno em que quase não há dia e um Verão em que quase não há noite. Bem, não há problema, eu rendo mais a trabalhar à noite, mas também me desenrasco a trabalhar de dia. E os tempos livres? Passados em spas, passeios ao ar livre, ski, desportos radicais, por aí. Olha, até me agrada. E onde é isso? Que país é esse? É a Finlândia, o país onde, segundo Bruxelas, e apetece-me acreditar no que Bruxelas diz neste caso, vive o povo mais feliz da Europa. Esperem aí, esse não é o país em que a taxa de suicídios, apesar de ter diminuído, continua elevadíssima? É! E dizem que é, porque tanta felicidade também pode matar. Ora, isso é lá com eles, não com um emigrante português. Nós portugueses não sabemos o que é ter assiiiiiiiim tanta felicidade, por isso acho que essa molesta não me atacará. Está decidido. Não vou emigrar para a Finlândia... por enquanto.

19.5.08

Duelo (II).

Legítimos valores mais altos se levantam, que não se compadecem, nem se devem curvar perante a agenda dos participantes do duelo. Não há pressa, que a pressa é má conselheira e a vigança é um prato que se serve frio. O dia 31 de Maio deixou de ser válido por razões nobres. O dia 14 de Junho, que a óbvia proximidade de feriados aconselha uma prudência antecipada, motiva a sugestão de não ser considerado. O calendário gregoriano avança, implacável, como a vitória da malta, que mais tarde ou mais cedo se adivinha. A sugestão fica feita: 28 de Junho. Senhoras, falem agora, ou calem-se para sempre!

Claro que gosto de Botero.

Formas generosas mas firmes. Nem um sinal de celulite. Mulher saudável. Um corpo sólido. Pés delicados em sandálias. Com um pequeno salto, claro. Mãos arranjadas. Unhas pintadas de vermelho. Ela sensual e despindo-se sem pudor. Ele, retratista estupefacto de olhar assustado. É bela sim, mas pinta homem. Começa a pintar que a tinta ainda seca nos pincéis.

Puerto Madero, Buenos Aires, Argentina.

Os porteños referem-se a Puerto Madero com indisfarçável orgulho. Aliás, quando se referem à sua cidade, fazem-no de igual forma. E percebe-se porquê em ambos os casos. E também se percebe porque é que os argentinos são olhados de soslaio pelos outros sul-americanos. Basta estar lá e ter tido a experiência de conhecer outros países da América do Sul (estou a cingir-me à minha experiência). Diria que o Uruguai também padece do mesmo mal, mas sem se lhe atrubuir tão grande significado. É que a Argentina, os argentinos e Buenos Aires e os porteños em particular são, e gostam de ser percepcionados assim, do mais europeu que se possa imaginar. A arquitectura da cidade, o parque automóvel, o modo de estar, a postura, eu diria até os traços físicos, se conjugam e contribuem para quem chega, ter essa sensação. Estou para aqui a escrever e daqui a pouco perco-me em divagações. Isto tudo por causa de Puerto Madero, que é a zona mais moderna de Buenos Aires e onde é um prazer estar. Puerto Madero é arejado, amplo, acolhedor e limpo, e onde não nos sentimos incomodados com a sofisticação, que convive lado-a-lado, e bem, com a simplicidade. Retomando o fio à meada, ou seja, à tal percepção europeia, de repente fez-se luz sobre a razão do início deste post. Em Puerto Madero alguns dos restaurantes têm os mesmos nomes de outros famosos aqui no Velho Continente como por exemplo o Buda Bar ou o Asia de Cuba, e não lhes ficam atrás, é bom que se diga. A decisão não foi difícil por conhecer os “originais”. Estando em Buenos Aires, quem no meu lugar não se decidiria pelo Aires de Patagónia? E decidi bem, e melhor proveito tive, não só por ter desfrutado das excelentes especialidades regionais, sem esquecer, que estaria a cometer um injustiça imperdoável, a extraordinária garrafeira que a carta de vinhos deixava adivinhar. O ambiente, rústico e requintado, onde as madeiras se combinam harmoniosamente com pedras vulcânicas, criam uma atmosfera original, tornando a refeição num momento único em Puerto Madero.

18.5.08

Viva o Sporting!

Vamos lá por partes que, mais que um jogo, ou melhor, uma vitória na final da Taça de Portugal, este domingo encerrou-se um época e, quando assim é, obrigamo-nos a fazer balanços. Eu e a mania dos balanços. O lado emocional do futebol, o mesmo lado que eu também vivo, não deve, em momentos como este, toldar o outro, o lado racional que deve imperar quando de balanços se trata. O Paulo Bento fartou-se de errar, meteu os pés pelas mãos várias vezes, o Sporting andou pelas ruas da amargura, não só no futebol praticado mas também na classificação do campeonato. Há jogadores sem a classe que um clube com pergaminhos como o Sporting exige. O treinador não é experiente, não é bom comunicador e não abdica de um corte de cabelo que não lembra a ninguém. Do presidente do clube nem vou falar. Nem sobre o défice que agora foi renegociado, assunto que só conheço pelos jornais e em que às vezes, calculo eu, a palavra défice também se pode aplicar a credibilidade. Em resumo: o treinador não presta, os jogadores são ruins, o Sporting não jogou nada esta época, e por aí adiante. Posto isto, vamos aos números, mesmo considerando que a memória me vai atraiçoar. Segundo lugar no campeonato, com acesso directo à Liga dos Campeões. Vitória na Super Taça e frente ao Futebol Clube do Porto, de longe e sem discussão, a melhor equipa da época. Finalista da Taça da Liga, mesmo tendo sido vencido. Chegar aos quartos de final da Taça UEFA, mesmo tendo sido eliminado de forma pouco aceitável. Vencedor da Taça de Portugal, frente à tal equipa que foi a melhor e que, se bem me recordo, nunca venceu ao Sporting esta época, e depois de uma brilhante reviravolta e entusiasmante goleada sobre o rival de Lisboa. Afinal em que é que ficamos? Nos “se bem que” ou nos objectivos e nos resultados atingidos? Eu há muito, e mesmo quando de futebol se trata, que me oriento por objectivos e resultados, como faz, e bem, o Paulo Bento, a quem remeto as minhas felicitações, por se ter mostrado coerente, rigoroso, abnegado, corajoso, ético, profissional e sério. E a toda a equipa, que deu mostras de saber vencer quando precisou de o fazer. Hoje o Sporting foi um justo vencedor. Ah, houve a tal falta (fora da área) que poderia ter mudado o jogo? Bolas, decidam-se. Querem ver o futebol pelo lado emocional ou racional?

Crónicas de uma viagem (VII)



Ergue-se no meio de uma planície da savana e oferece, para quem o avista, um espectáculo único. Ali em África, entre a Tanzânia e o Quénia, majestoso e misterioso com as as suas neves perpétuas no alto dos seus quase seis mil metros de altitude. Se em Masai significa montanha branca, em Swahili, a montanha é chamada brilhante. Quando o avistei e enquanto avançava para ele, decidi ser juíz de causa alheia e, para mim, o Monte Kilimanjaro terá o nome que os Masai lhe deram, provavelmente influenciado por Ptolomeu, geógrafo egípcio que, rezam as crónicas, mencionou em tempos idos, a existência de uma montanha branca. Parámos no início da via Marangu, uma das que nos leva até ao topo, e olhei para o alto, para a neve que o cobria que, tudo a leva a crer, deixará de lá estar depois do ano 2020. Neste caso o aquecimento global não é o culpado e sim o próprio aquecimento do Monte Kilimanjaro, causado pelo lento retomar da actividade do vulcão que sempre lá existiu. Ainda com os olhos fixos no cume, deixei que a memória me trouxesse “As neves do Kilimanjaro”, e a imaginação me levasse por alguns dos trechos dessa narrativa brilhante de Ernest Hemingway. Respirei fundo sem tirar os olhos das neves perpétuas mas não eternas, e virei as costas ao Monte Kilimanjaro, sem nunca mais o ter fitado no caminho de regresso à tenda que me acolhera na noite anterior e onde iria dormir antes de partirmos para Nairóbi. Mas trazendo aquele momento comigo para sempre. No coração.

17.5.08

Fazer o que gostamos?

Tenho ouvido muitas pessoas, durante a minha vida, que já não é assim tão curta, falar sobre o fazer e o que gostamos de fazer. Provavelmente, e no passado, devo ter escutado a minha própria voz a proferir essa frase. Na vida devemos fazer o que gostamos, só assim seremos felizes. Questiono-me quão errada e deficiente é essa postura, quiçá causadora de frustrações, complexos pessoais e desmotivações profissionais. O exercício não é fácil mas creio ser mais compensador. Hoje não acredito nessa frase, se bem que haja uns quantos afortunados que fazem o que gostam e até são muito bem pagos para o fazer. Mas essa não é a realidade. Se assim fosse todos seríamos médicos, engenheiros, tenistas, economistas, arquitectos, astronautas ou advogados. Na vida devíamos aprender a gostar daquilo que fazemos. É fácil? Não creio, mas como disse, é bem mais saudável.

Um acto de gestão?

Um, dois, três, quatro. Cada um deles individualmente, mas principalmente o somatório dos quatro, fizeram-me ver algo que, à partida, não concebia. O afecto que temos por um filho é incondicional. O afecto, per si e tal como o via, não deve ser equilibrado e pensado, ou tão pouco gerido. Gestão de afectos soa mal, mesmo a mim que passo os dias, há muitos anos, numa permanente gestão de conflitos, do ponto de vista profissional. Dei-me conta, e assumo-o como algo imprescindível no meu quotidiano familiar, que a gestão que faço há bastante tempo dos afectos sem contudo a racionalizar, hoje é feita de uma forma calculada como de um mero acto de gestão se tratasse. Continua a soar-me mal. Soa-me até pior. Mas a vida é feita destas incongruências e a gestão de afectos é uma delas. Soa-me mal, mas faz sentir-me bem e, devo confessar, de bem com a minha consciência. Farei sempre essa gestão correctamente? Não! Não, com a toda a certeza. Caramba, estamos a falar de gestão, um acto que admite erros, créditos, déficies e por vezes injustiças em nome de um valor mais alto que se levanta e tem que ser atendido. A gestão de afectos não é diferente e não sei passar sem ela. Nem quero. Ou não posso? Ou não devo?

16.5.08

Tem razão. Isto, pelo menos, podemos fazer. E não custa nada.

Notícias e publicidade.

Desde que me lembro, nunca abordei aspectos da minha profissão num âmbito estritamente técnico, e quando o tema foi alvo de post teve sempre um enquadramento genérico. Mas hoje, ao ler a Visão, uma revista que respeito e habitualmente leio, concretamente o artigo que nos dá a conhecer, para além do texto, com imagens que falam por si, as tragédias que recentemente tiveram lugar na devastada província chinesa de Sichuan e nos arredores de Rangum, numa Birmânia desesperada, constatei algo que me causou uma sensação estranha de início e de repulsa à medida que a minha mente ia assimilando o que olhos viam e reviam. Não vou ser juiz de causa nenhuma, na procura de “culpados”, vamos chamar-lhes incautos, por genuinamente acreditar que de voluntário o acto não tem nada, mas apenas transmitir o que senti e ainda sinto sempre que me deparo com as páginas oitenta e oitenta e um. O título principal do tema Mundo Drama, é “A Ásia que chora”, acompanhado por uma fotografia que retracta as razões desse choro, a par das consequências da tragédia. Os subtítulos que assinalam os capítulos são também elucidativos: “A tragédia antes da festa”, “Descontentamento”, “Desastres históricos”. O poupar-vos ao texto, acredito ser perfeitamente compreendido por quem, eventualmente, me lerá. A minha actividade, sem entrar em grandes, desinteressantes e fastidiosas explicações, é publicidade. E lá estava ela, a publicidade, em formato de rodapé duplo ocupando as duas páginas em questão. Essas mesmo onde as tragédias estão contadas e expostas. Entre ondas e bolas verdes e vermelhas, uma jovem de cara “laroca” e sorriso enigmático, sentada numa dessas ondas como se duma enorme e confortável poltrona se tratasse, lança-nos um desafio que nos chega através de uma frase e que nos direcciona para um site – euvivonoutradimensao.pt e você? Eu vivo noutra dimensão, e você?
A marca que anuncia, e pagou pelo espaço publictário, a menos “culpada” neste triste episódio de pura infelicidade e desatenção, é, provavelmente, a mais penalizada aos olhos de leitores mais atentos, quer à leitura, quer à publicidade. Por momentos lembrei-me de outros casos igualmente infelizes em que o pivot de um noticiário, homem ou mulher, não interessa, não desfaziam o sorriso mesmo quando a notícia tomava proporções trágicas. Ser media, mesmo nestes casos que, porventura passarão despercebidos à maior parte das pessoas, também devia significar ser responsável. Já agora, não percebo porque tive que ir tão longe, até às páginas oitenta e oitenta e um, e não me fiquei pela capa. Um extraordinário exemplo do assunto aqui abordado. A capa, em formato de badana desdobrável, fala-nos da prostituição infantil no Brasil e retracta-a com imagens. O interior da badana, publicitária, claro, mostra-nos um anúncio glamoroso de um shopping, com uma loira espampanante dentro de um vestido vermelho. Mais cuidado, mais atenção, mais responsabilidade... mais visão? Era só isso que eu esperava. Ou devo andar a trabalhar demais.

Bom fim-de-semana.

Vou emigrar.

Pensei nisso esta manhã enquanto me dirigia para o trabalho. Eu ao volante, mas nem sempre em adamento, o anjinho num ombro e o diabinho no outro, os dois sentados com as mãos pousadas sobre os joelhos. O anjinho tolerante e afastando pacientemente as baforadas de fumo que o diabinho soprava em sua direcção, com a mestria de um fumador experiente. Eu em silêncio enquanto os ouvia num diálogo animado, tentando decidir qual seria a voz da consciência. E vais-te embora assim, sem mais nem menos? Claro, porque não? já fui emigrante uma vez. E deixavas uma cidade tão fantástica como Lisboa? Desculpa? podes repetir? Largavas um país como o nosso com um clima maravilhoso, sempre com um sol radiante? Deves estar a brincar! tens palas nos olhos, é? Um país com gente simpática. Como? Gente civilizada, sorridente e acolhedora. Desculpa? de que país estás a falar? O anjinho suava, sem que o tempo frio e desagradável contribuisse para isso. O diabinho rebolava-se de tanto rir, a ponto de se ter desequilibrado e quase cair para o chão. E o emprego? O que é que tem? Como fazias? Arranjava um a fazer o que sei fazer, ora. E os teus amigos? Os meus amigos continuariam a ser meus amigos, não vivo rodeado de amigos, tenho poucos mas muito bons. Mas gostas de te rir, tens a certeza que te ias rir lá para onde fosses? Porque não? o que é isso tem a ver com o sítio onde estamos? E adaptavas-te? Não vás por aí, sabes bem que sim. E aquelas pessoas que são mesmo especiais para ti? Iam comigo, são tão poucas. Os teus filhos? Claro! Tens a certeza? Faz-se silêncio, as feições do diabinho alteram-se que a conversa já não lhe estava a agradar. O anjinho sorri triunfal e o diabinho amua. Não vou emigrar... por enquanto!

15.5.08

Botero? Gosto e muito.

Corpo roliço deitado no prado verdejante. Que calor. Roupa? nem pensar! Quero estar assim, como vim ao mundo. E esta brisa campestre que me põe a sonhar. Não estou a gostar daquele livro. E deste? ah, não sei. Só me apetece sonhar e estou tão bem aqui. E as árvores ao fundo? não dão a sensação de serem uns rapazes esbracejando, meio enlouquecidos com a nudez e a volúpia da moça? Ela, romântica, e eles uns libertinos, com pensamentos pecaminosos. Malvados! Veste-te rapariga. Não, deixa-te estar assim, como Botero quis.

14.5.08

Rua da Atalaia, Bairro Alto, Lisboa.

Continua a ser um dos meus restaurantes preferidos em Lisboa, porventura o preferido, e não sei explicar porquê. Não sei se é por causa dos jaquinzinhos, mesmo zinhos, acompanhados com um refrescante arroz de coentros, ou da açorda real com gambas e lagosta. Será por causa do cabrito frito à Pap’Açorda? ou do bacalhau assado com batata a murro? Se calhar é por causa da alcatra à moda dos Açores, ou da garrafeira. Acho que é por causa de tudo, menos dos doces conventuais. Mas é, de certeza, por causa da mousse de chocolate. Ah, aquela mousse...

13.5.08

Crónicas de uma viagem (VI).


Rumámos ainda mais para o interior, para um local onde nos estava reservado o troféu que todos os caçadores sempre fizeram questão de possuir. Os “big five”. Outrora de espingarda ao ombro, hoje de máquina fotográfica a tira-colo. Um local mítico, no fim do mundo, onde as terras são mais férteis e a savana é invadida por uma vegetação densa e bosques de acácias. Ali ficaríamos três dias, que um dos “big five”, o leopardo, de tão tímido e fugidio, não é presa fácil. Confesso que ficaria dias sem conta, alternando as idas madrugadoras à selva com as horas relaxantes passadas na piscina com vista para o interminável vale, e sentindo a minha África de manhã à noite. Naquela piscina o cheiro não é de maresia, é de terra. O ar não é salgado e suavisado pela brisa marítima, é denso e soprado pela savana. Ali a vida está no seu estado mais selvagem e o coração bate apressado, de máquina fotográfica em punho, numa tentativa de capturar os animais que se tornam apenas presas para quem tem a destreza de se mostrar predador. Naquelas paragens, em pleno território Masai, terra de um povo guerreiro que crê ter sido escolhido por Deus, e onde o nascer do sol é uma alvorada tardia, não se descansa apenas o corpo, agitam-se os sentidos e recupera-se o espírito.

Desafios

O desafio colocado pela Cristina Ribeiro do Estado Sentido era aparentemente simples. Como se fosse simples olharmos para nós próprios e escolhermos seis palavras que nos definam. E eu sou Carneiro, acham que ia escrever seis palavras reveladoras de defeitos? É que nem os consigo encontrar.

Racional, sociável, ponderado, calmo, optimista, práctico.

Em cada uma das palavras vejo defeitos e virtudes. E desengane-se quem vê o contrário.

E consta que devo passar este desafio a outras pessoas. Aqui vai a lista: José Sócrates, Manuela Ferreira Leite, Monica Belluci, Sharon Stone, Paulo Bento, Brad Pitt e a ti, Emmanuelle Béart, quero ver como te safas desta.

12.5.08

Os passos da integridade.

Na vida há muitas formas de fazer as coisas, mas são poucas as posturas correctas perante ela. Sim, é verdade que errar faz parte da natureza humana, e ainda bem. Crescemos aos errarmos e jamais nos deveremos sentir diminuídos por isso. Também é verdade que o exercício de olharmos para nós, confrontando-nos com o insucesso, está longe de ser fácil e por vezes, se formos honestos, verificamos que não o conseguimos fazer por manifesta falta de coragem. Também faz parte da natureza humana, mesmo não desculpando a cobardia. Mas esse é um exercício que o tempo e a maturidade se encarregam de nos ensinar, numa aprendizagem por vezes cruel mas sempre gratificante e compensadora. A vida pode ser madrasta mas nós devemos mantermo-nos íntegros, numa troca que se afigura injusta em que a dádiva e a verticalidade não são, aparentemente, compensadas. E como agir numa situação idêntica? Abdicando dos nossos valores e princípios? Deixando de ser íntegros e verdadeiros? Disse-te que não, minha filha, e mantenho tudo o que disse. Vem isto a propósito de uma conversa com a mais velha sobre a vida em geral e sobre questões profissionais em particular, e cuja situação não difere de muitas que conhecemos. A verdade, pelos vistos, não compensa pai, e eu nem errei, apenas manifestei, transparentemente, os meus propósitos, expectativas e projectos. E assim estarei, a partir de Julho, a viver da tua mesada outra vez. Abençoada mesada que te voltarei a dar, que ela não paga a tua verticalidade, e sim bens materiais e algum conforto. Haverá porventura horas na tua vida em que o desafio e a decisão serão muito mais difíceis, mas o caminho da integridade que trilhares e que guiará os teus passos e a tua conduta, fará com que tomes a decisão acertada. Talvez a vida te torne menos transparente e cautelosa, mas isso é outra lição que aprenderás com ela. A verdadeira lição, aquela que interessa agora e sempre, foi a que deste a ti própria.

À desconversa com Emmanuelle Béart.

Que países, para além de França, mais te atraem?
O continente africano. Quando lá estou sinto-me viva. Lá encontra-se dignidade e sabedoria, no meio de uma miséria horrível.
Estamos de acordo, Emmanuelle.
És uma rapariga da cidade ou do campo?
Não sou uma rapariga da cidade e nunca serei.
Ai, isto já esteve a correr melhor.
Gostas de cozinhar?
Não sei cozinhar mas sou uma grande anfitriã.
Eu também não. Ah, isto está a compor-se.
E do que é que não gostas mesmo?
De snobismo e racismo.
Eu também detesto. Lindo!
E a tua alimentação? Como é?
Não contém nenhuma carne, açúcar, comprimidos ou álcool, à excepção de bom vinho.
E tu a dares-lhe! É para me contrariar? Já estás a desconversar. Daqui a pouco também já fui teu fã, Emmanuelle.
Mas eu gosto de café, curto e forte.
Ah...
Mas sou fã de um estilo de vida macrobiótico.
Ora bolas, és uma chata e para além disso já te achei mais bonita! E eu que quando te olhava via sempre uma musa de Botero. Olha, não tens gracinha nenhuma sabias?

Ainda Botero. De quem gosto.

Ele embriagado pelo compasso do tango. Ou será também pelo que terá bebido? De olhos fechados, deliciando-se com a dança. Não é para menos, com a musa que tem nos braços. Bigodinho impecavelmente aparado e chapéu na cabeça. Claro, um cavalheiro nunca tira o chapéu quando dança o tango. Ela vestida de vermelho paixão. Um vestido de alças finas deixando a pele à vista. O cabelo ruivo, cor de mel e longo, caindo-lhe pelas costas. Homem nenhum lhe resisitirá. O relógio no pulso direito. É dada a transgressões, ela. Os dois, imparáveis e feitos um para o outro. Outra senhora afasta-se dando-lhes espaço. Que para os dois dançarinos é vital.

Duelo (I).

Nota:
Este duelo é a três. Não lhe chamarei “trielo”, apenas e só, cara Ana, porque não gostei de ler a palavra escrita em título. Espero não ferir a sua susceptibilidade, pedindo antecipadamente as minhas desculpas e a sua compreensão.

Tal como Trajano celebrou a sua vitória em Dácia num Coliseu com cerca de 10.000 gladiadores e durante 123 dias, preparar-me-ei para desfrutar de uma vitória retumbante sobre duas respeitáveis adversárias. Para a História ficará o que todos sabemos já. Que senhora alguma conduz melhor que a malta! Gaudêncio, não estás vivo, senão seria a ti que encomendaria o projecto de um moderno Coliseu que fosse testemunha de uma vitória antecipada. Mas antes há que marcar a data, único ponto a que concedo a primazia da escolha às minhas adversárias. Local e arma são privilégios que me assistem e de que não abdicarei.

Faites vos jeux mesdames.

9.5.08

Rua Barão de Capanema, São Paulo, Brasil.

O restaurante está localizado num dos melhores bairros de São Paulo, para alguns o mais chic, e posiciona-se claramente. D.O.M., gastronomia brasileira. Alex Atala é um jovem chef, de uma simpatia e educação elogiáveis, com uma reputação que ultrapassa as fronteiras brasileiras e cuja formação e experiência foi adquirida na Europa. A exigência e o rigor do chef Atala é também patente no requinte do ambiente, da autoria do arquitecto Ruy Ohtake e do paisagista Gilberto Elkis, recriando o modernismo clássico, sem dispensar os linhos, pratas, madeira e cristais. Nada, mas mesmo nada, foi deixado ao acaso. As paredes coloridas transformaram-se na identidade visual do D.O.M., um espaço amplo e simultaneamente intimista, onde os cerca de sete metros de altura e a luminosidade da sala principal nos deixam impressionados. A cozinha? A cozinha é criativa e fiel ao posicionamento do restaurante, num tributo a antigos e novos ingredientes e sabores, pesquisados pelo próprio Alex Atala nas viagens que fez pelo Brasil, numa busca incessante pelo que há de melhor no seu país em matéria gastronómica e num compromisso pela valorização da cozinha brasileira. Feito este interlúdio, vamos à refeição. Foie gras com crocante de arroz selvagem e sorvete, ou vieiras marinadas com leite de côco, pimenta de cheiro e crocante de manga com Castanha-do-Pará. Estas são apenas duas das muitas entradas. O acompanhamento? Veuve-Clicquot. Precisarei de descrever os pratos principais e as sobremesas? Seguirei directamente para o vinho, tinto, claro. Uma reserva privada chilena, Don Melchor. Também os há, e muito bons, brancos. Tudo é bom no D.O.M., uma sigla que vem do latim Deo Optimo Maximo (Deus é óptimo e máximo, óptimo na sabedoria e máximo na bondade). A vertente criativa de Alex Atala levou-o a substituir a palavra Deo por Domus. E é o que o D.O.M. é. Uma casa moderna, de prestígio e de referência, pelo seu requinte, charme e cozinha superior, que figura no S. Pellegrino World’s 50 Best Restaurants. Uma paragem obrigatória para quem visita a maior metrópole da América do Sul. Noblesse oblige.

8.5.08

Bom fim-de-semana.

Gosto de Botero. Pois gosto.

Que harmonia. Que postura. Quanta firmeza. Que olhar, tão concentrado. Quanta feminidade. Que movimento delicado, envolto numa saia esvoaçante. A mão esquerda apoiando-se suavemente na barra. E o rigor do detalhe, com a cor do sapato a condizer com a da flor no cabelo. Quanta graciosidade sobre um pé em ponta perfeita.

7.5.08

Crónicas de uma viagem (V).

Youstus era o nome dele (e espero que ainda seja, que esteja vivo para que os 6 filhos o repitam todos os dias). Um negro alto e encorpado que ganhava a vida como guia turístico no Quénia, conduzindo, muito mal, verdade seja dita, uma carrinha de 9 lugares. Lembro-me bem que era uma Bedford branca que me pareceu mais velha que o seu condutor, assim que cheguei a Nairobi. Velha e caprichosa já que as minhas malas se encarregou de espalhar em território Masai, quando resolveu abrir, sem que ninguém lhe dissesse para o fazer, a grande porta da bagageira. Tão indecentemente caprinhosa que por sua conta e risco dos ocupantes, decidiu separar-se de uma roda quando o Youstus a dirigia, como sempre mal, a uma velocidade desanconselhada, numa picada a que ele dava o nome de estrada. Estou vivo para contar o episódio porque o Diabo devia estar a dormir a sesta e tive a sorte de um dos Deuses a ter interrompido para ir aliviar a bexiga (estou a imaginá-lo a dizer mal dos seus pecados, ou melhor, bem das suas virtudes, porque pecados era com o Outro, o que se deixou dormir). Chegámos ao lodge, lá nos confins de Mara, porque, felizmente, as rodas tinham 4 porcas e fiquei a saber que se podem fazer centenas de quilómetros com apenas 3 em cada uma delas. Youstus tinha tão mau de condutor quanto de bom conversador. Um homem culto, educadíssimo, com um humor britânico e instruído. Uma manhã, bem cedo, como começavam todos os nossos dias, depois de vários quilómetros percorridos em direcção a Nankuro e já com o território Samburo a fazer parte da lembrança, atravessámos uma povoação em pleno Rift Valley. Uma povoação que não era diferente de muitas outras por onde passáramos. Algumas casas, população sorridente e uma escola, sempre uma escola. Pedi-lhe para parar em frente à escola e ele assim fez, sem contudo conseguir esconder o seu espanto, que mais à frente seria substituído por um sorriso, as mãos no volante e os olhos na estrada. As fotografias que tirei ainda as guardo comigo. Fotografias da professora e dos seus pupilos, alguns descalços mas todos trajando um uniforme cuidado. Estavam a ter aula de aritmética, posso afirmar a pés juntos, numa sala improvisada ao ar livre. Dei conta que havia outras salas de madeira pré-fabricada, só que estavam todas cheias. Improvisada era a sala, assim o era a ardósia, com a tabuada a ser ensinada numa caligrafia perfeita e desenhada na terra poeirenta. Com disciplina e muita alegria, que acredito ser genuína, repetiam em coro os números que a professora, de vara na mão apontada para o chão, ensinava. As mais atrevidas distraíram-se por momentos para me acenar, sorridentes, acompanhadas logo depois pela professora num acto de tolerância e cumplicidade, convidando-me a entrar numa das salas. Ainda a velha Bedford não se tinha feito de novo à estrada, indolente e contrariada, a lenga-lenga tinha sido retomada, qual coro infantil afinado que ecoou na minha cabeça durante vários quilómetros, o tempo suficiente para pensar que Mr. Jomo Keniatta teria razões para estar muito orgulhoso.

(post antigo adaptado a Crónicas de uma viagem)

Minha Pátria é a Língua Portuguesa


MANIFESTO
EM DEFESA DA LÍNGUA PORTUGUESA
CONTRA O ACORDO ORTOGRÁFICO


(Ao abrigo do disposto nos Artigos n.os 52.º da Constituição da República Portuguesa, 247.º a 249.º do Regimento da Assembleia da República, 1.º n.º. 1, 2.º n.º 1, 4.º, 5.º, 6.º e seguintes da Lei que regula o exercício do Direito de Petição)

Ex.mo Senhor Presidente da República PortuguesaEx.mo Senhor Presidente da Assembleia da República PortuguesaEx.mo Senhor Primeiro-Ministro



1 – O uso oral e escrito da língua portuguesa degradou-se a um ponto de aviltamento inaceitável, porque fere irremediavelmente a nossa identidade multissecular e o riquíssimo legado civilizacional e histórico que recebemos e nos cumpre transmitir aos vindouros. Por culpa dos que a falam e escrevem, em particular os meios de comunicação social; mas ao Estado incumbem as maiores responsabilidades porque desagregou o sistema educacional, hoje sem qualidade, nomeadamente impondo programas da disciplina de Português nos graus básico e secundário sem valor científico nem pedagógico e desprezando o valor da História.
Se queremos um Portugal condigno no difícil mundo de hoje, impõe-se que para o seu desenvolvimento sob todos os aspectos se ponha termo a esta situação com a maior urgência e lucidez.

2 – A agravar esta situação, sob o falso pretexto pedagógico de que a simplificação e uniformização linguística favoreceriam o combate ao analfabetismo (o que é historicamente errado) e estreitariam os laços culturais (nada o demonstra), lançou-se o chamado Acordo Ortográfico, pretendendo impor uma reforma da maneira de escrever mal concebida, desconchavada, sem critério de rigor, e nas suas prescrições atentatória da essência da língua e do nosso modelo de cultura. Reforma não só desnecessária mas perniciosa e de custos financeiros não calculados. Quando o que se impunha era recompor essa herança e enriquecê-la, atendendo ao princípio da diversidade, um dos vectores da União Europeia.
Lamenta-se que as entidades que assim se arrogam autoridade para manipular a língua (sem que para tal gozem de legitimidade ou tenham competência) não tenham ponderado cuidadosamente os pareceres científicos e técnicos, como, por exemplo, o do Prof. Doutor Óscar Lopes, e avancem atabalhoadamente sem consultar escritores, cientistas, historiadores e organizações de criação cultural e investigação científica. Não há uma instituição única que possa substituir-se a toda esta comunidade, e só ampla discussão pública poderia justificar a aprovação de orientações a sugerir aos povos de língua portuguesa.

3 – O Ministério da Educação, porque organiza os diferentes graus de ensino, adopta programas das matérias, forma os professores, não pode limitar-se a aceitar injunções sem legitimidade, baseadas em "acordos" mais do que contestáveis. Tem de assumir uma posição clara de respeito pelas correntes de pensamento que representam a continuidade de um património de tanto valor e para ele contribuam com o progresso da língua dentro dos padrões da lógica, da instrumentalidade e do bom gosto. Sem delongas deve repor o estudo da literatura portuguesa na sua dignidade formativa.
O Ministério da Cultura pode facilitar os encontros de escritores, linguistas, historiadores e outros criadores de cultura, e o trabalho de reflexão crítica e construtiva no sentido da maior eficácia instrumental e do aperfeiçoamento formal.

4 – O texto do chamado Acordo sofre de inúmeras imprecisões, erros e ambiguidades – não tem condições para servir de base a qualquer proposta normativa.
É inaceitável a supressão da acentuação, bem como das impropriamente chamadas consoantes "mudas" – muitas das quais se lêem ou têm valor etimológico indispensável à boa compreensão das palavras.
Não faz sentido o carácter facultativo que no texto do Acordo se prevê em numerosos casos, gerando-se a confusão.Convém que se estudem regras claras para a integração das palavras de outras línguas dos PALOP, de Timor e de outras zonas do mundo onde se fala o Português, na grafia da língua portuguesa.
A transcrição de palavras de outras línguas e a sua eventual adaptação ao português devem fazer-se segundo as normas científicas internacionais (caso do árabe, por exemplo).
Recusamos deixar-nos enredar em jogos de interesses, que nada leva a crer de proveito para a língua portuguesa. Para o desenvolvimento civilizacional por que os nossos povos anseiam é imperativa a formação de ampla base cultural (e não apenas a erradicação do analfabetismo), solidamente assente na herança que nos coube e construída segundo as linhas mestras do pensamento científico e dos valores da cidadania.

Os signatários,
Ana Isabel Buescu
António Emiliano
António Lobo Xavier
Eduardo Lourenço
Helena Buescu
Jorge Morais Barbosa
José Pacheco Pereira
José da Silva Peneda
Laura Bulger
Luís Fagundes Duarte
Maria Alzira Seixo
Mário Cláudio
Miguel Veiga
Paulo Teixeira Pinto
Raul Miguel Rosado Fernandes
Vasco Graça Moura
Vítor Manuel Aguiar e Silva
Vitorino Barbosa de Magalhães Godinho
Zita Seabra
...

Espero e acredito sinceramente que esta não será apenas mais uma iniciativa contra o Acordo Ortográfico, mas sim a iniciativa que irá conseguir reunir apoios suficientes para dar uma prova definitiva de como existe um sentimento generalizado contra esta mudança que nos querem impor. Mais do que uma simples contestação, é a defesa da nossa identidade que nos move, e quando assim é, haverá causa mais nobre?

6.5.08

À nossa amizade.

“As tuas palavras fizeram-me sentir um ar fresco nessa parte de nós que às vezes chamamos alma e que ninguém sabe o que é e onde é. Saí da empresa faz já três anos e tentei escrever um livro, mas mil fantasmas esperavam-me escondidos nas esquinas mais insuspeitas. Primeiro dei-me conta que a imagem que havia criado de mim próprio não coincidia com o que eu pensava de mim. Muitas pessoas que me admiravam, pela minha força e coragem, nunca poderiam entender que jamais tive essa força e muito menos toda essa coragem. Senti-me refém do que havia feito crer a essas pessoas e, pior, isso afectou-me sobremaneira. De imediato entendi que a minha debilidade maior foi sempre cumprir com as expectativas dos outros. Não é fácil explicar isto, mas estou certo que tu entenderás. E é terrível que a satisfação de alguém passe pela aprovação de outros. Ainda assim tentei descobrir outra possibilidade, mas não encontrei o caminho e voltei à “estrada”. Necessito dos outros, em especial daqueles com quem posso falar, discutir, aprender, ensinar, divertir-me e criar. Quanto mais escrevo, mais tenho a sensação que é tanta a importância que dou ao juízo dos outros, que isso tolda o meu próprio juízo. A minha autosensura é gigantesca e o meu receio em expor-me a territórios profundos e desconhecidos é dramática. Não falo de publicidade, onde tudo tem um imediatismo incomensurável e uma leviandade enorme. Falo em criar coisas que possam comover ou entreter de uma forma genuína e intimista.”

Trecho de uma carta escrita por um amigo publicitário uruguaio, com quem tive o privilégio de privar durante cerca de três anos. Um homem que já passou dos sessenta anos e que tem tudo na vida, até mesmo a lucidez, e a coragem, de olhar para si próprio. Um homem de quem aprendi lições de vida em tempos difíceis. Tempos em que empregos e carreiras de muitas outras pessoas se jogavam nas decisões tomadas por nós. Por mais que tente, na verdade e para ser honesto, creio que nunca tentei verdadeiramente, jamais conseguirei explicar o que esses tempos representaram para mim, como homem e profissional em longínquas paragens da América do Sul. O que fizemos, fizemos muito bem, meu amigo. Continuo a ter uma inabalável convicção que ninguém teria feito melhor que nós. E depois de tudo ainda ficou esta amizade. Com tua licença, as tuas palavras merecem ser públicas.

(Foto de Punta Del Este, Uruguai, recordando poucos mas bons momentos de descontracção).

Escutar Montmartre

Montmartre exerce um fascínio inexplicável sobre a minha pessoa. Sempre que vou a Paris tento ir a Montmartre, mesmo sem objectivo ou propósito algum. Apanho o metro, saio em Lamarck-Caulaincourt, subo até à Sacré-Coeur, digo olá a Pigalle, delicio-me com a vista de Paris e regresso. Tenho a sensação que se trata de uma romaria involuntária, com as minhas pernas e os meus pés numa desobediência impossível de contrariar por quem devia mandar neles. Se em Paris creio encontrar sempre algo de novo nos mesmos locais por onde já passei, em Montmartre tenho a certeza. A última vez que lá estive, e já faz algum tempo, dei-me conta que uma das razões desse fascínio se prende com o facto de escutar Montmartre. É isso, agora sei, aprendi e gosto de escutar o que esse bairro histórico de Paris situado no XVIIIº arrondissement tem para me dizer. As ruelas, as escadarias, as varandas floridas, os acordeões cansados e as pedras da calçada, entregam-nos as suas vozes em sussurros clandestinos e poéticos, contando-nos histórias de outrora, envoltas em mistério, de boémios anónimos e artistas famosos.

5.5.08

Os jovens e as suas carreiras. Ou os jovens e o trabalho?

Todos sabemos que o acesso dos jovens ao trabalho é um assunto que requer a nossa atenção e, mais que isso, trata-se, ou deveria tratar-se de uma preocupação social. Há medida que o tempo vai passando, e nas empresas onde tenho trabalhado, vejo-me cada vez mais rodeado por gente jovem, talentosa e com sonhos legítimos. A muita dessa gente jovem é já possível, infelizmente e demasiado cedo, observar atitudes e vícios que deveriam estar, quanto muito, guardados para outros tempos. A esses jovens por quem, apesar de tudo tenho apreço, que muitas vezes e do alto dos seus pedestais feitos de barro assentes numa ignorância que a vida ainda lhes permite mas não desculpará, começo por citar uma passagem extraordinária que descreve o diálogo entre uma freira americana que cuidava de leprosos algures no Pacífico e um milionário texano. Disse-lhe ele, vendo-a a tratar dos infelizes, “Irmã, eu não faria isso por dinheiro nenhum do mundo”. E ela respondeu-lhe, “eu também não, meu filho”. Não vou fazer uma apologia à probreza, mas antes ao trabalho e à paixão por algo que escolhemos como sendo a nossa profissão. Gengis Khan não controlou um império quatro vezes maior que o de Alexandre e o dobro do de Roma, por dinheiro. A determinada e fascinante Madame Curie não dedicou a sua vida à ciência por dinheiro. Napoleão não invadiu a Europa por dinheiro, nem Michelangelo passou 16 anos a pintar a Capela Sistina por dinheiro. Amavam o seu ofício e dedicaram-se a ele de alma e coração, fascinados pelo realizar. Colocar paixão no que fazemos é preferir o erro à omissão, o fracasso ao tédio; é fazer, errar, tentar, falhar, lutar. E não acomodar-se e desperdiçar a oportunidade de ter vivido. Não sou eu que o digo. Vem na Bíblia e está escrito na carta de Laudiceia. Entregarmo-nos ao que escolhemos ser a nossa profissão é não nos sentarmos e passarmos a ser analistas da vida alheia, sermos meros espectadores do mundo, comentadores do quotidiano e tornarmo-nos pessoas que vivem a dizer “eu não disse? eu sabia”. Todos nós temos um amigo batalhador que construiu alguma coisa e outro amigo muito inteligente e fracassado que nos conta tudo o que ele faria, se fizesse alguma coisa. Chega de poetas não publicados, de empresários de mesa de restaurante, de pessoas que “fazem” coisas fantásticas no fim-de-semana, mas nunca as conseguem concretizar à segunda-feira. Porque não sabem ansiar, não sabem perder a pose, não sabem recomeçar. Porque não sabem, nem querem trabalhar. Acreditem que o trabalho não mata, ocupa o tempo e evita o ócio que é uma morada obscura. O trabalho é a alavanca para se construir alguma coisa, ou se calhar tudo, na vida. Só o trabalho nos leva a conhecer pessoas e mundos que os acomodados não conhecerão. E é a isso que se chama sucesso. Um amigo ofereceu-me um livro de José Saramago, com uma feliz dedicatória, na qual faz menção a uma breve passagem, que retrata o legado de um avô ao neto, e com a qual termino. “Trabalho que se começa, acaba-se, a chuva molha, mas ossos não parte”.

Post inspirado e adaptado de um texto de Nizan Guanaes, um famoso publicitário brasileiro.

Porque o seu a seu dono.

E isso é bom?

Benfica e Guimarães dependem do Sporting para chegarem à Champions. A frase passava, discreta, no teletexto. Melhor para os dois, seria pior para eles se dependessem deles, diz-me o mais velho entre dentes e com um ar sério, dando mostras de um sportinguismo vacilante, mesmo depois e um fim-de-semana proveitoso.

4.5.08

Rua do Almeida, Estremoz.

O ambiente é castiço e tudo se passa no interior de uma antiga adega tradicional, onde ainda se preservam as grandes pipas usadas para o vinho. A Adega do Isaías manteve-se inalterada ao longo dos anos. Não mudou, nem mudará, diz-nos sabiamente o senhor Isaías, que continua a ser o grelhador oficial, um homem que trata as brasas por tu. Sobre mesas e bancos corridos é servida a melhor carne alentejana, grelhada a primor. Rezam as crónicas que Mário Soares, enquanto Presidente da República e trocando as voltas ao protocolo, convidou o Rei Juan Carlos, numa das suas visitas a Portugal, para um repasto numa tasca alentejana, e sorrio só de os imaginar sentados naqueles bancos. Pão centeio, presunto de porco preto alentejano, azeitonas batidas com a pedra e excepcionalmente temperadas. Espargos bravos com ovos, borrego assado no forno, caldeirada de caça. Com esta ementa daria descanso ao senhor Isaías, mas quem visita a Adega dele pela primeira vez, recomendo os seus grelhados. O vinho? É bom e bebe-se a jarro, que ali não há as peneiras dos rótulos. Os meus cumprimentos e agradecimentos ao senhor Isaías e à sua família. Por manterem a cozinha regional como ela é e deve ser. Regional.

Como se escreve na blogosfera.

Porque é que tenho a sensação que as mulheres escrevem melhor que os homens? Pronto, começo assim, indo direito ao assunto e sem complexos em dizer o que sinto e sem problemas sobre como esta interrogação-afirmação possa ser interpretada, e seja por quem for. E não me venham com a conversa de que devemos evitar as generalizações. Senão teria que dizer, de uma forma politicamente correcta e diplomata, que, na generalidade, as mulheres escrevem melhor que os homens, o que não me apetece nada e, aí sim, estaria a contrariar o que sinto. Elas são mais sensíveis e sensitivas que nós. Mais argutas, ligadas aos detalhes, estudiosas, de uma inteligência emocional superior e mais preserverantes. E têm uma coisa que nós não temos. Memória. Por outro lado conseguem ser mais assertivas e simultaneamente mais desprendidas, mais racionais e mais objectivas. E têm outra coisa que nós não temos. Um sentido cronológico apurado. Só assim se explica que a escrita de uma mulher seja profunda e a de um homem se torne densa. Ou que a escrita delas seja envolvente e a nossa se torne aborrecida e entediante. Ou ainda, que a escrita das mulheres seja cativante e a dos homens rectilínea. Que a escrita delas seja paciente, sem pressa, e a nossa apressada e menos interessante. As mulheres escrevem sobre a vida sem temores ou complexos, e escrevem bem. Os homens quando escrevem sobre a vida, por temor ou complexo, ficam a meio caminho. Elas assumem a escrita romântica sem fazer dela lamechas. Nós nem tentamos fazê-lo porque não sabemos como, apenas sabemos que a escrita seria ridícula. Elas conseguem uma escrita descontraída e com humor. E nós? Quando a descontracção toma conta da pena, a escrita não passa de superficial. As mulheres têm aquela aptidão inata de serem, ao mesmo tempo, intuitivas e cerebrais. E passam-no para a escrita. Os homens quando escrevem, ou são uma coisa ou são outra. A escrita delas é envolvente, a nossa apenas apreciada. O que leio na blogosfera contraria, do meu ponto de vista, a teoria ancestral Yin e Yang, e o equilíbrio entre o princípio passivo, nocturno, escuro e frio atribuído ao lado feminino e o princípio activo, diurno, luminoso e quente atribuído ao lado masculino. Porque é que tenho a sensação que as mulheres escrevem melhor que os homens?

Crónicas de uma viagem (IV).


Mombassa já foi uma colónia portuguesa subordinada a Goa, no século XVII. Vasco da Gama foi o primeiro europeu a visitar Mombassa, a segunda cidade do Quénia, e os vestígios lusos são bem visíveis naquela cidade histórica banhada pelo oceano Índico, um ponto estratégico na rota dos navegadores portugueses e onde o Forte Jesus, situado na parte velha de Mombassa, permanece um bastião incontornável de batalhas travadas em tempos idos e da presença dos nossos antepassados por aquelas paragens. A decisão de viajar de comboio até Mombassa revelou-se acertada e contribuiu para que eu vivesse mais uma experiência inesquecível em continente africano, com uma noite passada numa carruagem que me acolheu como se em casa estivesse. A aproximação do oceano fez-se sentir através do ar quente e húmido que, progressivamente, entrava pela janela. Cheguei a Mombassa ao amanhecer e atravessei a cidade, já numa azáfama desordenada, rumo ao hotel que me aguardava junto ao mar. Os três dias previstos para uma estadia essencialmente repousante em praias banhadas pelo Índico, acabaram por ser encurtados em vinte e quatro horas. Mombassa é rodeada de praias paradisíacas, mas apenas iguais a tantas outras espalhadas por esse mundo fora, e depois de dias tão intensos vividos na savana africana, não consegui contrariar o meu desapontamento. Mombassa foi uma decepção. Para além das horas de tédio passadas na praia, compensadas por uma dieta já apetecida de peixe e marisco, na memória ficou uma noite de luar, daquelas em que a lua ilumina a leitura de um livro à beira mar. E fiquei a conhecer a origem daqueles panos coloridos, as kangas, que as senhoras europeias usam à cintura quando o Verão dá sinais de si, e que são o traje tradicional das mulheres Swahili.

2.5.08

Bom fim-de-semana.

Bom fim-de-semana, e para quem gosta, fica um senhor chamado Barry White com a soberba interpretação de My first, my last, my everything.
Eu vou andar com a prancha na carrinha, espero que o mar esteja de feição.

1.5.08

Qual foi a melhor invenção dos últimos tempos?

A pergunta surgiu à mesa e espontâneamente, num dos poucos jantares em que consigo juntar a prole, com uma faixa etária considerável – dos vinte e três aos três, e com desequilíbrio entre o sexo masculino e feminino – três rapazes e duas meninas. Sim, porque ao caçula foi concedido o direito de participar, depois de uma breve ajuda preliminar. Qual foi a melhor invenção dos últimos tempos? E os interesses das gerações manifestam-se de imediato. Relembro o universo etário a quem foi lançado o repto: dos vinte e três aos três anos. Entre momentos de conversa séria e gargalhadas genuínas, pelo menos o jantar do mais novo decorreu mais calmamente que o habitual... deve ter feito para aí uns 9 disparates, o triplo da idade dele, o que não foi nada mau. As respostas? Aqui fica uma pequena lista, sem fazer menção aos autores (mas não será difícil adivinhar, apesar de aqui e ali algumas respostas serem coincidentes). E acrescento uma das invenções eleitas por quem estava a arbitrar nessa noite. E que me vai dar um jeitão assim que terminar estas linhas.

A pílula, o tampão, a televisão, o computador, a internet, o telemóvel, o ipod, o micro-ondas, o Noddy e a ASPIRINA.

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