Desde que me lembro, nunca abordei aspectos da minha profissão num âmbito estritamente técnico, e quando o tema foi alvo de post teve sempre um enquadramento genérico. Mas hoje, ao ler a Visão, uma revista que respeito e habitualmente leio, concretamente o artigo que nos dá a conhecer, para além do texto, com imagens que falam por si, as tragédias que recentemente tiveram lugar na devastada província chinesa de Sichuan e nos arredores de Rangum, numa Birmânia desesperada, constatei algo que me causou uma sensação estranha de início e de repulsa à medida que a minha mente ia assimilando o que olhos viam e reviam. Não vou ser juiz de causa nenhuma, na procura de “culpados”, vamos chamar-lhes incautos, por genuinamente acreditar que de voluntário o acto não tem nada, mas apenas transmitir o que senti e ainda sinto sempre que me deparo com as páginas oitenta e oitenta e um. O título principal do tema Mundo Drama, é “A Ásia que chora”, acompanhado por uma fotografia que retracta as razões desse choro, a par das consequências da tragédia. Os subtítulos que assinalam os capítulos são também elucidativos: “A tragédia antes da festa”, “Descontentamento”, “Desastres históricos”. O poupar-vos ao texto, acredito ser perfeitamente compreendido por quem, eventualmente, me lerá. A minha actividade, sem entrar em grandes, desinteressantes e fastidiosas explicações, é publicidade. E lá estava ela, a publicidade, em formato de rodapé duplo ocupando as duas páginas em questão. Essas mesmo onde as tragédias estão contadas e expostas. Entre ondas e bolas verdes e vermelhas, uma jovem de cara “laroca” e sorriso enigmático, sentada numa dessas ondas como se duma enorme e confortável poltrona se tratasse, lança-nos um desafio que nos chega através de uma frase e que nos direcciona para um site – euvivonoutradimensao.pt e você? Eu vivo noutra dimensão, e você?
A marca que anuncia, e pagou pelo espaço publictário, a menos “culpada” neste triste episódio de pura infelicidade e desatenção, é, provavelmente, a mais penalizada aos olhos de leitores mais atentos, quer à leitura, quer à publicidade. Por momentos lembrei-me de outros casos igualmente infelizes em que o pivot de um noticiário, homem ou mulher, não interessa, não desfaziam o sorriso mesmo quando a notícia tomava proporções trágicas. Ser media, mesmo nestes casos que, porventura passarão despercebidos à maior parte das pessoas, também devia significar ser responsável. Já agora, não percebo porque tive que ir tão longe, até às páginas oitenta e oitenta e um, e não me fiquei pela capa. Um extraordinário exemplo do assunto aqui abordado. A capa, em formato de badana desdobrável, fala-nos da prostituição infantil no Brasil e retracta-a com imagens. O interior da badana, publicitária, claro, mostra-nos um anúncio glamoroso de um shopping, com uma loira espampanante dentro de um vestido vermelho. Mais cuidado, mais atenção, mais responsabilidade... mais visão? Era só isso que eu esperava. Ou devo andar a trabalhar demais.
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14 comentários:
Quantas vezes dei comigo a pensar o mesmo, Mike!
:-(
Pois...
Teresa, infelizmente, e pelos vistos, não fui só eu a ter esta reacção.
E agradeço a visita.
Mike e Ana,
apercebi-me agora que estão a agendar o duelo para o último fim-de-semana de Maio.
Infelizmente não estou cá: o mano mais velho faz anos.
Podemos re-agendar?
:-)
Por mim, claro, Fugidia. Diga então quando lhe dá jeito.
Mike, não li essa Visão mas já me chocaram muitos casos desses. De pura desatenção ou, mais ainda, de insensibilidade social. Mas também de estratégia errada, porque, mesmo para aqueles que não fazem disso uma leitura mais técnica, como nós (ainda me considero uma publicitária, com muita honra), há qualquer coisa que os incomoda mesmo que não saibam explicar porquê.
Mas fico contente por saber que, contra a opinião generalizada, ainda há publicitários com poder de decisão (como é o seu caso) que não descuram os valores humanos fundamentais.
mas tambem uma coisa eh o artigo e outra o espaco que o paga...?...tou a olhar isto de uma maneira clinica? fria?...
desculpa Mike, mas se bem que incredulo com o que se passa na China neste momento could not care less about advertising when reading something like that...it's just secondary to the all tragedy if you know what I mean...being in advertising I guess you must take these things more seriously.
I'm also not too keen when my company advertises using images from NG, award winning images indeed but showing peoples suffer...so i see...
numa nota mais light: o Daily Mail hoje tem um artigo sobre obesidade infantil, " over 40% of UK children have a weight issue"...coisa que me preocupa porque era um gordinho e nao quero que o Caue passe pelos mesmo "atribulamentos", na proxima pagina um anuncio do MacDonalds...
tara ta ta rammm..i'm loving it...bastards...but I like the original tune...Justin!
J
E no entanto, Meu Caro Mike, por muito revoltante que seja - e é - esse tipo de apelo, sugando a atenção despertada pela força da tragédia, o acidente da mensagem publicitária também contém, inadvertidamente um alerta: o de que vivemos, de facto, noutra dimensão, aquilo que os oitocentistas já tinham enunciado com a ideia de que nos causa mais sofrimento pisar a cauda do nosso cão do que a nova de centenas de vítimas de um terramoto na China...
E aqui entronca a insensibilidade dois pivots. O automatismo ensinado fá-los dispensáveis, podem colocar no lugar robots. Estou certo de que cobrariam salários menos elevados.
Abraço
Ana, obrigado pelas suas palavras. :)
Continuo convictamente a acreditar que, publicitários ou não, quem descura esses valores está condenado, quanto mais não seja, à pobreza de espírito.
Jose, :)
Mas promete-me que não te zangas com o Cauê quando ele quiser que o leves ao MacDonalds. :)
Está coberto de razão, meu caro Réprobo.
Um abraço.
zangar?..nao...consigo muito bem dar um NAO com um sorriso nos labios...e uma boa alternativa tambem...lol...account management aka sales...lembras-te?...ha!
aka sales might be genetic... lol.
verdade!!!..o sacana...a ultima foi hoje...
- Caue can you stop because you're going to be sick?....
(isto depois de um Nando's - galinha com fritas...)
- Sorry Daddy, I can't....
ha!...para publicidade ja nao vai ao menos....lol...
xicuracao
Caro Mike
Sou leitor assíduo da Visão e estas situações também me 'revoltaram'. Como tantas outras que por aí aparecem noutros meios. E pergunto-me: onde raio têm a cabeça os editores ao permitirem estes desconexos, que são chocantes? Têm a sensibilidade embotada, são estúpidos ou estão-se nas tintas, de tão rendidos à facturação sem se preocuparem com mais nada?
Um abraço
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