6.4.08
Vidas (IV).
A jovem negra ajeitou a quitanda em cima da cabeça e, abandonando o campo, encaminhou-se com passos largos e seguros para a sanzala. Era muito bonita, com uma postura física irrepreensível, muito se devendo para tal, a arte de dominar o transporte da quitanda num equilíbrio instável, quase desafiando as leis da física. Atravessou descalça o riacho que delimitava o lado oeste da vila do Bailundo e nem o arregaçar dos panos coloridos que lhe cobriam o corpo de ébano escultural, pôs em causa o equilíbrio perfeito da quitanda cheia de nêsperas, no cimo da sua cabeça de cabelos entrançados. Haviam passados seis anos desde que a tragédia se tinha abatido na sua família, tendo perdido os pais e seus três irmãos. Aos catorze anos tinha abandonado o Seles, sua aldeia natal, rumo ao Bailundo, na companhia de amigos da etnia Ambo. Para trás e tragicamente, tinha ficado toda a sua família, vítima como muitas outras, de um ajuste de contas de contornos pouco claros que marcou historicamente a nação Ovimbundo. Anos mais tarde tinha tentado, em vão e numa viagem arriscada, resgatar os restos mortais de seus pais e irmãos. A conselho do velho Kuahamba, seu protector e personalidade importante do quimbo, que guardava como as únicas coisas boas do tempo de sipaio ter aprendido a ler e a escrever, tinha abandonado essa ideia, que de tempos em tempos lhe assaltava o espírito.
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5 comentários:
Vidas difíceis...
... que nunca toldaram a vontade de serem felizes...
lembro-me de um desafio lançado há muito tempo (tanto assim?) e feliz estou a ler-lhe com tanto detalhe aquilo que afinal não fazia parte de raizes incertas Mr. Mike .. bem certas, delineadas e lembradas de uma forma única por aqui.
Sorriem de satisfação os seus antepassados, estou certa.
Continue .. :)
... desafio que não esqueci, nem esquecerei, Miss Once. Incertas na memória, mas concretas na realidade, essas raízes... :)
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