23.5.08
Crónicas de uma viagem (VIII)
De volta a Nairobi, essa imensa metrópole africana, situada a 1.700 metros de altitude e que é o centro de uma rica região agrícola onde o café e o chá predominam, outrora uma planície semi-deserta de onde se avistava o Monte Kilimanjaro. Uma cidade com um clima seco, em que os únicos meses de precipitação são Abril, Maio e Novembro, e em que a amplitude térmica média entre o suposto Inverno e o permanente Verão se rege por um mísero e insignificante dígito. Tive sorte, então. Youstus franziu o sobrolho quando lhe pedi, e tive que insistir, que me levasse a Kibera. Considerei naturalíssima a reacção dele. Idêntica seria a minha se as posições se invertessem e um turista hospedado num dos melhores hotéis da cidade me pedisse que o levasse à maior favela da capital. Nesse ano estimava-se que vivessem ali cerca de meio milhão de pessoas e pelo que pesquisei, antes de escrever esta crónica, hoje habitam cerca de um milhão, ou seja 25% da população de Nairobi. O que me moveu a visitar aquela que é hoje a maior favela de África não foi uma curiosidade despropositada ou mórbida, nem tão pouco um impulso de solidariedade. Foi o apelo que África voltou a suscitar em mim, nesta viagem. Depois de quase duas semanas em continente africano, já não era apenas a imensidão da terra, o indescritível pôr do sol na savana, o luar raro de tão luminoso, ou a natureza no seu estado mais puro e selvagem, que se haviam instalado no meu ser. Eram também a cor das cores, o cheiro dos cheiros, o pó, o som dos sons, o ar que respirava e as gentes que me rodeavam. O que moveu a querer ir a Kibera foi o simples e irremediável sentimento de sentir África. Kibera, que mais tarde se tornou conhecida por lá ter sido rodado o célebre filme O Fiel Jardineiro, não é diferente de tantas outras favelas do planeta, onde a pobreza extrema coabita com a dignidade, por mais que sejamos relutantes em aceitar essa crua realidade. Mas é em África e isso, sem que consiga explicar, bastou-me naquele dia, daquela viagem.
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16 comentários:
Lembro-me bem do filme, Caro Mike.
Como sabe, andou lá o Diabo, depois das últimas eleições, o que vem mostrar que os Antigos tinham razão quando lembravam que a desgraça pode sempre aumentar e dá eco à Sua Compaixão, num sentido de maior respeito e genuinidade do que o da peninha arvorada.
Abraço
Caro Réprobo, os Antigos tinham razão e muitas, tantas vezes, continuam a tê-la.
Abraço.
Mike, aconteceu-me o mesmo no Recife: pedi ao meu "guia" improvisado que me levasse à maior favela de lá, que ele me tinha indicado de longe, com muitas explicações sobre a maneira de viver daquela gente. Recusou-se a ir lá comigo, sequer a levar-me até lá. Sozinha não me atrevi, depois de tudo o que tinha ouvido, mas fiquei com pena até hoje. E também não era com o espírito de "visita ao jardim zoológico" que eu queria lá ir, é só porque gosto de conhecer a fundo os sítios onde estou. Por isso percebo muito bem o seu impulso.
A minha viagem deste ano será à Índia. Tenho que me preparar bem para ela, porque emoções destas não vão faltar.
Ana, :)
Haverá quem não entenda, estou certo. Coisas que se sentem, não se explicam.
Mulheres a preparar viagens... ui. ;)
Ah, essa vai ter de explicar, menino Mike... o que é isso de "mulheres a preparar viagens", hein?
Elementar cara Ana. Se vai para a Índia em Setembro e ainda não começou a fazer as malas, então já está atrasada e em stress... (muitos, muitos risos)
Que gracinha!
Ai, ai, o que para aí vai, Mike e Ana. Também vou preparar uma viagem de sonho, para depois medirmos forças: a minha foi melhor lá, lá,lá :)
Cristina, se começa agora a prepará-la, é melhor que vá viajar lá para Outubro, certo? (risos)
Cristina, entre na dança sim. O Mike está muito rezingão, preciso de reforços...
Mike, e que novidade é esta das letras lá em baixo? O que me saíu agora foi HOUUMM, fez-me lembrar aqueles mantras budistas... não está mal, para preparar a viagem à Índia!
Gosto muito de relatos de viagens, Mike, embora esses pontos de concentração dos mais pobres me atraiam pouco. Acho que tenho medo do que possa ver (ou imaginar pelo que leio).
P.S.: Não dispensaremos, naturalmente – e no momento oportuno – todos os detalhes das viagens da Ana e da Cristina. :-)
Luísa, e eu sem saber explicar muito bem como e porquê aquela vontade de ir a Kibera. Acho que, depois de algum tempo, me ter deixado de sentir um turista em África. Enfim, eu sei que também não serve de explicação. Esperaremos pelos relatos da Ana e da Cristina, sim.
Yutarets! kasagad bah!
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