30.4.08

As empresas precisam de blogs?

Este é o título de um artigo interessante na Marketing&Publicidade, assinado por Rui Oliveira Marques, e que nos dá a conhecer o que se passou nas Conversas Unicer, um encontro organizado por esta empresa e que contou com a presença de Bruno Guissani, um dos gurus da blogosfera. “ É importante conhecer a blogosfera, o que se pode ou não fazer. É o mesmo que entrar na casa de uma pessoa e ir logo ver os quartos. Há regras não escritas que variam de blog para blog. Não se deve entrar a matar. A atitude errada, no sítio errado, pode deitar tudo a perder. Deve-se ter um posicionamento humilde e pedir desculpa se for caso disso”. Ou seja, Bruno, devem aplicar-se as mais elementares regras de educação, bom senso e respeito. Como devem ser as nossas atitudes e comportamentos em sociedade. Em resumo, como em tudo na vida. Do ponto de vista empresarial, é curioso ter ouvido um colega meu, que não é um guru da blogosfera, apenas um profissional de comunicação, afirmar com uma simplicidade atroz que a blogosfera mais não é que o “verdadeiro poder do consumidor”. Que o diga a Dell, monstro multinacional do sector informático, quando um “mero” cliente, insatisfeito com a compra e o serviço, transformou os dias da multinacional em inferno, num episódio cujo nome é ilucidativo. Dell Hell (retratado na BusinessWeek).

Crónicas de uma viagem (III).




O Lago Nakuro está situado no imponente Rift Valley, um complexo que diz-se existir há 35 milhões de anos e que se estende desde o Líbano até ao norte de Moçambique. Esse imenso lago com cerca de 60 km2 e onde as margens se escondem uma da outra, é o habitat de flamigos-rosa, aves que as pessoas acham bonitas e por quem eu, verdade seja dita, não nutro grande simpatia. Mas o que os nossos vêem à chegada é admirável. Temos a sensação, ao longe, que as águas tranquilas do lago mudaram de cor tal é o tom aroseado que o inunda, de tantos, aos milhares, serem os flamingos que o habitam. O Lago Nakuro é dos locais mais tranquilos onde pernoitei. A tenda era magnífica, de uma simplicidade e preciosidade inimagináveis, em tons brancos, repousantes e aconchegantes. E dormi tão bem... na companhia dessas aves pernaltas de bico curvado. Dormi bem e acordei sereno, quase à mesma hora do sol, num dia que amanheceu sorridente e colorido pela plumagem em tons de rosa vivo dos guardiões desse magnífico Lago.

Assim é, um sorriso dos meus filhos.

29.4.08

Sim, é essa a palavra.

Há palavras que cada vez usamos menos, ou pelo menos eu, para não generalizar, cada vez uso menos. Ou uso, mesmo que de uma forma sentida, sem lhe atribuir o verdadeiro significado, o que as remete para um contexto algo superficial. Não vou ao ponto de dizer leviano, mas superficial. Palavras que parecem esquecidas em caixas, onde o coração se esquece de entrar, caixas que se abrem quando menos esperamos. O mais novo cá de casa, possuidor de uma energia inesgotável, sem que eu saiba onde poderá ele armazená-la em tão pequeno corpinho de três anos, muitas vezes ao final do dia sucumbe irremediavelmente ao cansaço. É bom de ver que, por si só, este pequeno aspecto exige uma gestão apurada e meticulosa do meu quotidiano, com banhos e jantares antecipados, não vá ele ser descoberto de olhos fechados no sofá da sala, ainda o telejornal não começou. Este fim-de-semana não foi, com muita pena minha, uma excepção que confirmasse a regra que descrevi. Já podem imaginar as manhãs... E lá estávamos os dois, pouco depois das sete da manhã, a tomar o pequeno almoço antes de nos entregarmos a tarefas madrugadoras. Vemos os DVDs (dele), vemos os bonecos animados (para ele), jogamos Playstation com os jogos (dele e da irmã), fazemos construções com o Lego (dele), jogamos umas partidas de matraquilhos (dele), às vezes brigamos por causa do feitio (dele), conto-lhe histórias (para ele) e desenhamos. No Domingo pegou em duas folhas de papel A3, foi buscar as canetas de feltro e, numa sala que já estava um pandemónio, pediu-me que desenhasse com ele, dando-me um briefing concreto. Pelo menos, e ao contrário de muitos que me habituei a receber, o dele era objectivo. Eu devia desenhar um barco à vela no mar e umas montanhas. Ele encarregar-se-ia de desenhar um fantasma. O caldo quase se entornou de tanta foice em seara alheia o rapaz ter metido. Por fim contente, admirando as obras primas. Entretanto acorda a mais nova, que os mais velhos, esses, há que esperar sentado, e a rotina muda de azimute.

(Horas, muitas horas depois).

No fim do dia, já com os mais novos deitados, arrasto-me, cansado, mas decido que o tempo e a energia que me restam são dedicadas a mim e a uma terapia que não me renova o corpo, mas dá saúde ao espírito e à mente. Escrevo e desconverso, mantendo-me atento ao relógio do computador, com os minutos a passarem numa correria implacável. Chega a hora de me deitar. Desligo o pc, arrumo a mesa de trabalho, dobro os óculos, guardo-os e preparo-me para uma rápida verificação na pasta que uso no dia-a-dia. Eis senão quando sou surpreendido ao ver uns papéis dobrados, dentro da minha pasta. Eram os desenhos, que ele tinha finalizado, dando um derradeiro toque pessoal e escrevendo o que julgo ser a sua assinatura. Pelo menos duas letras do nome dele são claramente perceptíveis. Assim, sem me dizer nada, e desejando surpreender o pai, numa dádiva tão simples e tão sentida. Senti uma imensa, infinita e indescritível ternura. Ternura.

28.4.08

Li, vi, ouvi e gostei.

Chama-se Nocturno mas privilegia-se a luz. Gostei muito do que li, do que vi e do que ouvi. Nos tempos que correm, em que a Natureza e o campo são valorizados e se sobrepõem à cidade, o Nocturno, traz-nos uma Lisboa do dia-a-dia reflectida em fachadas com vida. E histórias do quotidiano contadas numa prosa poética, embalada por muito boa música.

27.4.08

Hum... estás quase pronto para o mar, rapazinho.

Contrariamente ao que acontece com alguns dos meus amigos, e razões legítimas haverá da parte deles, não tenho nada contra piscinas mesmo conhecendo os motivos que os levam a olhar desconfiados para elas. Mas há piscinas e piscinas, e estou a referir-me apenas às que são públicas. E há umas que são públicas mas onde os não-sócios pagam um preço que demove muita gente dos seus intentos, e as torna agradáveis. Não é simpático dizer isto mas é assim que algumas coisas acontecem na vida. E quer se queira, quer não, onde é que as crianças aprendem a nadar como deve ser? Quer dizer, eu aprendi no mar, numa pequena cidade costeira em Angola, o meu pai com água pela cintura a atirar-me para perto, estendendo os braços e convidando-me a nadar até ele. Uma forma muito pouco ortodoxa e contrária à pedagogia, eu sei. Mas aprendi a nadar e não ganhei medo do mar, antes pelo contrário. Talvez fossem os seus dotes de professor improvisado. Mas voltemos às piscinas, que foi numa delas que passei a tarde do dia 25 na companhia da minha sobrinha e dos meus infantes, como alguém um dia os apelidou carinhosamente. Lá para os lados do Parque das Nações. Já notei que os meus mais novos manifestam uma especial afinidade com a água e quem sou eu, logo eu, para os contrariar? Estava até curioso para constatar, in loco, os progressos do caçula de três anos a caminho dos quatro, relativamente às aulas de natação. Um miúdo irrequieto e a necessitar de uma atenção permanente, principalmente com uma piscina por perto. É que o rapaz é mesmo dado a travessuras. Para meu alívio, mas não descanso, fiquei a saber que passei a ter uma margem de tolerância de cinco segundos para uma distracção. O garoto manda-se para dentro de água, faz questão de tocar com os pés no fundo, volta cá cima, respira, dá umas braçadas, volta a respirar antes de dar outras e, calmamente, segura-se à borda da piscina, sorridente. E eu a pensar que agora é que toda a atenção é pouca, que ele já se julga um Mark Spitz. Mas de volta para casa, confesso que senti uma sensação de tranquilidade. Este Verão vou pô-lo em cima de uma prancha para apanhar umas ondas, como já fazem as irmãs. É que o mar é infinitamente melhor que a piscina e é ele que separa os rapazes dos homens, filhote. Mas terás tempo para saber isso.

Crónicas de uma viagem (II).

A casa de banho da tenda faz jus ao que nos é dado a admirar quando chegamos. Abrimos o fecho éclair de uma das laterais e acedemos a um minúsculo terraço, um espaço íntimo onde está uma banheira sobre um estrado de madeira com uma vista deslumbrante sobre a savana. As toalhas, brancas e dobradas cuidadosamente num cabide improvisado feito de pequenos troncos, esperam-nos sem pressa que o banho acabe, mesmo que dure uma eternidade. E desejamos que se prolongue pela noite dentro enquanto o corpo repousa na água tépida e os sais de banho cumprem a árdua tarefa de o revigorar. Ao longe, escondendo-se no horizonte, o sol despede-se das girafas que se aproximam para jantar. Os nossos olhos fazem-nos viver um momento que a memória irá perpetuar. Em território Masai, onde o Quénia e a Tanzânia perdem a noção das suas fronteiras concebidas pelo Homem e onde a natureza uniu as terras de Mara e do Serengueti, as noites começam assim.

Camburi, São Paulo, Brasil.

Camburi é um vilarejo à beira mar, no litoral-norte do Estado de São Paulo, um local que não consta dos roteiros turísticos das agências de viagens. E é pena, digo eu, enquanto quem vive nesse imenso Estado brasileiro dirá ainda bem. O carro estaciona-se no meio de um denso arvoredo, e onde não se vê uma alminha, com os faróis apontandos para um enorme pórtico onde começa aquilo que se adivinha ser um trilho feito de tábuas erguidas sobre a vegetação. Os espíritos mais agitados encontram uma momentânea e breve tranquilidade nos outros carros estacionados. Começamos uma caminhada entre a luxuriante vegetação, com os archotes espaçados a preceito iluminando-nos os passos e indicando-nos o caminho. Primeiro ouvimos o silêncio aqui e ali interrompido pelas boas vindas que a pequena bicharada se encarrega de nos dar. À medida que avançamos, o silêncio vai-se calando para dar lugar a um chill out melodioso, em ritmo de bossa nova, até avistarmos as luzes que nos confirmam estarmos a chegar ao Manacá. Adensa-se a expectativa. Somos recebidos com um sorriso e acompanhados a uma das mesas do lounge. Sentamo-nos no enorme sofá que nos acolhe, ainda incrédulos. A generosa mata tropical continua ali, ao nosso lado, e a música, agora mais audível continua a embalar-nos. O Manacá não tem portas nem janelas, entregando-se à natureza com a mais pura naturalidade, abrindo caminho, sinuosamente, por entre as árvores e arbustos como se tivesse nascido ali, parecendo pairar com uma leveza admirável. Minto. Eu esforcei-me e encontrei três portas, as dos lavabos e a do escritório. Mas janelas, nem uma. Seguimos a sugestão e iniciámos as hostilidades com caipirinhas, e eram muitas à escolha, dos mais variados sabores tropicais. Para jantar, nada como dar ouvidos à recomendação do chef e apenas me lembro de ter comido carne. E jamais me esquecerei da agradável supresa que me estava reservada quando, ao encaminhar-me para a mesa, resolvi fazer um desvio para olhar de perto para a enorme garrrafeira do restaurante. É normal encontrar, por aquelas paragens e nos bons restaurantes, vinho francês, chileno, australiano ou californiano. Na garrafeira juntava-se a eles vinho português. Cartuxa, Sogrape, Esporão, Mouchão, Barca Velha e outros que não me recordo. Senti-me definitivamente conquistado. O jantar foi soberbo. Num restaurante impossível de narrar e onde nos sentimos hóspedes, não clientes, tratados principescamente. Até onde a minha memória me consegue levar, mesmo correndo o risco de cometer uma injustiça a mim próprio, creio que o Manacá foi, e é, um dos melhores restaurantes onde estive. Talvez por isso tivesse lá voltado mais vezes, sempre que o fim-de-semana era passado nesse magnífico litoral-norte paulistano.

Vidas (XI)

Nesse dia, esperado ansiosamente, o marido fora magistral na condução da orquestra e o filho salientou-se, a espaços, na percussão, sendo com um indisfarçável orgulho que ela recebeu os merecidos elogios e felicitações após o baile presidido pelo governador provincial, e que tinha contado com a presença das ilustres famílias da sociedade local. A perspicácia feminina levou a que não lhe passasse despercebido um velado interesse do seu filho por uma jovem, de seu nome Camila, filha de um alto funcionário dos Caminhos de Ferro. Já em casa, no quarto do casal, comentou o facto com o marido enquanto ele, gentil e cuidadosamente, desabotoava a fila de botões das costas do elegante vestido de noite.
- Pareceu-me que o nosso filho se deixou encantar pela jovem Camila.
- Não reparei, porque dizes isso?
- Ora, essas coisas não passam despercebidas a uma mulher, muito menos a uma mãe, mas é natural que não tenhas percebido, afinal de contas parte do êxito da noite deveu-se a ti e durante toda a recepção foste muito requisitado.
- Mas desagrada-te a ideia?
- Não, de forma alguma, antes pelo contrário, tive a oportunidade de trocar algumas impressões com Camila e deu-me a sensação que é uma jovem muito ajuizada e que aparenta saber o que quer.
- Já o nosso filho…
- Eu sei e por isso mesmo me agradou reparar no interesse que ele manifestou por ela.
- Pois, mas acho que é melhor mantermo-nos afastados dessa história, se o romance tiver que acontecer, é lá com eles.
- Não é bem assim homem, sabes que não é bem assim, principalmente quando se trata do nosso filho.
Foste a mulher mais bonita e elegante da noite, sussurou-lhe, interrompendo-a e passando os braços em volta da cintura da mulher, ao mesmo tempo que pousava os lábios no seu pescoço de pele suave e vendo o reflexo do corpo da mulher no espelho, apenas coberto pelo corpete que lhe salientava a sensualidade. Ela sorriu perante os galanteios e gestos carinhosos do marido, virando-se para trás e oferecendo-lhe os lábios que o marido beijou apaixonadamente. Trocaram sorrisos cúmplices, embalados pelo ritmo e pelo som das folhas das palmeiras que se levantavam graciosamente no jardim do chalet.

26.4.08

Quem é este homem?

Lá mais para sul vive um homem. Aparentemente bem instalado na vida mas desconfio que são mais as vozes que as nozes. As vozes e os símbolos que ostenta, próprios de uma riqueza construída à pressa, aqui e ali num percurso de contornos sinuosos, adivinhando uma fachada bem parecida, como um papel brilhante que embrulha um conteúdo frágil e pobre de espírito. Um homem bonito, a acreditar na maioria que o conhece e que com ele priva. De pele bronzeada durante todo o ano, os estrangeiros adoram-no. Pudera, um típico poliglota desenrascado que começa por tropeçar na sua própria Língua antes de atropelar autenticamente a dos outros, com uma inata aptidão para o servilismo gratuito. Mas, como dizia, os estrangeiros têm um fascínio justificado por ele. Bem disposto, divertido, dado a festas e ao social, e espalhando o que ele julga ser um glamour irresistível. Aprendeu a jogar golfe e agora não quer outra coisa, ele que se esqueceu de onde vem e, pior, a maior parte das vezes dá mostras de não saber para onde vai. Mas isso digo eu, porque se lhe perguntarem nem hesita. Vou a caminho do próximo milhão de euros, responderá sem titubear e olhando-nos com desdém. Mas passam-se uns tempos agradáveis na sua companhia, desde que não sejam mais que meia dúzia de minutos. De tanto dizer que se chama John, já acredita que o nome dele é mesmo esse, apesar de nos momentos de lucidez se sentir amargurado e amaldiçoar os pais por lhe terem dado o nome de João. Tem uma inconfessável inveja da prima que também se dá a ares de rica e que decidiu viver numa ilha. Mas a ela dedicar-me-ei noutro momento, que o assunto agora é este homem português. Este homem que vou deixar que descubram, à laia de adivinha, mas de solução fácil, como ele tanto aprecia. Então? Quem é ele?

Algumas objeções a mudanças sutis que me levam a ter, de fato, uma reação negativa a esta conceção de uma nova Língua Portuguesa.

Na Porta do Vento, onde as palavras o vento não as leva, foi-me dado a ler um excelente artigo sobre o já célebre e não menos badalado Acordo Ortográfico, que um Desinfeliz de Juízo já apelidou de aborto ortográfico. No Corta-fitas, o Pedro Correia corta a direito e não é nas fitas, é no dito Acordo. Aqui, e desconversando, fica expressa a minha opinião muito pessoal, não suportada por estudos. Chamem-me conservador, mas quando se trata de ortografia, a palavra que a deve anteceder é regra. Concebo a Regra Ortográfica, não um Acordo Ortográfico. Um Acordo prevê muitas comissões de estudo, muitos debates conduzidos por iluminados e muitas cedências injustificadas para um resultado nefasto. Não lhe chamo evolução da Língua, considero-o o adulterar a Língua Portuguesa, que para além de ser falada, é escrita. Seria de esperar, como já disse alguém, “once in a while”, que às diplomacias e tratados discutidos em gabinetes se dissesse que não. E seria mais honesto, até porque assim já o é de facto, que se assumissem as Línguas como já se falam e escrevem. O Português, o Brasileiro, o Angolano, e por aí fora. Será que é para se manter uma quota visível da Língua Portuguesa? Senhores, o Camões já está farto de dar voltas no túmulo. Deixemo-lo em paz, que ele merece. E a Língua Portuguesa não merece, nem precisa de acordos.

Condições (quase) perfeitas.

O Beachcam segreda-me que o vento vai estar off-shore e a soprar fraco, as ondas com formação ordenada e o céu vai estar limpo. Ou seja, prevê-se que as condições para o bodyboard e para o surf, amanhã, são boas na Costa da Caparica. Céu limpo e calor... hum... praias invadidas por veraneantes. Umas nuvens amigas e aí sim, as condições seriam perfeitas, eh, eh, eh...
Filhotes, estamos à espera de quê?

25.4.08

Crónicas de uma viagem (I).

Chegamos sentindo-nos como exploradores cansados, depois de um dia em que os quilómetros percorridos na savana infindável, nos traz à memória a epopeia de Serpa Pinto e aquela travessia solitária e arriscada que moldou a imagem de um homem. Chegamos com África entranhada, acreditando que existem seis sentidos e não cinco. O jipe, indolente e tão cansado como os viajantes, aproxima-se vagaroso do lodge que haveria de ser o nosso poiso por dois dias, e que nos recebe de braço dado com o crepúsculo africano, um momento único em que o sol parece dar as boas vindas à lua. Quem nos recebe abre um sorriso amistoso e cumprimenta-nos num inglês a roçar o perfeito. Um nativo vestido de branco com um porte que não deixa esconder as origens Masai, acompanha-nos aos nossos aposentos, uma tenda Vitoriana inesquecível, revestida de cores fortes e acolhedoras. O detalhe, o requinte e a atmosfera romântica perfumada pelo odor de alfazema, trouxeram-me à memória passagens de a Verdade ao Amanhecer de Hemingway, um apaixonado por estas terras atravessadas pelo equador. Que outra recepção poderia haver para viajantes fatigados nos confins de Mara? Do banho, que seria tomado já ao anoitecer, darei conta na crónica seguinte.

24.4.08

Firenze è così bella.

Não é por ter sido durante muito tempo a capital da moda. Nem por ser considerada o berço do Renascimento italiano. Ou por ser a cidade principal de uma das mais belas regiões campestres que conheço, a Toscânia. Nem mesmo pela forma singular como Dante Alighieri a retrata em poema na Divina Comédia. Ou por ser o cenário magnífico de artistas como Michelangelo e Leonardo Da Vinci. Não sei explicar porque me sinto tão atraído por Florença, desde que a conheci há vinte anos atrás, uma cidade que se oferece aos nossos olhos como um postal renascentista. E sempre me soa melhor quando o seu nome é pronunciado em italiano. Firenze.

Bom fim-de-semana (grande).

23.4.08

Nairobi, Quénia.

O derradeiro jantar antes da indesejável partida rumo a casa, deixando para trás o imenso continente africano. Os últimos dias tinham sido passados numa Mombassa banhada pelo Índico e repleta de História Portuguesa. Dias em que a dieta alimentar fora constituída por peixe, bom peixe e outros espécimes, igualmente deliciosos, de fauna marítima. O corpo pedia carne. E a quem quer comer carne em Nairobi, é aconselhado participar numa orgia memorável. O local onde nos entregamos a tais prazeres carnais tem um nome sugestivo. Carnivore. Somos recebidos com simpatia e simplicidade e o serviço é exemplar. Contrariando as expectativas de conclusões que vieram, num ápice, a revelar-se precipitadas, no Carnivore não se vive o buliço e a azáfama de um rodízio, tal como o conhecemos. Pressa é coisa que não existe. O cenário é dantesco, com as mesas distribuídas em redor de um inferno de fogo crepitante onde por momentos julgamos ir expiar os nossos inúmeros pecados. Pois... e não é de carne que estamos a falar? Tranquilizemo-nos, que é de carne mas não da carne. De carne que um europeu não imagina um dia comer e que eu, para não entrar em detalhes que possam ferir susceptibilidades, me reservo ao direito de calar. Mais que uma lauda refeição, no Carnivore vivemos uma experiência única. E por todo o ambiente que nos rodeia, está longe de ser apenas gastronómica.

Vidas (X)

Tal como previra, a orquestra do marido dava passos firmes para um sucesso que se vislumbrava como inevitável. Mais do que talento, o profissionalismo e a preserverança do marido começavam a dar os seus frutos. Ele estava totalmente envolvido no seu novo projecto e a sua personalidade conquistava a simpatia, o respeito, e o reconhecimento de todos. A família estava já completamente integrada na sociedade local e ela continuava a mostrar-se uma gestora exímia dessa integração, não deixando espaço a que a intimidade familiar fosse invadida por quem, criteriosamente, considerava evitável, e mantendo como prioridades a sua família e ela própria. Começaram por estranhar, a senhoras vizinhas, as suas idas matinais ao paredão que delimitava a baía da avenida, na companhia de Daniel, seu cozinheiro, com o objectivo de ser ela própria escolher o peixe, que os madrugadores pescadores traziam nos seus pequenos barcos à vela. Alguns lanches depois, passados em volta de mesas onde era servido o chá, saboreado pelas vizinhas na mais fina louça de Alcobaça, e já os estranhos passeios matinais se haviam tornado uma rotina diária das outras senhoras.

Afinal os actos ficam para quem?

Nem sempre foi assim, não me custa confessá-lo, mas à medida que os anos avançam, as coisas que faço na vida são, na maior parte das vezes, as coisas que entendo que devo fazer. É importante esclarecer que esta afirmação não deve ser confundida com “as coisas que gosto de fazer”. Haverá porventura uns felizardos que poderão dizer que fazem apenas o que gostam de fazer. Mas não é o meu caso. Infelizmente, penso eu, nos dias mais difíceis; felizmente, noutros dias, a maioria. O que me trouxe a este tema, e mais não estou que a desconversar, é o facto de achar curiosa a relação que se estabelece entre os seres humanos e no equilíbrio muitas vezes precário que se cria e vai desenvolvendo entre as partes quando uma delas faz o que entende que deve fazer, mesmo que isso acarrete inevitáveis sacrifícios, e a outra parte usufrua dessa atitude. Acho curiosa porque uma das partes faz que entende que deve fazer sem esperar nada em troca, nem mesmo reconhecimento ou agradecimento, e tendo até uma sensação inexplicável de pudor quando o assunto é abordado, propositadamente ou não. A outra limitando-se ao usufruto, tem a tendência de perder a lucidez de olhar em redor e, porque não dizê-lo, perder também a noção da realidade que a rodeia. Ah, mas isso quer dizer que devia ficar agradecida? Nem por isso, ou melhor, não de todo. Quer apenas dizer que devia ter a clarividência e evidenciar uma atitude diferente perante o que usufrui, e outro comportamento junto da tal parte que faz o que entende que deve ser feito. Volto a reforçar que não se trata de ingratidão de uma das partes, nem de “tendência para otário” da outra. Acho apenas curiosa, e sem qualquer espécie de mágoa, esta relação que nem chega a estabelecer-se. E vou continuar a seguir os ensinamentos sábios de quem me criou, e permanecer neste rumo de fazer o que entendo que devo fazer. Os actos não ficam para quem os pratica? Continuo a achar que sim, sem ter a certeza absoluta disso. Como me dizia alguém que muito prezo, certezas absolutas mais não são que becos sem saída.

Uma eterna menina.

Esta senhora recebe-nos com um sorriso, um sorriso franco, aberto e que nos contagia. Esta senhora é uma mulher bela, possuidora de uma beleza a que ninguém fica indiferente. Uma senhora cuidada e que não deixa nada ao acaso quando se trata da sua figura. Esta mulher atraente e cativante chama-se Minho. Uma mulher que, diz-se, tem uma irmã gémea espanhola a quem foi dado o nome de Galiza e talvez por isso haja um grau de afinidade no que à personalidade diz respeito. O Minho não é uma senhora submissa e com ela, apesar da simpatia e daquele ar de eterna garota, lida-se com tacto. É uma uma mulher insinuante, uma sedutora nata e mesmo quando a mostarda lhe chega ao nariz, sim porque a senhora sabe bem o que quer, e atenção que o caso fica sério nessa altura, ela não perde o encanto. Aí não há margem para dúvidas: ela e a Galiza são mesmo irmãs gémeas. Abre as portas de casa e as do coração, com um espírito alegre e bem disposto, o que a torna numa companhia admirável, proporcionando momentos de convívio que a memória perpetua. E sem esperar nada em troca, numa generosidade imensa, como a natureza que a rodeia, o seu habitat preferido, e onde ela se refugia e revigora. O Minho é uma mulher trabalhadora, uma senhora que preza a sua autonomia e que, creio eu, tem aquela extraordinária capacidade de nunca guardar rancor. É daquelas mulheres companheiras que encara a vida como algo que deve ser vivido na plenitude, usufruindo o presente e com optimismo no futuro. Estou a vê-la de saias arregaçadas, sapatos na mão e sorriso gaiato no rosto, qual menina dada a travessuras inocentes, correndo à beira mar ou colocando o pé delicado nas águas límpidas e serenas de um riacho. Uma eterna romântica e sonhadora, o Minho é uma mulher que nunca deixará de ser menina.

22.4.08

Uma peça de teatro onde os actores são livros. Ou seremos nós?

A El Ateneo foi considerada pelo The Guardian como uma das três mais belas livrarias do mundo, pódium onde consta a Rizzoli e a Livraria Lello, a quem dei a primazia simplesmente por ser nossa. Não conheço a Rizzoli de Nova Iorque, mas tive o privilégio de ser apresentado à argentina quando visitei Buenos Aires em 2002, numa altura da minha vida em que os afazeres profissionais me conduziram, durante alguns anos, para a América do Sul, mais propriamente para São Paulo. Se a nossa foi considerada divina, a El Ateneo é, aos meus olhos, majestosa, de uma sumptuosidade que nos embriaga e nos faz sentir seres menores. Situada na avenida Santa Fé, no Bairro Norte, o edifício que nasceu um teatro que notabilizou nomes famosos como Ignacio Corsini ou Carlos Gardel, e que conserva essa estrutura, fazia dois anos que fora convertido em livraria quando o visitei. Conserva a estrutura e faz-nos sentir como se num teatro estivéssemos, admirando uma peça chamada cultura em que os actores são outros, colocados cuidadosamente em estantes e convidando-nos a participar da peça em actos que têm lugar nos inúmeros cantos e recantos que ora aparecem, ora se escondem a cada passo que damos. Uma jóia rara que os porteños souberam preservar e acarinhar, uma visita inesquecível a uma casa onde vivem livros (e discos) que parecem sussurrar-nos histórias de outrora e de hoje, transmitindo a sensação rara de se inverterem os papéis entre os leitores e os livros.

21.4.08

Gosto de Joan Miró.

E de O Carnaval de Arlequim pintado entre 1924 e 1925, e para o qual não me canso de olhar, encontrando sempre detalhes que dia após dia o tornam diferente.

20.4.08

St Martins Lane, London.


As fotografias de Jean Baptiste Mondino, enormes close up’s a preto e branco de caras com expressões divertidas, emolduram as paredes do Light Bar, um espaço único com uma atmosfera que nos deixa sem respiração. O Lighten up champagne que servem parece condizer com o ambiente cozy dos nichos que nos acolhem pintados em cores vibrantes, desafiando a noção de harmonia e juntando o rosa, laranja, violeta e verde. Aí começa uma experiência inesquecível no Asia de Cuba, um restaurante londrino que, pela mão de Jeffrey Chodorow nos dá a conhecer uma combinação sublime da cozinha asiática e cubana, e um serviço irrepreensível mas caloroso e descontraído. Com uma energia muito própria, num ambiente relaxado, o Asia de Cuba desenvolve-se, com sofisticação, em redor das carismáticas “art columns”. O espaço perfeito para uma refeição pre-theatre. Imperdível a sobremesa, um Chocolate menu divinal, servido com requinte.

Vidas (IX)

Havia malas para desfazer, coisas para arrumar, as primeiras instruções a dar, enfim, havia que começar a assentar arraiais. Podia, agora, tirar partido do seu rigor e organização depois da longa viagem que tinham feito e dividiu a abertura das malas pelos dois criados: roupa para um lado, peças de decoração e louças para outro. Nessa manhã achou a lavadeira ainda mais bonita e cuidada, emanando uma sensualidade própria de uma jovem e bela mulher que rondava os vinte anos. A regra mandava que ela fizesse as perguntas e que a lavadeira desse as respostas, e só foi quebrada, a espaços, quando a jovem lavadeira colocou, com toda a propriedade, algumas dúvidas que se relacionavam com a roupa dos patrões. Esse segundo encontro, mais longo e mais íntimo, contribuiu para que reforçasse a sua intuição do dia anterior. A jovem lavadeira, sendo humilde, revelava ser uma mulher bem formada, trabalhadora, cuidadosa e atenta. O tempo encarregar-se-ia de pôr à prova o senso de responsabilidade, dedicação e honestidade, outras qualidades que ela privilegiava.

19.4.08

Apenas um homem ou também um senhor?

Encontrado está um homem para contrabalançar a tendência, sem contudo a alterar. Esse homem vive no extremo nordeste do país e dá pelo nome de Trás-os-Montes, apelido da família que remonta há séculos e que ele teima em perpetuar apesar de se sentir isolado. Sente-se isolado mas sempre cultivou esse isolamento. Trás-os-Montes é um homem duro, empedernido, de feições que a vida se encarregou de marcar. Um homem de antes quebrar que torcer, senhor do seu nariz que conhece como ninguém as fronteiras das suas terras, onde levantou com sacrifício muros sobre os montes que a Natureza criou em terrenos de um vizinho chamado Marão. Não é um homem bonito e a maior parte das pessoas tem dificuldade em considerá-lo um senhor. Mas para mim é um senhor, apesar de saber que ele gosta mais que o tratem por homem. Trás-os-Montes nunca foi menino. Já nasceu homem. Mesmo bebé, o rosto macho e fechado jamais admitiu confusões a quem dele se acercava. Quando lhe perguntam sobre o lema da sua vida, menciona sem hesitar uma breve passagem de um livro de José Saramago que retrata o legado de um avô a um neto: “trabalho que se começa, acaba-se, a chuva molha, mas ossos não parte”. O primeiro nome de Trás-os-Montes não é Salvador, João Maria ou Bernardo. Ele chama-se António e não é um homem de uma beleza consensual. Há até quem diga que bonito é coisa que ele não é, mas a verdade é que as mulheres não lhe resistem, seja pelo seu ar misterioso, ou pelo carácter forte e personalidade vincada. Ri-se pouco e ri-se mais si que dos outros, revelando-se uma pessoa segura e terrena. Trás-os-Montes é um homem saudável, forte e entroncado, de voz grave e aperto de mão firme, e que acredita na vida e aceita o seu vai-e-vem sem temor, oferecendo-se a ela na certeza que o destino está apenas e só nas suas mãos e na sua força. E acreditem que o homem é uma força da Natureza. Moldá-lo? impossível. Conquistá-lo? leva um tempo dos diabos e até Satanás foge desse trabalho como da cruz. Esse é o segredo. Para seduzir e conquistar Trás-os-Montes não se vai lá com diabruras, falinhas mansas ou falsos propósitos, que o homem não é desses. De uma honestidade moral inquestionável, ele é de uma lealdade que jamais sofre o mais pequeno abalo. Digam o que disserem, para mim não é apenas um homem, é também um senhor.

18.4.08

Bah!

O fim-de-semana vai estar bom para as aulas das meninas, mas na areia. O pessoal do widsurf e do kite é que se deve estar a rir. A ondulação até se prevê amiga mas com vento on-shore moderado a forte a soprar do quadrante Oeste... e se juntarmos os aguaceiros... humprff!

The 70’s… and who cares about the rain?


Get up everybody and sing

Bom fim-de-semana?... bom fim-de-semana!

O que falta nesta igreja?

Em silêncio, todos os convidados se afastaram abrindo uma ala por onde a noiva, mulher jovem e sorridente, e naquela manhã mais bela que nunca, caminhava de braço dado com pai, feliz, sobre pétalas de rosas brancas até ao padre que os esperava junto do noivo que, gentil e ansioso, com o coração batendo em descompasso, se virou para observar o trajecto da mulher que amava e a quem, minutos depois, juraria fidelidade eterna. À sua passagem a ala ia-se fechando de uma forma ordeira, como um harmónio, enquanto os raios de sol que pareciam desviar as nuvens que cobriam o céu, iluminavam os rostos de todos. O padre esperava a noiva serena e o pai, sob o alpendre que protegia a porta da pequena igreja campestre. Ela quisera casar-se ali, e de branco, no mesmo lugar onde fora beijada pela primeira vez pelo jovem a quem entregara o coração e a quem diria que sim sob juramento supremo. Deu-lhe a mão esquerda, a mesma mão delicada onde uma aliança de ouro seria colocada no dedo anelar pelo homem na sua vida, desejando que da sua vida se tornasse. Tinham uma certeza inabalável de que seriam felizes para sempre.

Vidas (VIII)

Quando entrou em casa, apesar da evidente simplicidade, foi com agrado que verificou que tudo estava no seu lugar e imaculadamente limpo. Pensou que, com o tempo, estavam reunidas as condições para, com o seu toque pessoal, transformá-la numa casa à sua imagem, excepção feita ao imenso jardim que iria exigir bastante mais trabalho, dedicação e empenho dela e do jardineiro. Nessa noite ela e o marido deram as mãos ao deitarem-se e apesar do cansaço, teve dificuldade em adormecer, contrariamente ao que aconteceu com ele, que se entregou a um sono tranquilo, adormecendo sereno com um sorriso de felicidade nos lábios. O som compassado da rebentação do mar calmo da baía teimava em eternizar-se na noite, algo a que não estava habituada.

16.4.08

Uma senhora difícil mas encantadora.

Aos meus olhos, e continuarei porque me diverte esta procura de características físicas e traços da personalidade até à definição do sexo das regiões e cidades de Portugal, a maior parte delas espelha a realidade portuguesa, i.e., há mais mulheres que homens. Quer dizer, então, que apesar das reais e injustas desigualdades, Portugal é um matriarcado. Aos meus olhos, claro. Já pensei e rascunhei sobre o Algarve, àcerca de Trás-os-Montes, sobre o Alentejo e o Minho, mas acerquei-me das Beiras, sem distinção, porque as aprofundei nesta minha apreciação. E sem surpresa concluí que as Beiras são uma mulher. Se a Invicta é uma senhora que teve uma infância e uma juventude difíceis, as Beiras são uma senhora cuja a vida, mesmo adulta, não tem sido fácil, como não é fácil arrancar-se um sorriso dessa senhora, a não ser que com ela se prive na intimidade. As Beiras são uma mulher impenetrável, ligada a raízes profundas, que conduz a sua vida assente em valores inabaláveis e princípios claros e rectilíneos, o que a torna numa mulher séria, talvez demasiado séria. Os momentos de descontracção são uma raridade e ela é uma mulher desconfiada por natureza. As Beiras são uma mulher que não se dá, precisa ser conquistada, exigindo um esforço hercúleo a quem toma nas suas mãos essa empreitada, levantando autênticas paredes de granito que transformam o cerco numa epopeia que pode durar uma vida. As mesmas paredes e o mesmo granito que lhe esculpiu uma beleza crua e admirável, e um corpo sólido de formas generosas mas numa harmonia que a Natureza lhe concedeu. Uma beleza que precisa ser olhada várias vezes, exigindo atenção e curiosidade. Definitivamente, as Beiras não são uma mulher a quem sucumbimos num primeiro encontro. Além do mais, é uma mulher que assusta qualquer homem, por tão séria e misteriosa ser. Acho que não nasceu para ser namoradeira. No namoro, que para ela mais não é que uma etapa para o casamento, deixa-se envolver, mas a uma relação para ela atinge a plenitude com o tempo. E nasceu para ser mãe, dedicando-se devotadamente e sem limite à sua prole. As Beiras não são uma senhora sedutora, são uma senhora que precisa ser seduzida. Talvez aí resida o seu encanto, porque nessa contínua sedução e depois de a conhecer bem, ela mostra-se uma senhora encantadora. E entrega-se aos poucos, com raríssimas concessões, necessitando de quem a ama de um esforço permanente, contudo gratificante, porque as Beiras são uma mulher que sabe retribuir. Uma mulher para quem a palavra amor tem mais significado que a palavra paixão. Aos meus olhos, as Beiras são uma senhora assim: coreácea, firme, convicta, fechada no seu mundo imutável e de uma beleza peculiar e misteriosa. Uma senhora que não conhece o meio termo, de quem se gosta ou detesta e para quem a virtude não está ao meio, está onde estiverem os seus valores. Uma mulher só aparentemente serena, guardando em si um vulcão escondido das vistas dos mais distraídos. Uma senhora de quem os alfacinhas, por exemplo, perguntarão se no coração dela está um ferrolho em vez de uma simples fechadura.

15.4.08

“Nunca te aconteceu teres perguntas para fazer e saberes que ninguém te pode responder?”

Há cerca de uma semana atrás, li na blogosfera um texto em que paira a ternura de uma mãe babada a quem é colocado um enigma, pela filha, uma princesa que num “crescendo” questiona quase tudo o que observa ou lhe é dado a conhecer. Safa que a minha mais nova, que deve rondar a idade da princesa, não me coloca, pelo menos por enquanto, perante questões como “nunca te aconteceu teres perguntas para fazer e saberes que ninguém, mas ninguém mesmo te pode responder?”... digo-vos que era um cabo dos trabalhos. Fiquei a matutar no assunto e vai daí toca de procurar, no pouco tempo que tenho livre, literatura que pudesse dar algumas, mesmo que sejam poucas, respostas ao assunto, não vá ele um dia ser colocado pela princesa que tenho cá em casa. De site em site e de livraria em livraria, dou por mim a folhear um dicionário, não daqueles catrapázios que há para aqui em casa, da autoria de Orlando Neves, um alentejano que de acordo com o seu currículo pode ser considerado um homem dos sete ofícios e todos eles ligados à comunicação, às letras ou ao teatro. Mais um, pensei eu, quando me dei conta que Orlando Neves se formou em Direito e conhecendo de gingeira essa espécime que não segue profissionalmente a formação académica superior. Pois... mas foi por ter encontrado essa pequena afinidade que não pousei o dito dicionário e parti em busca de outro livro que me desse mais luzes, que o caso, depois de tanto remoer começou a tornar-se sério. Trouxe o dicionário, que se pode ler como um livro ou apenas ser consultado. Dediquei-me a ele como se de um livro se tratasse, o que aliás constitui uma recomendação do autor e da editora, animado com um pensamento lírico... ah não minha menina, com essa não me deixas sem resposta, que a terei pronta e se não for na ponta da língua, será numa qualquer página do Dicionário da Origem das Palavras. Chegado à letra E, um calafrio assolou-me o corpo ao ler Eco, a primeira palavra. Os momentos que se seguiram foram de pânico, sentindo-me perdido, numa tentativa vã de me agarrar às palavras que lia e que em catadupa me ocupavam o cérebro, como um exército bem treinado que tomava de assalto a aldeia da mioleira onde meia dúzia de neurónios incapazes e desorganizados corriam desgovernados e sem rei, quanto mais roque. O pânico passou num instante a terror quando os vi fugir como uns cobardes pela porta do meu quarto. Levantei-me aos tropeções e a esvair-me em neurónios, e fiz uma tentativa mal sucedida de lhes barrar o caminho... tarde de mais! Calma Mike, tem calma, isto há-de ter uma solução... que raio, és um homem não és um neurónio... respirei fundo... nestas alturas o que é que as mulheres fazem? choram... estás a ir pelo lado errado Mike... ok, ok, e os homens? o que é que eles fazem? sei lá, bolas... Eureka! o que os homens fazem não sei, mas sei o que vou fazer. Três pedras de gelo num copo, um pouco de chá, mas da Escócia, a paciência suficiente para deixar o gelo misturar-se com o whisky e uns segundos depois, um trago retemperador. Senti-me mais calmo e a lucidez foi-se apoderando de mim... Preciso de pensar... e vou ter que o fazer sem aqueles malditos neurónios... assim seja... quem é que quer aqueles inúteis? Mais um trago de whisky e a minha cabeça vazia desses minúsculos incompetentes, encheu-se de uma lucidez providencial. Voltou a paz momentânea e, ainda atordoado, comecei o difícil exercício que dá pelo nome de raciocínio. Enquanto o Diabo se contorcia de tanto rir, aproximou-se um anjinho, pousando ao de leve no meu ombro (já nem me lembro se era o esquerdo ou o direito, mas o que é que isso importa para o caso?) e segredou-me num tom de voz amistoso: porque estás assim Mike? o que leste que te deixou tão desesperado? Respondi-lhe com a voz sumida, que principiara a leitura do significado da palavra Eco. Diz assim: à repetição de um som, pela reflexão num corpo situado a certa distância, chamamos eco. Faz sentido, disse-me o ingénuo anjinho, enquanto o outro anjo, o do mal, perdia o ar de tanta gargalhada dar. Ainda morres com falta de ar, meu safado, pensei eu enquanto olhava de esguelha e já impaciente para o anjinho que sorria para mim, esperando que concluísse a deixa. Irritei-me! Os teus neurónios também têm asas e deram de frosque, é oh anjinho? ou fizeram-te uma neuróniotomia? não consegues pensar sem esses teus seres alados? Então não percebes que eu quando começar a explicação à princesa, ainda a frase vai a meio e ela já me está a dizer “espera aí oh Mike, e qual é o significado de repetição?”... Não vês? isto não tem fim, pensava que sim mas não encontrei solução para o enigma. Estou a vê-la a encolher os ombros, com um sorriso simpático e misericordioso e a virar-me as costas atirando-me contundentemente a frase “afinal continuo na mesma, sem que ninguém, mesmo ninguém, me consiga dar respostas a algumas perguntas”. Porca miséria! Ironia das ironias, tudo começou e acabou com a palavra eco. É que esta solução teria eco na princesa, mas não o desejado. Bolas! Mais um trago e vou-me deitar que se faz tarde. Não foi tudo mau e por falar em eco, o Diabo também ficou a saber o significado dessa maldita palavra. De volta ao quarto reparei que a minha profecia se tinha concretizado. O desgraçado agonizava e deixei-o afogar-se no seu próprio riso. O anjinho acabou-me com o whisky e encontrei-o no dia seguinte com uma valente ressaca tombado no chão da sala. Nessa noite, mesmo entregue à penosa sensação de impotência, adormeci sem sobressaltos, consumido pelo cansaço.

Jazz Favorites (XVIII). A personificação do jazz.

Comecei com Oscar Peterson, o meu pianista preferido, e dou por terminada esta viagem aos meus “favoritos do jazz” com Louis Armstrong, ele que é a personificação do jazz, mesmo não sendo o meu preferido. Seleccionei dezoito músicos apesar de inicialmente serem vinte, mas como não gosto de números redondos nem dos que lhes estão chegados... enfim, manias. De Louis Armstrong haveria muito para escrever e com toda a justiça e legitimidade. Mas como tudo o que escrevesse seria sempre pouco, por aqui me fico, deixando-vos com aquele que será eternamente o maior nome do jazz, na companhia de uma senhora, também ela eterna. George Gershwin compôs a ópera Porgy and Bess em 1935 e a aria Summertime faz parte dessa obra. Louis Armstrong e Ella Fitzgerald eternizaram-na.

13.4.08

Vidas (VII)

A chegada ao chalet fora uma agradável surpresa. Iam viver numa casa ampla, de um piso e com muito espaço em volta, construída de madeira pintada de branco e assente numa plataforma de pedra, de onde grandes portadas que se abriam para uma varanda generosa coberta por um alpendre que dava seguimento ao telhado. O amigo do marido disse-lhes que os dois homens negros e a negra que os aguardavam serenamente junto ao portão principal eram os criados que tinha contratado. Ela foi a primeira pessoa a atravessar o portão mas não o fez sem primeiro se apresentar, fazendo questão de saber os nomes de cada um e conhecer os seus ofícios, desde o mais jovem e que estava incumbido da limpeza da casa e de tratar do jardim, ao que aparentava ser o mais velho e era o cozinheiro, e à jovem negra que estava entre os dois e lhe disse que era a lavadeira. Com um sorriso estampado no rosto, os três tinham-lhe dirigido a palavra de forma educada e num português claro e correcto, apesar do sotaque, o que lhe agradou. Fez uma rápida avaliação, não lhe passando despercebidos alguns detalhes de que ela jamais abdicaria. O seu olhar deteve-se mais cuidadosamente na lavadeira e teve sensações contraditórias, achando-a demasiado jovem por um lado, muito bonita e sensual, por outro, e sem saber encontrar explicações, sentiu-se cativada pelo sorriso e pelo olhar que transpareciam genuinidade, honestidade e pureza de espírito. Antes assim, pensou ela, sabendo que raramente se enganava nas primeiras impressões quando se tratava da avaliação de pessoas e ninguém melhor do que uma mulher para avaliar outra mulher.

A floresta do Noddy.

Chegámos antes da hora prevista, eu e o mais novo, o que é um facto assinalável atendendo a que, por vezes, os quinze a vinte minutos de antecipação que me habituei a dar não são suficientes, e depois de um início de manhã tranquilo e de um pequeno-almoço de rapazes. Objectivo? ir buscar a irmã, a mais nova das meninas, que a festa de aniversário de uma amiguinha tinha proporcionado uma dormida fora de casa, que eu me lembre, a primeira noite nestas circunstâncias. Louvável a iniciativa, tinha já eu pensado no dia anterior, quer dos pais da amiguinha, quer de quem meteu a braços o empreendimento. Tempos de mudança que devem ser registados, já que, pelos vistos, outros locais há que não apenas os Colombos e afins. A festa de aniversário teve lugar no Museu Nacional de História Natural, ali na Rua da Escola Politécnica, num local onde alguns de nós nos habituámos a situar como o Jardim Botânico. Ao frenesim da véspera seguiu-se o inevitável cansaço dos miúdos que deram a uma costa onde os esperavam os pais e, a avaliar pelas caras da mocidade, seria levado a crer que uns estavam de ressaca e a outros tinha passado por cima um comboio. Mas todos felizes e ainda descobrindo uma energia que eu adivinhava soterrada, para contar sem interrupções as peripécias da noite, entre brincadeiras e pedagogia. O tempo de espera que nos restava, a mim e ao caçula, foi ocupado com um passeio pelo Jardim Botânico onde pudemos observar, in loco, a floresta do Noddy e as grandes árvores onde os malvados Sonso e Mafarrico se escondem do Senhor Lei depois de terem aprontado travessuras na Cidade dos Brinquedos. A verdade é que já me tinha esquecido como é aprazível a luxuriante vegetação das imensas árvores que parecem tocar os minúsculos pedaços de céu que os nossos olhos alcançam por entre as copas frondosas que nos acolhem e ralaxam, e nos fazem sentir longe da cidade e em contacto com a natureza. Por momentos indaguei-me em silêncio se estaria em Lisboa... é que apenas eu e o mais novo falávamos a língua de Camões. Entre pedidos de auxílio e diálogos, ouvi falar italiano, francês, espanhol, inglês e outra língua que suponho tratar-se de origem eslava. Portugueses eram dois e suportando-me de uma breve estatística momentânea, suponho que deveriam ser cerca de 5%. Se calhar era por ser muito cedo, que lá mais para a tarde a percentagem inverter-se-à... será? se calhar não...

Ainda chego à conclusão que o meu mais velho tem razão...

Lisboa também é uma senhora com quem tenho, à semelhança de alguns milhões, entre os que com ela coabitam e os que lhe batem à porta pela manhã e a abandonam quando a noite se avizinha, uma relação estável, o que não quer dizer pacífica. Ao contrário da Invicta, Lisboa teve uma infância feliz e uma juventude despreocupada, e talvez por isso seja mais sorridente, de gargalhada fácil e por vezes obscena. Ao pedir a opinião do meu mais velho sobre este tema, ele definiu, para minha surpresa, a cidade que o viu nascer como uma galdéria. Galdéria como? galdéria pai, uma oferecida, uma sem vergonha. Eu aqui a escolher as palavras cuidadosamente e ele sai-me com esta, assim sem mais nem menos. Raios, isso deverá querer significar que vivo num bordel... Calma Mike, nem tanto ao mar, nem tanto à terra, não te precipites. Lisboa é uma mulher muito bela, terrivelmente sedutora e desejável. Uma companhia agradável e bem disposta, daquelas mulheres que nos conquistam ao primeiro olhar, ao primeiro gesto, uma mulher que nos derrete com um sorriso... e já nem falo do desassossego que nos invade quando ela inclina a cabeça para trás, com os cabelos soltos, e traça as pernas cobertas (ou descobertas?) por uma saia Prada que acaba um palmo acima dos joelhos. Hum... no outro dia reparei que a saia que a Invicta vestia é Armani e queda-se três dedos antes dos joelhos fazerem a sua aparição. Lisboa sabe que tem um peito bonito, por isso, (e quem a poderá levar a mal?) as blusas são pronunciadamente decotadas. Os homens ficam seduzidos em menos tempo que um fósforo leva a arder e as mulheres ardem de inveja ainda o fósforo vai a meio. É assim Lisboa. Quero-te longe dessa mulher, diz-me a minha consciência, uma senhora com quem vivo, mas não consigo resistir à tentação, para bem dos meus pecados e para mal dela, a minha consciência. Não, não me peças isso, querida consciência, que não consigo viver longe dela. Porque não fazes como os outros, desde que eu não saiba, e visita-la de vez em quando? Porque não, bolas. Ela é bonita e envolvente, tem muito humor e tem aquela característica fundamental que é fazer descontrair os homens. É mas é superficial, diz-me a consciência que não se entrega nem está pelos ajustes, com tanto galanteio. Lisboa é uma mulher romântica, mas o romantismo esfuma-se em tanta leviandade. Com Lisboa tem-se um affair que desejamos perpétuo, mas é uma mulher que cansa, que não nos desafia depois de passado algum tempo, uma mulher fútil em que a descoberta leva pouco mais tempo que os primeiros momentos de um prazer intenso mas fugaz. Caramba, ainda há dias escrevia sobre a Invicta e fazia referência a uma senhora e a lealdade e agora escrevi mais vezes a palavra mulher e adivinha-se traição. Aqui falo de beleza e sedução, lá também, mas lembro-me de ter acrescentado admiração e personalidade. Agora escrevo frivolidade, antes escrevi carácter. Ah, entendo... por isso uma é tripeira e outra não passa de uma alfacinha. Eh pá, querem ver que o meu mais velho tem razão?

12.4.08

Jazz Favorites (XVII).

Earl Hines aprendeu a tocar piano com a mãe e nas aulas que teve aprendeu os clássicos mas a sua paixão eram as músicas populares que houvia nos teatros de Pittsburgh, onde nasceu. Aos quinze anos forma a sua primeira banda, inicia um trajecto sem retorno tocando em bares e clubes nocturnos e deixa de estudar. Como muitos outros músicos, muda-se para Chicago e trabalha com outros famosos como Nat King Cole, Dizzy Gillespie, Sarah Vaughan e Charlie Parker, sendo reconhecido como um dos melhores e maiores pianistas da história do jazz. Grande parte da sua carreira está associada a um senhor chamado Louis Armstrong.

Porem areia nas minhas mãos para eu a atirar para os meus olhos???

Normalmente não escrevo sobre política, um assunto que é abordado na blogosfera por pessoas que escrevem muito bem sobre ele e, acima de tudo, estão ainda melhor informadas do que eu. Hoje é um caso raro e raro se manterá porque seguirei fiel a este princípio. O que me leva a falar sobre o tema não é nenhum governante e sim o líder da oposição, e por causa de uma notícia veiculada na rádio. Luís Filipe Menezes defendeu hoje em Trás-os-Montes que a regionalização deveria ter início em 2009 e algumas instituições deviam transitar para o interior do país. Escolheu-as através de um critério aparentemente natural e de senso comum, mencionando, e desculpem-me as incorrecções em que, estou certo, incorrerei ao nomeá-las, os Institutos de Protecção do Meio Ambiente e o do Património, acrescentando que fazia sentido desviar um deles para Trás-os-Montes. Mas claro, pensei eu, onde estás tu a discursar LFM? Sou um homem de marketing e comunicação, não da política, e é aflitivo constatar tamanho desconhecimento do, neste caso chamar-lhe-ei consumidor, a quem a mensagem era dirigida. Neste contexto, já que noutros e comprovadamente, a demagogia tem um nome: ineficácia. Esqueçamos o termo consumidores e voltemos à política que é o que me traz aqui. As pessoas, os portugueses e mais objectivamente os Transmontanos, têm outras prioridades e esperam vê-las espelhadas em quem governa ou em quem tenha uma mínima hipótese de um dia vir a governar. Com tantas coisas prioritárias na vida dos portugueses, o LFM foi escolher algo que até poderá fazer sentido mas que está deslocado no tempo. E mostrou-se mais uma vez desfocado do que é importante, com um discurso desfasado da pura realidade. Vou mais longe: que papel essa transição dos Institutos poderia vir a desempenhar antes de se proceder à mudança de atitudes? ou antes de se garantir a transparência e o conhecimento de processos? ou ainda, antes de se procederem às reformas que, prioritariamente, deverão ser feitas? Pouco ou nenhum. A Regionalização implica mudanças e não são apenas de Institutos, que, acredito eu, acarreteriam mais despesa. Mudanças, como já disse, de atitude, de comportamento; exigência de rigor legislativo e controle da lei; necessidade de planeamento e de estratégia a médio e longo prazo. Mas acima de tudo, a Regionalização vale nada se for pensada e implementada “longe” da realidade dos portugueses. Enquanto for um tema para se ganharem votos ou seduzir as populações, a Regionalização é uma artimanha, uma fraude, que ainda por cima custa muito dinheiro. Percebeste Luís Filipe Menezes? O país não é um Município. Regionalização deve ter a ver com vida, vida melhor, mesmo que tenhamos que fazer sacrifícios, mesmo que tenhamos que pagar ainda mais por isso. É mais honesto colocar as coisas assim. E mais transparente. Já não tirarei partido disso, mas é gratificante pensar que os meus filhos possam fazê-lo. Os conselhos se fossem bons não se davam, vendiam-se, por isso ao escrever o que vou escrever, sinto-me credor: muda de atitude, para começar, que talvez isso te ajude a mudar de discurso. É que já me habituei a atirarem-me areia para os olhos, mas porem areia nas minhas mãos para eu a atirar para os meus olhos?... não me tomes por imbecil.

Exmo. Senhor

Comandante da GNR - Brigada de Trânsito do Comando Distrital de Lisboa,

O seu Oficial de Operações é um incompetente. Devia demiti-lo e aconselho-o a não fazer uma manobra de diversão, nomeando-o, por exemplo, Oficial de Logística ou de “outra coisa qualquer”. A incompetência revelada na tarde de hoje em Lisboa, quer no que diz respeito ao planeamento da operação, quer relativamente à execução da mesma no terreno é reveladora disso mesmo – incompetência, e não de um fatídico imponderável. Fui militar e sei do que estou a falar. Nos dias que correm sou menos defensor da máxima “não há bons nem maus soldados, há é bons e maus comandantes”, mas continuo a preconizá-la em situações como a que hoje ocorreu.
Dificilmente admitirei que o evento que teve lugar esta tarde – cidadãos a correr e a pedalar pelas ruas de Lisboa, tenha sido criado de uma forma espontânea. Também não estou disposto a admitir que se tratou de uma distracção minha face a avisos que, eventualmente, tenham sido feitos aos Lisboetas, porque éramos às centenas. Ruas fechadas, trânsito caótico, sinalização inexistente, crianças em automóveis durante mais de uma hora em percursos que levam dez minutos a fazer, e por aí adiante.
Dir-me-à o Senhor que não é da competência da GNR BT fazer avisos à população, ao que lhe responderei não é disso que se trata, nem é disso que estou a falar. Sem me alongar muito deixo-o com uma pergunta: se uma rua está cortada num determinado local, onde dois carros da BT se encontram estacionados e quatro agentes permanecem numa alegre cavaqueira, porque não desviar um ou dois deles trezentos metros antes de forma a evitar a confusão? Parece fácil, não? Apenas um pouco de bom senso, certo? Não tem resposta? Calculava que sim. Concorda comigo? Também sou a levado a crer que sim. A seguir concluirá, como eu e outras centenas de automobilistas, que a operação foi mal preparada e a execução no terreno foi absolutamente ineficaz e de uma inoperância atroz. É simples, Senhor Comandante: demita o seu Oficial de Operações. Estará a prestar um bom serviço à Corporação, um serviço exemplar à população, a zelar pela imagem da Brigada de Trânsito e, provavelmente, ao substituí-lo por um Oficial mais capaz, a contribuir para se evitarem, de futuro, situações como a que hoje ocorreu.

Sem outro assunto de momento e grato pela sua especial atenção, subscrevo-me atenciosamente.

Com os melhores cumprimentos.

Riga, Letónia.


Estás pronto?

Levanta-te mar, não te amanses que a lua insinuante e falsa já partiu e o sol reina. Envia as ondas mensageiras da tua ira e deixa que elas se quebrem ruidosamente na areia molhada, atirando para o ar a espuma que nos salpica o rosto. Levanta-te mar e põe-te pronto que não te quero calmo e sossegado. Nada de vacilos que o Verão ainda vem longe e os dias de praia dos banhistas demoram. Não te quero misericordioso e compassivo, quero-te desafiante e temerário. Estás pronto, mar? É bom que estejas!

Vidas (VI)

O sol já ia alto quando o Lima contornou o extremo da restinga da cidade do Lobito após ter feito escalas em S. Tomé e Luanda, trocando as águas batidas do oceano Atlântico por águas mais calmas. Não evitou um suspiro quando o navio entrou na baía e iniciou o percurso de três milhas que os levaria até ao porto. Já todos desejavam pousar os pés em terra firme, após semanas de viagem, e apesar das crónicas mais recentes e do entusiasmo relatado nas cartas do amigo do marido, manteve sempre um certo cepticismo, nunca declarado, em relação à cidade. No entanto, o que os seus olhos viam em terra, a par dos sorrisos do marido e do filho, ajudavam a combater os seus pensamentos menos optimistas. A cidade era mais moderna do que imaginara, com elegantes avenidas e chalets, que se erguiam entre palmeiras e jardins bem cuidados. Deixaram a azáfama do porto depois do sempre maçador desembarque e cumprimento das formalidades alfandegárias, para as quais tinha sido providencial a presença do amigo, e logo ficou impressionada com o ambiente cosmopolita, com a sensação de progresso e com a organização da cidade enquanto se dirigiam para aquela que seria a sua nova morada, um chalet recém construído na zona nobre, voltado para a baía do Lobito.

11.4.08

Bom fim-de-semana.

(Jovem), Mui Nobre, sempre Leal e Invicta Cidade.

Há cerca de dezoito anos os afazeres profissionais empurraram-me amiúde para o Porto. Empurrado me senti nas primeiras idas, conquistado fiquei ao fim de umas quantas visitas. Não sei se acontece com todos os que não são tripeiros, mas comigo este namoro não nasceu de um amor à primeira vista, trata-se antes, posso dizê-lo hoje, de um enamoramento. A nossa relação é como aquelas que duram, entre namorados que vivem longe um do outro. Dir-me-ão porventura uns quantos portuenses que assim é exactamente porque a minha relação com a Invicta não é diária e por isso não esmorece num quotidiano que, provavelmente, acabaria por nos desgastar. É óbvio que aceito a explicação, por razões também óbvias. Então nada mais me resta senão considerar-me um privilegiado, um felizardo, que por força deste enamoramento, me continuarei a entregar à cidade que o Douro banha e que a Foz abraça. O Porto é uma senhora em toda e na verdadeira acepção da palavra. Uma senhora que não teve uma infância e juventude fáceis, e que tudo o que conseguiu na vida foi conquistado com sacrifício, devoção e crença. Mas nunca deixou de sorrir abertamente ou mesmo dar uma genuína gargalhada, mas só a dá com quem a ela se entrega. Uma senhora culta, excelente conversadora, e sedutora por natureza, que sabe viver a vida porque sabe o que quer dela. E aos meus olhos, e gostos não se discutem, uma mulher bela, muito bonita. Não direi que seja de uma beleza delicada e frágil, que o que é belo nessa mulher é o seu carácter firme mas de um eterno e desconcertante romantismo.

10.4.08

Abril, águas mil.

Primavera... humprff...

Jazz Favorites (XVI). Mr. Miles Davis, a ousadia em pessoa.


Miles Davis constitui um capítulo à parte na história do jazz, durante mais de quarenta anos, com o som do seu trompete, puro, suave e quase sem vibrato. Miles Davis foi um músico genial, tendo liderado um quinteto célebre nos anos 50, que contou com outros talentos como John Coltrane e Paul Chambers. No final dos anos 60 adopta uma renovação estética musical pouco consensual com a fusão entre o jazz e o rock, seguindo-se os anos 70 ainda mais controversos. Morreu em 1991, deixando uma obra notável, vasta, multifacetada, desbravadora e ousada. No ano em que morreu tocava assim.

9.4.08

Os imprescindíveis balanços que fazemos da vida.

Durante muito tempo na minha vida não fiz balanços, balanços da vida sérios, daqueles que doem e que nós, humanamente mas sem perdão nos recusamos a fazer, tolhidos pelo receio de nos confrontarmos com as nossas decisões menos acertadas, ou com a ausência inexplicável de decisões, ou ainda com a ausência cruel de respostas para tantas e dolorosas interrogações. É que é dura esta confrontação com a nossa consciência... Há já algum tempo que os faço e que me consomem um tempo cuja existência desconhecia. Mas quem melhor que nós para “fazermos” o nosso tempo? Eu diria ninguém. Hoje em dia faço-o duas vezes por ano em datas que escolhi assente num critério que no princípio não soube explicar nem a mim próprio, impelido apenas e só pela intuição, que aprendi a seguir ao longo da minha vida. Faço-os próximo do dia em que nasci e do dia em que deixei de ver o meu pai. E nesses momentos a certeza de que apenas deixei de o ver apodera-se de mim, porque ele me acompanha nos balanços que faço, muitos deles negativos, confrontando-me irremediavelmente com os insucessos, mas, e felizmente, a maior parte deles positivos. Principalmente quando olho para os meus filhos e para a família que construí, uma família fora dos ditos padrões sociais (será assim tão fora?), mas uma família, a minha. Alguém que quero muito disse-me um dia que nós cometemos quase sempre os mesmos erros na vida, temos é a capacidade de nos desculparmos com mais propriedade, não leviandade, de conhecermos melhor as razões dos erros e porque os repetimos. Chamar-se-à a isso maturidade? Vou acreditar que sim até porque o prato da balança, à medida que o tempo avança, entre o dever e o haver, tem pendido, invariavelmente, para o mesmo lado. O positivo. Ou será que estou a ver apenas o que quero ver? No próximo balanço procurarei encontrar resposta a esta pergunta. Curioso... não tencionava escrever mais depois do último ponto final mas lembrei-me da minha família uma vez mais e sorri...

Is there a ghost? Não sei. Apenas fiquei a saber que os Band of Horses são uma banda recente de Seattle, de indie rock, e não são muito conhecidos. Mas gostei bastante de os ouvir.

Arquivo do blog