31.7.08

31 de Julho. Mais um “Dia Mundial”.

Para algumas pessoas é raro, para outras frequente. Para umas pessoas é rápido, para outras demorado. Para algumas pessoas manifesta-se ruidosamente, para outras silenciosamente. Por vezes é solitário, outras vezes acompanhado. Para alguns é precoce e não partilhado, para outros é retribuído. Pode ser múltiplo ou unitário, espontâneo ou simultâneo. Origina um grande prazer, ao qual se segue um período de relaxamento por culpa da libertação da prolactina, além da redução temporária das actividades do cortex cerebral (esta parte desculpabiliza os homens por algumas inverdades ditas no momento). E deve ser muito importante, para haver um dia mundial a celebrá-lo. Do que se haviam de lembrar!

Arrependimento. Sim, não, ou talvez?

A frase da fotografia não é politicamente correcta e é mal vista socialmente. Na sua origem, arrependimento significa, do ponto de vista prático, mudança de atitude. Ou deveria significar, para evitar que a penitência, nas palavras de Freud, se tornasse numa técnica facilitadora do assassínio, tal como os povos bárbaros faziam uso após as suas grandes ondas migradoras, onde espalhavam a morte. Dramatizando a questão, o arrependimento surge depois de pecarmos e impõe-nos, invariavelmente, grandes exigências de carácter moral, mas raramente nos conduz ao que é essencial na moral. A renúncia. Arrependimento, mais que uma palavra, vejo-o como um conceito nem sempre linear e claro, e que, no meu caso, por mais que tente obter outra perspectiva, associo a um acto de contrição, a pesar e a remorso. Na nossa cultura, esse conceito está inquinado por influências religiosas e lembro-me de ter lido, algures, que o arrependimento é a chave que abre todas as fechaduras, ou que Deus fez do arrependimento a virtude dos mortais. Ora bolas, e eu que pensava que a chave que abria as fechaduras era a honestidade e a virtude dos mortais era a verdade, não obstante já ter sido desonesto, comigo e com outros, e já ter mentido. Arrependimento, como o vejo, envolve castigo, uma espécie de auto-flagelação pelos erros cometidos e pressupõe uma firme decisão e consequente prática, de não mais cometer os mesmos erros. Na verdade, de nada serve atormentarmo-nos com uma coisa depois de a termos feito, senão torná-la pior. Ou para que serve o arrependimento se isso não muda nada? Lembrei-me de Picasso, quando afirmou que o que tinha feito já feito não lhe interessava, o que lhe interessava era o que ainda não tinha feito. Errei, casei-me, divorciei-me, errei, fui infeliz, fiz pessoas infelizes, fui injusto, menti. Acertei, amei, fui amado, acertei, fui feliz, fiz pessoas felizes, fui justo, disse a verdade. Vou escrever no presente. Erro, acerto, amo, sou amado, sou feliz, faço pessoas felizes, sou injusto, sou justo, minto, digo a verdade. Arrependimento obriga a olhar e a reflectir sobre os actos passados e sobre os erros cometidos. Pesar, remorso, contrição, castigo. Não sinto e não pratico. Então desta vez serei honesto. Nunca me arrependi de nada e não me arrependo de coisa alguma.

27.7.08

Não há almoços grátis.

A vida é, sem dúvida alguma, mais difícil para as mulheres de uma forma geral. Seja em que circunstância for, têm sempre de provar mais que os homens para chegar, em paridade, onde eles chegam. Mesmo nos tempos que correm, tempos de mudança de mentalidades e de atitudes, nelas continuam a recair a grande maioria das tarefas e responsabilidades diárias. É evidente que nós, homens, somos mais participativos hoje, face a gerações anteriores, mesmo assim a esmagadora maioria das tarefas diárias continuam a estar, injustamente, nas mãos das mulheres. Esta constatação continua, claro, a ter por base uma visão generalista do fenómeno, porque, como em tudo na vida, há casos e casos. O difícil é, para além da constatação, poder aferir as causas, que também como em quase tudo na vida, não têm apenas uma única origem. Uns dirão que são os sinais dos tempos vividos nas sociedades modernas e a sua dura realidade, outros apontarão o dedo acusador aos homens que continuam a revelar uma lentidão atroz na mudança de atitudes e comportamentos. Outros ainda, serão partidários da opinião que foram as próprias mulheres que, legitimamente, escolheram o seu novo caminho. Em meu entender e correndo o risco de ser interpretado à luz de um pragmatismo cruel, com razão. Porque a razão lhes assistia e porque é legítimo que assim seja, as mulheres recusaram ser encaradas como seres marginais do ponto de vista social e laboral. Mas não há almoços grátis e neste caso, principalmente neste caso, e mais uma vez como em tudo na vida, há um preço a pagar. E que preço. Não só o preço imediato, como o preço a pagar para se mudar no futuro. Porque o que levou gerações para se construir, levará gerações para se reconstruir. As sociedades e as economias baseadas no capitalismo moderno e liberal estão hoje dependentes das mulheres, que aqui e ali, começam a manifestar o sofoco natural de uma vida dura que elas próprias escolheram. Claro que é justíssimo que as mulheres queiram ter acesso a carreiras profissionais, claro que é justíssimo que queiram ser reconhecidas profissionalmente e obter o sucesso profissional, claro que não só é justíssimo, como um desígnio da sua própria natureza, que queiram um dia vir a experimentar esse papel sublime e superior de serem mães, papel que só elas podem desempenhar. E é aqui que chegam as primeiras contradições, os primeiros conflitos e frustrações. Há que escolher, não se pode ser exemplar nestas duas grandes vertentes das nossas vidas. Mas dirão, “então e os pais? que papel lhes está destinado”? Um papel menor comparado com o da mãe. Que injustiça, que crueldade! Pode até ser, ou melhor, é concerteza. Mas voltando a fazer uso do tal pragmetismo, vejamos: passaram-se cerca de trinta anos desde que se queimaram soutiens em Lisboa, e só escolho este facto pelo que ele encerra como um marco, em meu entender despropositado, de reclamação de emancipação. Em trinta anos mudou-se muita coisa, porque será que houve outras coisas que não mudaram? E não mudaram só aqui, também não mudaram noutros países ditos mais avançados por essa Europa e esse mundo fora. Porventura não mudaram porque há leis, as da natureza, que não são passíveis de legislação e não seremos nunca capazes de mudar. Ser mãe é diferente de ser pai e esse papel está destinado às mulheres desde o dia em que nasceram meninas e desde o momento em que ao chamamento disseram que sim. “Ah, mas estava à espera que comigo fosse diferente”. E porque seria assim? E porque ao invés dos lamentos de hoje não se luta por uma vida diferente como as mulheres já o fizeram outrora? Afinal os destinos das sociedades e da família sempre estiveram nas mãos das mulheres e não vislumbro nenhumas razões, para além do comodismo e da distracção com coisas supostamente mais importantes, para que elas não mantenham em mãos o seu destino. Se escolheram um caminho poderão sempre escolher outro.

24.7.08

Amanhã, há 869 anos, em Ourique.

Afonso avançou com o seus homens, prosseguindo a incursão em terra de mouros, para apreenderem gado, escravos e outros despojos. Corria o ano de 1139 e o dia, 25 de Julho, era consagrado a Santiago. A terra era de mouros e as tropas do emir de Badajoz, em número bastante superior, trataram de defendê-la com unhas e dentes, defrontando os cristãos sob o comando de Afonso que, apanhado desprevenido, olhou para céu, como que pedindo a ajuda divina, e teve uma visão de Jesus Cristo e dos anjos. Travou-se uma batalha, onde os homens de Cristo, em inferioridade numérica, venceram inapelavelmente os sarracenos. Com a vitória consumada, ali no Baixo-Alentejo, nos campos de Ourique, Afonso foi aclamado pelos seus homens e autoproclamou-se Rex Portugallensis. A 25 de Julho, há 869 anos, 4 anos antes da nação portuguesa nascer, Afonso Henriques considerou-se o primeiro soberano e rei dos portugueses. Para ele a intervenção pessoal de Deus nesse dia foi a prova da existência de um Portugal independente por vontade divina e, por isso mesmo, eterna. Alexandre Herculano afirmou, mais tarde, que Ourique não passou de uma lenda. Talvez sim, talvez não, assim é quando de lendas se trata. Mas Afonso foi o nosso primeiro rei, e o brazão da nação ostenta cinco escudetes, representando os cinco reis mouros vencidos nessa batalha. E isso não são lendas.

Pais e filhos.

É comum ouvirem-se, e eu sou um dos que se deve incluir no rol, determinadas expressões dos pais quando se referem aos filhos, independentemente dos momentos da vida ou considerando um ou outro contexto. Que eles são a nossa estabilidade, ou que contribuem para o nosso equilíbrio, ou mesmo que são um bem precioso. Ultimamente, expressões como esta, mesmo sem o conteúdo real com que possam ser utilizadas, deixam-me confessadamente desconfortável. Será fácil e desculpabilizador, atribuir de imediato outro significado a essas expressões, mas elas representam um sentimento que desvirtua a relação que deveria existir e despenaliza, no limite, uma certa leviandade. Eles é que são a nossa estabilidade? ou nós é que devíamos permanecer solidamente estáveis? Eles contibuem para o nosso equilíbrio? ou nós é que devíamos preservá-lo para o bem deles? E eles são um bem precioso? um bem? um bem de quem? nosso? algo que nós possuímos, que nos pertence? É evidente que os pais usam estas expressões atribuindo-lhes significados diferentes destes que acabo de descrever. Fazêmo-lo carinhosamente e, de facto, neste ou naquele momento, os filhos constituem parte da nossa estabilidade, contribuem para o nosso equilíbrio e são, no nosso íntimo um bem, ou o bem mais precioso da nossa vida. Contudo, e reflectindo sobre a substância destas expressões e sobre a inversão de papéis que elas significam, não consigo deixar de pensar no que nos leva a usá-las e no inconsciente egoísmo que elas encerram.

Rua do Padrão, Foz, Porto.


É ali perto do mar em plena Foz do Douro. E continua a ser um dos restaurantes mais em voga da cidade do Porto. Concebido a partir do restauro de uma casa do início do século passado, o Cafeína é um dos meus restaurantes preferidos da Cidade Invicta. O designer Paulo Lobo criou uma decoração sóbria e requintada, mas simultaneamente arrojada, através de uma arquitectura de interiores contemporânea e que se traduz num ambiente sofisticado e exclusivo. As cores, verde escuro, castanho ferrugem e dourado; os materiais, couro e ferro oxidado, acentuam a “patine” de um soalho centenário. O espaço é divido em duas salas, uma funcionando como bar-cafetaria e a outra como restaurante propriamente dito. A cozinha, pela mão do Chef Georges Pereira, é original e refinada, sendo marcadamente do tipo internacional com raiz portuguesa e alguns traços de influência francesa e italiana. A garrafeira, sem ser extensa, é, na minha opinião, exemplar. O Cafeína é um espaço cosmopolita, com uma atmosfera envolvente, consequência de uma iluminação cuidada e de uma escolha musical criteriosamente selecionada que passa pelo jazz, house, easy listening e música clássica.

23.7.08

I had a crush on you, Grace.



E tive! Tinha eu quinze anos e ela trinta e cinco. Achava-a linda de morrer quando ela era a líder dos Jefferson Airplane e ouvia vezes sem conta White Rabbit cantado pela Grace Slick no Festival de Woodstock. Aquele ar selvagem e ao mesmo tempo doce... Aqueles olhos... Aquele olhar penetrante... Aquele sorriso meigo... Aquela boca... Foi uma paixão que se manteve platónica porque um imenso oceano nos separava. Não fora isso, Grace... (suspiro nostálgico)

22.7.08

Não consigo sentir solidariedade.

Li o post no Corta-Fitas e não comentei. Achei que não devia fazê-lo a quente, que devia amadurecer a minha primeira reacção ao facto da Eunice Muñoz ter sido dispensada a pouco tempo da reforma do Teatro Nacional D. Maria II, onde era actriz residente há mais de vinte anos. Não li a notícia no Expresso a que o post fazia referência e onde a actriz confessa que se soubesse o que sabe hoje, teria optado pela nacionalidade espanhola, dada a sua descendência. Bastou-me ler o post para adivinhar o tom amargo e o sabor a fel da entrevista. Adivinho, também, um certo arrependimento (palavra de que não gosto, mas isso fica para outra altura) da actriz relativamente à questão da opção pela nacionalidade espanhola. O meu sentimento inicial ao ler o post não mudou, tornou-se antes mais sólido e lúcido depois de amadurecido. O que esperava Eunice Muñoz? Reconhecimento? Não o teve do público durante grande parte dos setenta anos de carreira? Não o meu, mas isso é uma questão pessoal. Eunice Muñoz terá a reforma que lhe é devida, sem o respectivo complemento, a mesma que muitas vezes é subtraída a inúmeros trabalhadores anónimos. Não consigo ser solidário com a dor da actriz. E não creio tratar-se de ingratidão. Eunice Muñoz entregou-se à profissão que escolheu e como boa profissional, entregou-se de corpo e alma. Recebeu em troca o que devia ter recebido. Do público e do Estado. Não deveria esperar mais em troca. Identifico-me com Fernando Pessoa quando ele diz que o seu passado é tudo quanto ele não conseguiu ser e nem as sensações dos momentos idos lhe são saudosas, sendo o passado um virar de página. Não consigo ser solidário, nem achar que esteja em presença de um caso em que a cultura possa estar a ser lesada. Acreditando no seu arrependimento àcerca de poder ter optado por ser espanhola, só me resta dizer, sinceramente, que tenho pena que o não tenha feito em tempo útil. E perguntar-me, sem que esteja à espera de resposta, porque não o fez. No melhor pano cai a nódoa, e neste caso, foi no melhor palco. Se fosse um admirador de Eunice Muñoz, sentir-me-ia decepcionado. Não é o caso, com o devido respeito pela profissional. Felizmente, que assim é uma decepção a menos.

20.7.08

Bom djia!


Os minutos contados de manhã à noite, numa cidade frenética que parece nunca parar como é São Paulo, refeições tomadas a correr e dias longos, muito longos, que pareciam não ter fim e em que as situações de tensão se sucediam, uma após outra. São assim as fases finais de grandes produções publicitárias que envolvem dezenas, para não dizer centenas de pessoas, e do sentimento de responsabilidade da gestão de um projecto importante de uma grande marca, e do investimento envolvido. Foi numa dessas manhãs em que os ponteiros do relógio pareciam competir entre eles e eu estava prestes a desesperar, apesar de ensonado, esperando pelo elevador que me levaria até ao piso térreo onde é servido o pequeno-almoço, numa das magníficas e aprazíveis salas do hotel Emiliano, que tive uma das raras visões da minha vida. Chega o indolente ascensor e as portas de alumínio escovado abrem-se preguiçosamente. Com um ar não mais desperto que o meu estavam lá duas pessoas. Mais precisamente uma mulher jovem e outra a quem não prestei atenção. A cortesia e a boa educação mandava que o primeiro bom dia fosse o meu. O olhar fixou-se na mulher alta, loira e lindíssima que estava à minha frente, naquele compartimento exíguo onde a noção de espaço íntimo e a fronteira que o delimita é muito ténue. Balbuciei qualquer coisa inaudível, tentei recompor-me, repeti essa mesma qualquer coisa que continuou inaudível e incompreensível, não desisti e quando me preparava para contrariar a incapacidade de falar que julgo estar em minha posse desde os dois anos de idade, abriu-se um sorriso no rosto incrivelmente belo da jovem e soou um sensual bom djia que pareceu preencher o pouco espaço que estava livre no elevador. Foi como se me pegasse pela mão e me tivesse ensinado a falar outra vez. Bom dia Gisele, respondi sem hesitar, e tentando ocultar a minha surpresa por ter acrescentado ao cumprimento o nome da bela jovem que estava à minha frente. Pareceu-me ainda mais bela ao vivo que nas fotografias e, pasme-se, vestida de forma casual e acabada de acordar. Safa. Tomei o pequeno-almoço a correr, que um longo dia de trabalho árduo me esperava, mas a imagem da Gisele e aquele momento acompanharam-me até o dia findar. Mesmo passados alguns anos.

Hoje telefonei-lhe (a troca de números de telefones não é para aqui chamada), para lhe dar os parabéns pelo seu vigésimo oitavo aniversário. Ela foi uma simpatia na breve troca de palavras em que me agradeceu o facto de nunca me ter esquecido da data. Ora, Gisele, um cavalheiro não esquece estas ocasiões, sua magricela.

Quando a curiosidade nos leva a um certo passado.


A propósito de uma conversa com a mais nova, num momento em que a curiosidade àcerca do passado do pai teve que ser satisfeita, fui levado pelas perguntas dela até a uma parte do meu passado. Sorri quando se lhe abriram os olhos ao escutar que o pai tinha sido DJ, em tempos que já lá vão. A curiosidade parecia não ter fim, com as perguntas a sucederem-se umas atrás das outras. Pesquisámos juntos o som dançável no final dos anos 70, afinal a música que o pai punha na discoteca, ela à procura na internet e eu deixando-me levar numa viagem onde reencontrei Jean-Marc Cerrone, músico percussionista e produtor francês, e também um animal possuído por Lúcifer no seu habitat natural, o palco, cantando uma certa simpatia pelo demónio. Ela apreciou mais Cerrone, com o pai a evitar que ouvisse Love in C Minor e a mudar de assunto quando a conversa chegou à letra de Sympathy for the Devil, na voz do inimitável Mick Jagger. A seguir a Chaka Khan, e depois da viagem que a mais nova me convidou a fazer, apeteceu-me desconversar. A música, essa, continua dançável ainda hoje, trinta anos depois.

19.7.08

Chaka quê?


...Khan. Como esta mulher canta!... é dinamite, sim.

Revigora, alegra, contagia. Faz bem.

18.7.08

Bom fim-de-semana.

Pus-me a desconversar. Foi mais forte que eu, meu Caro.

Apanhaste o pessoal desprevenido, sabias?
Ora, sabes bem que nunca há um momento ideal para se fazerem as coisas. Nem se dão pré-avisos.
Pois, mas consta que principalmente as meninas estão tristonhas.
A sério?
Claro, não te faças de ingénuo e desentendido. E os rapazes também não acharam lá muita piada.
Mas ninguém tem nada a ver com as minhas decisões.
Bem sei. E eu não quero saber mais do que sei.
Ainda bem.
Mudando de conversa que nos estamos a perder.
Acho lindamente.
Se as pessoas descobrem que estamos aqui neste paraíso ainda se zangam.
Ora, só tu te puseres a desconversar.
Já viste a moça na água? Não tira os olhos de ti.
Estás brincar? Aquele avião?
Sim, lembras-te dos teus aviões das sextas-feiras?
Oh se me lembro. Até pareciam porta-aviões.
E tão bem que escreves e havias de te pôr na alheta.
Volta a mesma conversa?
Eh pá desculpa.
Ela piscou-me o olho e acenou-me.
Vai gozar com outro.
Não, a sério.
E agora?
Agora ficas aí que eu vou fazer-me à vida.
Espera aí. Então e as nossas boas leituras, os momentos de convívio e gargalhada, e os porta-aviões das sextas-feiras?
Problema teu.
Mas eu não escrevo como tu.
Já te disse, problema teu.
És um chato e nem me atrevo a ocupar as sextas-feiras como se fossem oceanos prontos a receber os porta-aviões.
Sabes que mais? O avião sou eu e o porta-aviões está ali no oceano à minha espera.
Espera aí.
Espera tu, que eu não tenho tempo.
Sacrista!
Tchau.

15.7.08

As amarras apetecidas do passado.

Há dias em que tenho a sensação que não me esforço o suficiente, outros em que a sensação que me chega é a de, na verdade e de facto, não haver razões para isso. Razões para sentir um apego que a memória, pelo menos de muitas pessoas que conheço e com quem privo, perpetua ao longo do tempo. Um apego a raízes, princialmente às pequenas coisas, aos detalhes, sejam eles objectos, trajectos, cheiros, frutos ou momentos que sei acompanharem essas pessoas para o resto da vida. Às vezes penso que ser homem não ajuda a contribuir para que essa sensação esteja mais presente, sabendo que a sensibilidade feminina é rainha e se manifesta de forma ímpar em fenómenos como este, isto para além de, como me disseram um dia com propriedade, a memória ser feminina. Sensações que trazem a nostalgia do sabor de um fruto, que a memória transforma o momento precioso da lembrança num momento suculento, ou de uma camilha, uma toalha bordada ou uma lareira que têm o condão da transportar as pessoas para um passado capaz de ser vivido no presente. Tive uma infância maravilhosa em Angola, num clima familiar sereno e equilibrado, rodeado pela natureza e pelo mar. Uma infância em que se tivesse que escolher uma palavra para a definir escolheria liberdade, com tudo de bom que essa palavra possa significar. Mas o passado, mesmo o recente, parece-me sempre longínquo. Um outrora que teima em ficar para trás, sem qualquer espécie de vínculo no presente. Talvez não me esforce o suficiente para o recuperar. Talvez me tenha habituado a viver assim. Victor Hugo em Os Miseráveis fala-nos das armadilhas do passado, Oscar Wilde diz-nos que não o devemos temer e Vergílio Ferreira em Estrela Polar acrescenta que passado não é cronologia. Um terapeuta daria mais um sem número de explicações para esta minha falta de apego ao passado. Não porque sinta que o meu seja uma armadilha, ou será?, ou porque o tema, e cronologia não é algo que possa associar-se ao meu passado. Claro que tenho lembranças de pedaços, mas são tão poucos e tão difusos quando comparados com os pedaços de outras pessoas, que os recordam como se os vivessem no momento presente. E agrada-me ouvi-las falar do passado, mas sem conseguir evitar o paralelismo de me agradar o bebé no colo de uma mãe enternecida, sem desejar, contudo, que fosse meu. Tenho consciência da importância que o passado tem no nosso presente e do que este representa quando se torna passado à chegada do futuro. Consciência que deixa claro o que perco no implacável deve e haver da vida. Não sei o que é nostalgia. E disciplinei-me, sem esforço, devo confessar, a apegar-me a outras coisas, às coisas que o passado não nos faz carregar, muitas vezes como um fardo, às coisas que o presente nos entrega, como uma dádiva, que por não terem que ser carregadas me fazem viver livre de amarras, mesmo que momentaneamente possam ser olhadas como amarras apetecidas e desejadas. Mas não deixam de ser amarras.

13.7.08

Tempo para acabar um livro.

Dois amigos encontraram-se. Amigos que a publicidade apresentara um ao outro e que a vida, nos seus encontros e desencontros uniu. Dois amigos com difrerenças de idades consideráveis, um deles com uma carreira construída, ainda e sempre em construção, o outro com uma carreira construída, apenas, e pronto para desfrutar da decisão tomada há pouco tempo, com um sorriso sereno que fazia adivinhar estar a deliciar-se com a perspectiva de poder usufruir do maior luxo dos tempos que correm, literalmente. Tempo. Ao abraço genuíno e apertado, seguiu-se uma conversa descontraída, sempre com o sorriso presente, entre gargalhadas bem dispostas. Para mim chega, dizia-me ele, nem acredito que vou reformar-me e, apesar de não me sentir velho, recebo esta reforma como uma dádiva suprema. Tempo, tenho o tempo todo para mim e posso fazer dele o que bem entender. Ainda bem que sou novo, continuou ele, um homem a abeirar-se dos sessenta anos, novo e com saúde para me poder dedicar às coisas de que gosto, à patroa, aos filhos e ao neto. Estava feliz. E gostei de o ver feliz. Pensei, por momentos, em como a reforma nem sempre chega assim, como a dele, um homem bom, pai de família, de uma família apenas, uma raridade nos dias de hoje, e com vontade e energia para gozar os anos que lhe sobram, vivendo-os na companhia de quem ama. Antes de nos despedirmos, e com o humor que sempre o caracterizou, disse-me que agora sim, que teria tempo para acabar o seu livro. Mas eu não sabia que estavas a escrever um livro! Não estou, seu tolo, agora tenho é tempo para acabar de o ler. Não evitei uma gargalhada sonora e deixei que o riso se prolongasse durante uns bons minutos. Ele estava feliz. E eu fiquei mais feliz.

10.7.08

Partiste há vinte e oito anos mas estás sempre presente.

Bem sei que a maior solidão é a do ser que não ama, Vinícius. E que o maior solitário é o que tem medo de amar, o que tem medo de ferir e ferir-se. E sei que sabes que a vida nem sempre quer assim. E sei que sabes, também, tu que escreveste e eu li, que a distância não existe. Partiste, há vinte e oito anos, do lado de lá do Oceano, um oceano que aos teus olhos, não aos meus, só é belo ao luar. Mas a Canção sim, Vinícius, só tem razão se se cantar, assim como a nuvem só acontece se chover. Assim como o poeta, como tu, poetinha, só é bem grande se sofrer. Existo sem ti. Será porque estás sempre presente?

Vinícius de Moares, o poetinha, afastou-se de nós no dia 9 de Julho de 1980.

8.7.08

Mitos e lendas.

Decidi fazer a vontade à vontade e manter-me do outro lado do Oceano, não em São Paulo mas mais a norte, em território caribenho. E não sei quando voltarei. O dia amanhecera nebulado, despertando uma Havana indolente e tristonha e, bem cedo, quando as portas se abriram, iniciei a visita à Real Fábrica Partagás que, apesar de manter o nome de um dos mais notórios e reputados charutos, nela se confeccionam outros puros de marcas não menos famosas. Um edifício lindíssimo, bem cuidado, construído em meados do século XIX e hoje também museu, onde podemos apreciar verdadeiras obras de arte como as cintas que hoje servem para engalanar e conferir uma aura estatutária aos charutos e cigarrilhas, mas que foram criadas para que a senhoras fumadoras soubessem quando deviam parar para evitar que as pontas dos dedos ficassem amareladas. Os altifalantes espalhados pelas salas onde os charutos são fabricados, faziam-nos chegar uma voz masculina, pausada, que ia lendo o Granma, jornal oficial do regime de Castro, da primeira à última página, mantendo, diz a lenda, uma tradição secular. Diz-se que no princípio do século passado, finais do século XIX, na apanha das folhas de tabaco e durante a confecção, hoje em mesas concebidas para o efeito, outrora com as folhas a serem separadas por mãos conhecedoras e delicadas, e depois enroladas em coxas roliças e bem torneadas, leitores de serviço estavam encarregues de fazer com que o longo tempo passado na labuta diária não se tornasse enfadonho. Liam eles Alexandre Dumas e Shakespear. Mito ou lenda, a duas das mais famosas marcas de charutos cubanos, foram dados os nomes Monte Cristo e Romeo & Julieta.

6.7.08

Rua Haddock Lobo, São Paulo, Brasil.


O episódio ocorreu há cerca de quatro anos. Trabalho concluído, prestes a voltarmos a Lisboa, decidi convidar o director criativo para almoçar num dos meus restaurantes preferidos de São Paulo. Vamos ao Gero, propus-lhe de uma forma inopinada, quando o relógio indicava que a hora de almoço se aproximava. Ele, sendo a sua primeira visita a uma das maiores metrópoles do mundo, aceitou o convite e concordou com a sugestão. À porta do Gero, antes de entrarmos, parou, segurou-me o braço, pensativo, e não se conteve. Olha lá, já viste como estou vestido? Calças de ganga (eram daquelas propositadamente rasgadas), t-shirt e ténis. E daí? E daí como? só podes estar a gozar, eu não estou para passar vergonhas. Eu não estava muito melhor vestido que ele mas não usei tal argumento. Cala-te (disse outra coisa mas não vem ao caso, nem é bonita de se repetir em público) e anda daí, respondi-lhe eu, já atravessando a porta. O Gero é um típico restaurante frequentado por executivos à hora de almoço, com uma cozinha requintada e um serviço exemplar. Recebeu-nos à porta o maitre, simpatiquíssimo, e fazendo as perguntas da praxe depois de nos cumprimentar e nos dar as boas vindas. Não, não temos reserva. Muito bem, tem preferência pela mesa? Não tínhamos e esperámos pelo empregado que entretanto tinha sido chamado para nos acompanhar. O maitre reconheceu-me de outros almoços com o meu ex-patrão brasileiro, passara-se cerca de um ano. Em amena cavaqueira, comentei com ele as dúvidas do meu colega, que me olhou de sobrolho franzido. Ele dirige-se ao director criativo com um sorriso e diz-lhe que esse tipo de questões não se colocavam no Gero e que se estávamos ali é porque tínhamos bom gosto e podíamos pagar, só isso importava. Não há melhor maneira de começar o almoço, diz-me o meu companheiro de refeição enquanto nos encaminhávamos para a mesa. Pois não, pensei, mas espera até começarmos a comer. Não me lembro o que almoçámos, só me recordo que foi uma excelente refeição e, para além disso, num boníssimo restaurante. Só que desta vez não me surpreendi.

3.7.08

Saudades de uma rainha e de um príncipe.

Tenho saudades dos meus mais velhos. As férias lá para Oriente estão a ser longas demais mesmo para um pai que não é galinha. O sentimento da saudade vai cantado e chega-lhes numa onda de Bali quando, em cima da prancha se prepararem para a agarrar, embalado pelas vozes dos grandes e incontornáveis Cheb Khaled, com Aicha para a minha Reine de Saba e Nick Cave, com Hey Joe para o meu príncipe urbano. Pouca gente aprecia mas o que importa é que nós três vibramos com as vozes e com as músicas.

Há bem escrever sobre publicidade. What else?

Há dias tive o privilégio de ler, mais que uma vez, confesso, um texto a propósito de publicidade, mais objectivamente àcerca de um anúncio de televisão a uma máquina de café. Perguntava quem o escreveu, se não há boa publicidade sem um bom produto, para a seguir afirmar com uma convicção que as palavras escritas fazem prova, que na sua opinião o anúncio em causa era excelente. Comentei no momento, procurando não me alongar por estar em casa alheia, e mencionei a intenção de abordar o assunto aqui, onde posso dar largas à paixão que sinto pela profissão que abracei e não tendo que me sentir culpado ou inconveniente por ter a sensação que estou a perder uma capacidade que considero vital. O poder de bem resumir. Há boa publicidade com um bom produto e com um mau produto. E há má publicidade independentemente do produto ser bom ou mau. Não tenho a pretensão de pensar que o texto escrito foi motivado por uma frase que disse em tempos, mas ficou claro que essa frase influenciou, e ainda bem, o que tão bem foi escrito. The magic is on the product, foi dito por um dos criadores de anúncios mais famosos da história da publicidade. E com essa frase estabelecia-se a fronteira entre arte e publicidade. O que me fascinou no texto que li, foi a abstracção e o lúcido distanciamento do objectivo último que os propósitos da publicidade servem. Vender. Mas para se comprar um produto, mesmo tratando-se da compra mais racional, é necessário desejá-lo. E para o desejar temos que nos identificar com ele. E para nos identificarmos com ele, o apelo é, quase sempre, pela via emocional. Por isso, muitas vezes de tanto ser desejado, respeitado e admirado, até pagamos mais por ele. Creio ser o caso. A máquina de café em causa deixou de ser uma simples máquina que faz esse líquido precioso de que o texto nos fala de uma forma envolvente, para passar a ser algo que ultrapassa a funcionalidade e um objecto que, de repente é visto como tendo carácter, personalidade, alma. O actor ajuda, dir-me-ão os mais desavisados, esquecendo-se que é aquele actor, escolhido a dedo, que nos transporta para um universo único, levando com ele o produto. Entre todos os meus amigos que têm uma máquina Nespresso, as mulheres ou namoradas, tiveram um papel decisivo na compra da máquina. Os outros, costumo dizer, bem sei que levianamente e sem que me levem a sério, são metrosexuais. Eu não tenho nem creio vir a ter uma Nespresso. Mas sei que assim será até que alguém justifique que a vontade seja feita. Quanto ao texto que aqui me trouxe, não pude deixar de me deliciar com facto de ler um retrato do actor em quase cada uma das palavras que nos fala de café e do seu ritual. De nenhum tratado se trata o que aqui escrevi mas neste caso há boa publicidade com um bom produto, mas também há quem a torne ainda mais sedutora sem ser publicitário. Apenas por escrever bem. What else? escrever muito bem.

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