“As tuas palavras fizeram-me sentir um ar fresco nessa parte de nós que às vezes chamamos alma e que ninguém sabe o que é e onde é. Saí da empresa faz já três anos e tentei escrever um livro, mas mil fantasmas esperavam-me escondidos nas esquinas mais insuspeitas. Primeiro dei-me conta que a imagem que havia criado de mim próprio não coincidia com o que eu pensava de mim. Muitas pessoas que me admiravam, pela minha força e coragem, nunca poderiam entender que jamais tive essa força e muito menos toda essa coragem. Senti-me refém do que havia feito crer a essas pessoas e, pior, isso afectou-me sobremaneira. De imediato entendi que a minha debilidade maior foi sempre cumprir com as expectativas dos outros. Não é fácil explicar isto, mas estou certo que tu entenderás. E é terrível que a satisfação de alguém passe pela aprovação de outros. Ainda assim tentei descobrir outra possibilidade, mas não encontrei o caminho e voltei à “estrada”. Necessito dos outros, em especial daqueles com quem posso falar, discutir, aprender, ensinar, divertir-me e criar. Quanto mais escrevo, mais tenho a sensação que é tanta a importância que dou ao juízo dos outros, que isso tolda o meu próprio juízo. A minha autosensura é gigantesca e o meu receio em expor-me a territórios profundos e desconhecidos é dramática. Não falo de publicidade, onde tudo tem um imediatismo incomensurável e uma leviandade enorme. Falo em criar coisas que possam comover ou entreter de uma forma genuína e intimista.”
Trecho de uma carta escrita por um amigo publicitário uruguaio, com quem tive o privilégio de privar durante cerca de três anos. Um homem que já passou dos sessenta anos e que tem tudo na vida, até mesmo a lucidez, e a coragem, de olhar para si próprio. Um homem de quem aprendi lições de vida em tempos difíceis. Tempos em que empregos e carreiras de muitas outras pessoas se jogavam nas decisões tomadas por nós. Por mais que tente, na verdade e para ser honesto, creio que nunca tentei verdadeiramente, jamais conseguirei explicar o que esses tempos representaram para mim, como homem e profissional em longínquas paragens da América do Sul. O que fizemos, fizemos muito bem, meu amigo. Continuo a ter uma inabalável convicção que ninguém teria feito melhor que nós. E depois de tudo ainda ficou esta amizade. Com tua licença, as tuas palavras merecem ser públicas.
(Foto de Punta Del Este, Uruguai, recordando poucos mas bons momentos de descontracção).
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13 comentários:
Há pessoas muito lúcidas, capazes de enorme auto-crítica e com uma humildade intelectual que nos esmagam.
E muito nos ensinam elas; pena que sejam poucas...
fugidia, este meu amigo é de uma estatura e honestidade moral invulgares. E começámos por olharmo-nos de soslaio e com desconfiança. Hoje sei que foi assim porque os momentos vividos na altura eram difíceis, mas isso são contas de outro rosário...
É sempre comovente esta capacidade de auto-crítica e esta honestidade. Tiro o chapéu ao seu amigo, Mike, deve ser uma pessoa muito especial. Invulgar, de facto.
Uma pessoa especial. Quiçá um dia voltarei aqui a contar peripécias vividas no âmbito profissional e que acabaram por nos tornar amigos.
Mas quem escreve assim, mostra ter não só sabedoria, mas uma coragem maior que aquela que porventura os outros lhe reconheciam...
a minha admiração .. pelo seu Amigo que demonstra uma coragem de sentir invulgar .. por si pela humildade com que o reconhece.
Dia bom por aí Mr. Mike
Grandes são os Alfredos! E grandes são os Mikes que os reconhecem e os honram com a sua estima!
Cristina, apesar dele dizer o contrário, sempre o considerei (e considero) um homem de (muita) coragem e força.
Once, obrigado. :)
josé, o (grande) alfredo, um abraço.
p.s. - para que saibas, claro que a tua pessoa, mais que o teu nome, foi mencionada na troca de correspondência com esse nosso amigo.
Good...
It's never easy to really know our own faults - but for that reason there are the good friends...problably the only friends.
Honesty is easy, it's never easy when we look inside.
We need friends like mirrors so we can look at ourselfs and understand what we cannot see.
We live our lies like others perceive them, true - but in the end there can be only one...truth.
What it is always was, the simple measurable truth of all we have ever done however things change, not because we change but because we understand them better, first comes the action, most other times the context follows.
Let's call it Karma, some might even say it's Destiny - well, what goes around comes around and that is one universal truth.
note to self: need to re-stock on rum... ;-)
lol
Thanks Jose.
And go ahead my friend... I mean re-stoking on rum. :)
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