4.4.08

Vidas (III).

O Lima largara amarras do porto de Lisboa a 1 de Julho de 1923 e há já alguns dias que navegava tranquilamente à velocidade cruzeiro de doze nós, rumo a Angola. Apesar de ser a sua primeira grande viagem marítima, ela revelava uma rápida adaptação, mostrando-se agradada com a brisa do mar e o odor permanente da maresia, e nem sequer o cheiro forte do ferro que se misturava com o da tinta do navio construído em West Hartlepool, em Inglaterra, a faziam sentir-se incomodada. Saiu do seu camarote, um dos raros aposentos de luxo do Lima e fechando a porta de madeira escura, impecavelmente protegida com verniz, encaminhou-se para o convés da proa, onde já se encontrava o seu marido. Costumavam assistir ao entardecer até serem chamados para o jantar, enquanto o filho satisfazia a sua curiosidade pelos segredos náuticos, acompanhando, sempre que podia, o Imediato do navio nos seus afazeres diários. A ponte do navio era o seu local favorito, a par da casa das máquinas. A partida para Angola tinha sido sucessivamente adiada. Tinham-se passado quase cinco anos desde aquela manhã de Outubro em que, pela primeira vez, tinha partilhado com sua costureira e velha confidente, a decisão de partir com a família para as colónias. Estava previsto que a viagem terminasse no porto do Lobito, uma jovem cidade angolana que despontava vertiginosamente após o início da construção do caminho de ferro e onde um amigo de longa data do marido os esperava.

2 comentários:

Nuno Castelo-Branco disse...

Podia descrever a viagem dos meus trisavós, feita quarenta anos antes desta a bordo do Lima.

Anónimo disse...

Raízes que se cruzaram algures em África, Nuno? O casal desta viagem são os meus bisavós...

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