7.5.08

Minha Pátria é a Língua Portuguesa


MANIFESTO
EM DEFESA DA LÍNGUA PORTUGUESA
CONTRA O ACORDO ORTOGRÁFICO


(Ao abrigo do disposto nos Artigos n.os 52.º da Constituição da República Portuguesa, 247.º a 249.º do Regimento da Assembleia da República, 1.º n.º. 1, 2.º n.º 1, 4.º, 5.º, 6.º e seguintes da Lei que regula o exercício do Direito de Petição)

Ex.mo Senhor Presidente da República PortuguesaEx.mo Senhor Presidente da Assembleia da República PortuguesaEx.mo Senhor Primeiro-Ministro



1 – O uso oral e escrito da língua portuguesa degradou-se a um ponto de aviltamento inaceitável, porque fere irremediavelmente a nossa identidade multissecular e o riquíssimo legado civilizacional e histórico que recebemos e nos cumpre transmitir aos vindouros. Por culpa dos que a falam e escrevem, em particular os meios de comunicação social; mas ao Estado incumbem as maiores responsabilidades porque desagregou o sistema educacional, hoje sem qualidade, nomeadamente impondo programas da disciplina de Português nos graus básico e secundário sem valor científico nem pedagógico e desprezando o valor da História.
Se queremos um Portugal condigno no difícil mundo de hoje, impõe-se que para o seu desenvolvimento sob todos os aspectos se ponha termo a esta situação com a maior urgência e lucidez.

2 – A agravar esta situação, sob o falso pretexto pedagógico de que a simplificação e uniformização linguística favoreceriam o combate ao analfabetismo (o que é historicamente errado) e estreitariam os laços culturais (nada o demonstra), lançou-se o chamado Acordo Ortográfico, pretendendo impor uma reforma da maneira de escrever mal concebida, desconchavada, sem critério de rigor, e nas suas prescrições atentatória da essência da língua e do nosso modelo de cultura. Reforma não só desnecessária mas perniciosa e de custos financeiros não calculados. Quando o que se impunha era recompor essa herança e enriquecê-la, atendendo ao princípio da diversidade, um dos vectores da União Europeia.
Lamenta-se que as entidades que assim se arrogam autoridade para manipular a língua (sem que para tal gozem de legitimidade ou tenham competência) não tenham ponderado cuidadosamente os pareceres científicos e técnicos, como, por exemplo, o do Prof. Doutor Óscar Lopes, e avancem atabalhoadamente sem consultar escritores, cientistas, historiadores e organizações de criação cultural e investigação científica. Não há uma instituição única que possa substituir-se a toda esta comunidade, e só ampla discussão pública poderia justificar a aprovação de orientações a sugerir aos povos de língua portuguesa.

3 – O Ministério da Educação, porque organiza os diferentes graus de ensino, adopta programas das matérias, forma os professores, não pode limitar-se a aceitar injunções sem legitimidade, baseadas em "acordos" mais do que contestáveis. Tem de assumir uma posição clara de respeito pelas correntes de pensamento que representam a continuidade de um património de tanto valor e para ele contribuam com o progresso da língua dentro dos padrões da lógica, da instrumentalidade e do bom gosto. Sem delongas deve repor o estudo da literatura portuguesa na sua dignidade formativa.
O Ministério da Cultura pode facilitar os encontros de escritores, linguistas, historiadores e outros criadores de cultura, e o trabalho de reflexão crítica e construtiva no sentido da maior eficácia instrumental e do aperfeiçoamento formal.

4 – O texto do chamado Acordo sofre de inúmeras imprecisões, erros e ambiguidades – não tem condições para servir de base a qualquer proposta normativa.
É inaceitável a supressão da acentuação, bem como das impropriamente chamadas consoantes "mudas" – muitas das quais se lêem ou têm valor etimológico indispensável à boa compreensão das palavras.
Não faz sentido o carácter facultativo que no texto do Acordo se prevê em numerosos casos, gerando-se a confusão.Convém que se estudem regras claras para a integração das palavras de outras línguas dos PALOP, de Timor e de outras zonas do mundo onde se fala o Português, na grafia da língua portuguesa.
A transcrição de palavras de outras línguas e a sua eventual adaptação ao português devem fazer-se segundo as normas científicas internacionais (caso do árabe, por exemplo).
Recusamos deixar-nos enredar em jogos de interesses, que nada leva a crer de proveito para a língua portuguesa. Para o desenvolvimento civilizacional por que os nossos povos anseiam é imperativa a formação de ampla base cultural (e não apenas a erradicação do analfabetismo), solidamente assente na herança que nos coube e construída segundo as linhas mestras do pensamento científico e dos valores da cidadania.

Os signatários,
Ana Isabel Buescu
António Emiliano
António Lobo Xavier
Eduardo Lourenço
Helena Buescu
Jorge Morais Barbosa
José Pacheco Pereira
José da Silva Peneda
Laura Bulger
Luís Fagundes Duarte
Maria Alzira Seixo
Mário Cláudio
Miguel Veiga
Paulo Teixeira Pinto
Raul Miguel Rosado Fernandes
Vasco Graça Moura
Vítor Manuel Aguiar e Silva
Vitorino Barbosa de Magalhães Godinho
Zita Seabra
...

Espero e acredito sinceramente que esta não será apenas mais uma iniciativa contra o Acordo Ortográfico, mas sim a iniciativa que irá conseguir reunir apoios suficientes para dar uma prova definitiva de como existe um sentimento generalizado contra esta mudança que nos querem impor. Mais do que uma simples contestação, é a defesa da nossa identidade que nos move, e quando assim é, haverá causa mais nobre?

10 comentários:

Teresa disse...

Obrigada por ser mais um de nós. E parece que ainda somos poucos...

Anónimo disse...

Não tem que agradecer, Teresa.
Como diz a minha mãe, muitos poucos fazem muito.

cristina ribeiro disse...

Não, Mike, não há causa mais nobre. Lutemos por preservá-la, e assim sermos dignos de quem proferiu essa frase...e de todos os outros que nos legaram tal identidade.

CPrice disse...

.. independentemente de custar mudar, perder, ter de abdicar do hábito e do costume, e de pessoalmente como tantos, preferir manter a minha língua que me encanta, como se escreve e como se fala, não posso deixar de pensar que não a falo, não a partilho nem a escrevo como fizeram Aqueles, Os Grandes, cujas fotografias encabeçam tão nobre causa.

fugidia disse...

Concordo com a Once :-)

Há um ano postei o texto do Fernando Pessoa, respeitando a ortografia da época ;-)
Gosto particularmente deste pedaço:
«Sim, porque a orthographia também é gente. A palavra é completa vista e ouvida.»

Anónimo disse...

Fico contente por ver tanta gente a manifestar-se, normalmente pratica-se mais a apatia.

Eu também já assinei.

ana v. disse...

Boa, Mike.

Queridas Once e Fugidia, a evolução das línguas deve ser natural e não abrupta, imposta por "acordo" político. Acho que é só isso mesmo que está em causa. Eu também levei algum tempo a aderir, porque via as línguas como coisas mutantes, porque vivas. Mas depois alguém me fez ver a diferença entre as metamorfoses naturais e esta imposição forçada, que submete a grafia à fonética sem que isso tenha qualquer lógica. E eu achei que tinha razão.

(Mike, desculpe usar a sua caixa de comentários para diálogos meus... espero que não se importe!)
:)
Beijinhos

Anónimo disse...

Esteja à vontade, Ana.
Eu li todos os comentários e decidi não comentar porque... nem sei bem porquê. Mas agora, que tive uma ajuda decidi dizer que partilho da sua opinião.

fugidia disse...

Querida Av,
mas eu não discordei nem discordo da sua posição :-)
A língua escrita tem que se ir adaptando, mas com razoabilidade e não por "quereres" forçados.
Neste "acordo" creio que há "metamorfoses naturais" mas, infelizmente, também falta de discernimento e lógica...
Beijinho.

(Mike, faço minhas as desculpas da AV :-p)

CPrice disse...

.. não quis eu entretanto, com o meu "desabafo" colocar-me do lado de quem defende o Acordo.
Até porque como muito bem refere Ana, há cortes cirúrgicos em palavras que perderão, irremediavelmente, a sua sonância, a sua forma e muito provavelmente o seu significado tal como hoje o conhecemos.

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