1.4.08
Vidas (II)
Pensou no marido enquanto se olhava ao espelho pela última vez e num acto de cumplicidade usou o dedo indicador da mão direita para afrouxar a ponta do decote do vestido, deixando antever um pouco mais do seu peito firme de pele clara. Tinham sido apresentados num fim de tarde primaveril, quando na companhia dos pais assistia a um concerto nos Paços do Concelho. Não foi um amor à primeira vista mas ainda hoje guardava memória desse primeiro encontro. Ele não passava despercebido e mais do que ser um homem bonito, emanava muito carácter e uma forte personalidade. Era um jovem músico promissor, com muito talento, que tinha a capacidade de tocar vários instrumentos com um à vontade invulgar, não se podendo dizer que fosse uma pessoa popular, de sorriso fácil e conversador, o que o tornava de certa maneira, intrigante aos olhos da jovem. Sentiu uma tranquilidade inesperada quando lhe pegou na mão direita para a beijar de forma subtil, seguindo rigorosamente a etiqueta. Tal como foi inesperada a sensação de vulnerabilidade que experimentou quando aquele jovem moreno que estava à sua frente, a olhou nos olhos sem pestanejar e lhe disse com uma voz grave e segura que esperava que ela apreciasse o concerto, o que de facto sucedeu.
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