31.12.08
Maldita lua, abençoada piscina.
Pensei em escrever que te tinhas acobardado, mas sei que a cobardia é coisa que não habita em ti, coisa que nunca conheceste. A lua intrometeu-se entre nós ao acalmar-te as marés, e nem o vento de levante fez com que o desassossego se apoderasse de ti por um dia que fosse. Deixaste-te embalar pelos sussurros dessa irresistível sedutora e abandonaste-te nos braços que ela te estendeu durante a noite. E não acordaste de manhã. Preferiste entregares-te a uma preguiça que se prolongou pela tarde. Esperei e não resisti. Nem a chuva fria, o vento que desordenava as tuas ondas e as tuas águas geladas impediram que me atirasse a ti, a um mar que, afinal, se esquecera de um desafio. Não conseguiria voltar sem cavalgar uma onda que fosse. E assim foi. Nem acho que tenha vencido um desafio, que acabou por não o ser. Valeu-me a piscina coberta, aquecida e esquecida, que esperava por mim, e que me acolheu na sua água quente e retemperadora. O meu corpo relaxou apenas por instantes, nessa mesma piscina onde fui feliz. Voltaremos a encontrarmo-nos sem que a lua e a sua magia apaziguem as tuas marés, para que as tuas ondas revoltas se abatam sobre mim. E claro que não te guardo rancor. Até breve.
30.12.08
25.12.08
Ouvi-te chamar-me.
Chamaram por mim e não me surpreendi. Conheço bem e conhece-me bem quem o fez. Durante alguns dias estaremos juntos, desafiando-nos mutuamente. Já sinto um rebuliço em mim, aquela inquietação que antecipa o momento em que nos encararemos, num frente a frente tal qual dois pistoleiros do Farwest numa ruela estreita e deserta, sob os olhares escondidos por detrás das frestas das janelas fechadas. Não haverá balas nem fumaça, ou poeira de corpos caídos. Não será numa cidade e muito menos na estreiteza de uma viela. A natureza será testemunha dos duelos que terão lugar. O sol, as nuvens, a chuva e o vento, se fizerem a desfeita de dar à costa, e a areia molhada que me receberá com um afago que não espero sedoso, antes agreste e vigoroso. Quem me chama conhece o protocolo e, estou certo, começará por me lançar, num convite descarado e sem vergonha, a espuma cativante que, como uma sereia sedutora e inebriante, me beijará os pés nus, acenando-me com a inocência de uma ninfa e sussurando-me anda Mike, anda, do que esperas tu? Sorrirei para ela enquanto a brisa fria e salgada me molhará o rosto num derradeiro apelo ao desafio. Sê impiedoso mar, e arremessa as tuas ondas com toda a fúria que trazes nas tuas profundezas. E não contes com a minha complacência, que implacável serei. Ambos sabemos qual é a punição para vacilos e momentos de frouxidão. E também conhecemos o prémio, que mais não é que o sentimento gratificante de estarmos juntos e desafiarmo-nos. Ouvi-te chamar e não me surpreendi. Tinhas saudades minhas? Eu sinto a tua falta.
Arcádia
Sabes, tio, falo uma Língua que ninguém entende aqui na Terra.
Que é como quem diz, lá em casa, acrescentei eu perante os sobrolhos franzidos dos pais. Se calhar és um ser de outra galáxia.
Se calhar, não. Sou um ser de uma galáxia distante que se chama Arcádia, e habito no 11º planeta com os seus dois melhores amigos, o Ricardo “hiperactivo” e o Giuseppe “visionário”.
E o que te trouxe à Terra, arcadiano?
Uma maldita falha técnica na nave, impossível de ser reparada por humanos.
E estás à espera do reboque?
Nem me digas nada, aguardo impacientemente neste vosso planeta de inteligência precária, que os meus amigos me venham ajudar.
E estão a demorar-se porquê?
Ora tio, eles vivem a anos-luz de distância.
Sabes se eles, porventura, gostarão da Terra?
Duvido! Vão querer voltar para Arcádia e para o 11º, onde nos sentimos em casa.
E a conversa continuou, com ele a contar-me como é a vida nessa galáxia distante e nós a ouvirmos interessadamente e com curiosidade histórias de um outro Mundo. Fiquei a saber, entre gargalhadas de ir às lágrimas, e logo no Jantar de Consoada em casa da minha mãe, que o meu sobrinho é um ser que habita noutra galáxia. E fiquei a saber pelo próprio, à mesa e para quem o quis ouvir, ou seja todos nós, pais incluídos. Ó sobrinho, afinal parece que ainda há muita gente que entende a tua Língua Arcadiana. A ver se amanhã não me esqueço de te perguntar como se diz ó caramelo lá tua galáxia.
Que é como quem diz, lá em casa, acrescentei eu perante os sobrolhos franzidos dos pais. Se calhar és um ser de outra galáxia.
Se calhar, não. Sou um ser de uma galáxia distante que se chama Arcádia, e habito no 11º planeta com os seus dois melhores amigos, o Ricardo “hiperactivo” e o Giuseppe “visionário”.
E o que te trouxe à Terra, arcadiano?
Uma maldita falha técnica na nave, impossível de ser reparada por humanos.
E estás à espera do reboque?
Nem me digas nada, aguardo impacientemente neste vosso planeta de inteligência precária, que os meus amigos me venham ajudar.
E estão a demorar-se porquê?
Ora tio, eles vivem a anos-luz de distância.
Sabes se eles, porventura, gostarão da Terra?
Duvido! Vão querer voltar para Arcádia e para o 11º, onde nos sentimos em casa.
E a conversa continuou, com ele a contar-me como é a vida nessa galáxia distante e nós a ouvirmos interessadamente e com curiosidade histórias de um outro Mundo. Fiquei a saber, entre gargalhadas de ir às lágrimas, e logo no Jantar de Consoada em casa da minha mãe, que o meu sobrinho é um ser que habita noutra galáxia. E fiquei a saber pelo próprio, à mesa e para quem o quis ouvir, ou seja todos nós, pais incluídos. Ó sobrinho, afinal parece que ainda há muita gente que entende a tua Língua Arcadiana. A ver se amanhã não me esqueço de te perguntar como se diz ó caramelo lá tua galáxia.
23.12.08
O Natal é uma festa. Bom Natal.
As pessoas parece que param de pensar, mesmo as que já pouco o fazem durante o ano todo. Atiram-se a uma azáfama como quem se atira compulsivamente de uma falésia. Sorrisos, muitos sorrisos que, por mais que tente, não consigo vê-los senão feitos de uma matéria plástica e pouco consistente. E de ocasião momentânea. Os passeios apinhados e as lojas à cunha apesar dos queixumes dos comerciantes. Os automobilistas parecem possuídos e não é de bom senso, antes por um demónio sorridente que se delicia com a época. E supostamente não devia ser ele a regozijar-se com a Quadra. Gastam-se fortunas com quem não se deve e esquecem-se os que mais precisam. Mesas fartas, muita comida que o lixo orgânico, esse glutão, absorverá sem pestanejar. Os remediados fazem-se ricos por dois dias e os pobres sentem-se mais pobres que nos outros dias do ano. Algumas campanhas publicitárias dizem tratar-se da maior festa do ano. Não podia estar mais certa a abordagem. O Natal não passa de uma festa. Os que comigo privam dizem-me todos os anos que o Natal é mais que isso. Já desisti de responder, há algum tempo, que sim, que sei disso, só que não vejo. Mas também já há bastante tempo que assumo tratar-se de um problema meu. Não mudei de lentes por causa disso e habituei-me a viver com esse problema. Hoje vivo-o mais pacificamente, diria desinteressadamente, mas no dia vinte e seis de Dezembro sou um homem novo, aliviado. Os filhos ajudam a atenuar e aprendi a mudar de máscara sem que eles dêem conta. Natal, humildade, despojo, simplicidade, reflexão, solidariedade. Acredito que ainda há quem o viva assim e o pratique. Só que não vejo. Este Natal a minha prenda serão uns óculos novos. Sem muitas expectativas ou acalentando muitas esperanças, pode ser que para o ano veja o Natal de maneira diferente. Feliz Natal a todos os que conseguiram chegar até este parágrafo. E um bom Ano de 2009. Acho que isso é bem mais importante.
Entre desenhos feitos hoje e a escrita posta em dia amanhã.
A minha menina chegou a Lisboa. Lembram-se? a mais velha que estava em Barcelona com uma bolsa de estudo, a trabalhar numa produtora de audiovisuais. Casa cheia. Esta noite tive os quatro à minha volta. Voltei a ter a sensação de viver na Pensão Estrelinha. Amanhã temos um jantar agendado. Eu e ela apenas, para conversarmos os dois, para pormos a escrita em dia que hoje só se fizeram desenhos, para que todos entendessem. A lógica é um bocado como a do Tintin, limitando um pouco mais a faixa etária que em vez de ser dos sete aos sententa e sete, é dos quatro aos quarenta e oito. Mas gostei dos desenhos, gostámos todos, até o caçula, o único que teve direito a prendinha. E sei que gostarei da parte escrita, amanhã. Porquê? Porque há muito que me habituei a gostar do que ela escreve, que é como quem diz, do que a mais velha me diz e conta. Veio pelo Natal e comprou apenas bilhete de vinda. Voltará para Barcelona? Amanhã saberei. Sei que a vontade dela é voltar e não serei eu a desaconselhá-la, antes pelo contrário, que se há alguém que a incentive é este pai, que já viveu em Angola, em Londres, em Cambridge, em Brighton e em São Paulo. Ela já sente Lisboa demasiada pequena apesar de ser apaixonada pela cidade que a viu nascer. Será como quiseres, filha. E como puderes. Mas será. Aqui, em Barcelona, ou noutro lugar qualquer do mundo onde te sintas realizada e feliz.
22.12.08
20.12.08
A poem a day keeps the Devil away. *
Does it?
O Luís de Carvalho, amigo de longa data, acredita que sim e, à sua maneira, explica porquê. Profissão: escritor, carreira: publicitário. Escreve há mais tempo do que ele próprio poderia imaginar. É o seu primeiro livro. Diz ele que a vida é um buraco, uma origem, um túnel de entrada para a saída, um troço para qualquer caminhada, a vida é um buraco para cavar.
E atiras-te logo à poesia pá?, pergunto-lhe a seguir ao abraço do reencontro. Não lhe chames isso que os puristas dirão que é uma heresia. Chama-lhe antes histórias partidas, responde-me num sussurro com um sorriso feliz no rosto.
Belíssimas histórias partidas, é assim que as passei a chamar depois de as ler. E gosto do livro com um buraco no meio. Um pedaço do buraco da vida que já cavaste. Não sou fã de poesia, sou até um pouco avesso, mas delicio-me com histórias partidas, intensas, vividas e desconversadas. Querem ver que é mesmo verdade que a poem a day keeps the Devil away?
* Já está à venda e 10 € é o preço para se tirarem dúvidas sobre a justiça da afirmação.
E atiras-te logo à poesia pá?, pergunto-lhe a seguir ao abraço do reencontro. Não lhe chames isso que os puristas dirão que é uma heresia. Chama-lhe antes histórias partidas, responde-me num sussurro com um sorriso feliz no rosto.
Belíssimas histórias partidas, é assim que as passei a chamar depois de as ler. E gosto do livro com um buraco no meio. Um pedaço do buraco da vida que já cavaste. Não sou fã de poesia, sou até um pouco avesso, mas delicio-me com histórias partidas, intensas, vividas e desconversadas. Querem ver que é mesmo verdade que a poem a day keeps the Devil away?
* Já está à venda e 10 € é o preço para se tirarem dúvidas sobre a justiça da afirmação.
A primeira Lei de Newton.
Pensei em voltar a desconversar trazendo à baila o tema do Natal. Ponderei e desisti. Como disse um dia Picasso, a um grupo de jovens estudantes de pintura, a inspiração é importante mas é ainda mais importante que ao surgir nos apanhe a trabalhar, que é como quem diz ao computador, nesta actividade amadora de postador. Somando a isso o meu conhecido desprendimento em relação ao Natal (estive quase a escrever aversão, mas achei demasiado severo), decerto decidi bem. Retomo a desconversa apenas com o verbo postar, que, como muitas outras actividades, requerem vontade e predisposição, mas também alguma disciplina que acaba, invariavelmente, por se tornar numa rotina boa. Pelo menos para mim tem sido. Tal como ler, pensar, fazer exercício, sexo, rir, acarinhar, conversar, ouvir ou trabalhar, a rotina de postar acaba por não ser muito diferente porque quanto menos se faz, menos se tem vontade de fazer até deixarmos de o fazer, não sentindo falta do que até aí preenchia o nosso quotidiano. Comecei a postar, há quase dois anos, influenciado por quem considero muito bons blogueiros, na altura parceiros de lide na mesma empresa. No princípio senti dificuldade em familiarizar-me com a parte técnica, e ainda hoje não considero essa parte um familiar chegado. De seguida abominei o que escrevi, ainda sem ter coragem para tornar público, e lendo o que de bom e bem se escreve na blogosfera pensei seriamente em nem me aventurar a dar o primeiro passo. Ponderei e não desisti. Porque tinha vontade e senti que precisava, que me ia fazer bem. E como na vida as pessoas não devem pensar em fazer o que gostam, antes aprender a gostar do que fazem, meti mãos à obra e pus-me a desconversar. Hoje desconverso apenas porque gosto, mas sinto que já não preciso. Ultimamente fui invadido por uma inércia jamais sentida, que se prolongou mais do que poderia imaginar. Hoje sei que se tornou inércia, apesar de ter havido inúmeras razões, todas elas válidas, para a pausa a que me impus. E não é que foi essa inércia que me fez voltar a ponderar? Inércia? Estás a ceder à inércia? Logo tu? Desta vez não precisei de ponderar e desisti. De ceder à inércia.
6.12.08
À desconversa com os meus posts.
Uma destas noites dei por mim a reler o que escrevi desde que dei início a este desconversar. Invadiu-me uma súbita sensação de me estar a despedir dos posts. A minha relação com o passado, conhecem-na. Passado, para mim, é apenas uma palavra da Língua Portuguesa, com um significado infinitamente menor que as outras duas que enquadram a vida. Presente e futuro. Olhar para trás ou perder uma hora que seja a pensar no passado, é um dos maiores desperdícios de tempo a que jamais me entreguei. Não guardo cartas, notas ou bilhetes de ninguém que não sejam ou digam respeito ao presente. Nem um. Não tenho fotografias antigas cá em casa, estão todas em casa dos meus pais. Depois dos divórcios, nada me rodeia que pertença ao passado. Nem uma colher de chá. A minha mãe costuma dizer que sou fundamentalista e rimo-nos os dois. Não conheço o significado da palavra nostalgia, quiçá porque nunca lhe dei sequer hipótese que me fosse apresentada. Voltando aos posts antigos. Quando os reli chegou-me um certo odor a naftalina. E não gostei, mesmo tendo mau olfacto. Eles percebem-me porque me conhecem. Novo ano, velhos posts? Nem precisei de lhes perguntar, eles sorriram quando viram o meu olhar, parecendo dizer-me ora, sabes qual é a tecla, Mike. E eu ri-me com eles, sem me rir deles.
Na blogosfera e da blogosfera.
É curiosa, e simultaneamente estranha, esta sensação que muitos de nós já experimentaram, de pausa na blogosfera. Pausa na blogosfera mas não da blogosfera. No princípio a reflexão sobre o que leva à pausa, seguindo-se a conclusão, já esperada, de não haver apenas uma razão, e de não se conseguir afirmar, ou hierarquizar, com certeza, o peso das razões. Depois a sensação estranha de voyeurismo que, sabendo da existência de site meters, desaparece num ápice. Por fim a melhor parte, a da leitura com um grau de afastamento que quando estou envolvido, ou seja, na blogosfera, dificilmente permite. Nesta, a melhor parte, mesmo quando o tempo se encarregou de abrir umas brechas, senti um turpor inesperado, uma inércia no que diz respeito à escrita, mesmo para comentar. Indo mais longe, e sem me preocupar ou me sentir forçado a definir, diria quase desinteresse. Sou um rooky nisto da blogosfera e porventura alguém mais experimentado dir-me-à que é normal. A verdade é que o pouco tempo livre tem sido ocupado com a leitura e com a escrita, sem vontade de qualquer espécie de a publicar. É momento para uma confissão pública. Não senti saudades. E ainda não sinto, apesar de aqui estar a partilhar estas linhas, depois da pausa mais longa a que, voluntariamente, me sujeitei. É certo que tenho trabalhado desalmadamente, mas também é certo que noutros momentos em que isso aconteceu, nunca sentira este desprendimento cibernético. Não sei se consigo explicar mas é como se não sentisse a mesma falta que sentia. Pode ser que seja por causa da proximidade do Natal. É que o meu grau de afinidade com esta época faz-me sentir um homem novo no dia vinte e seis de Dezembro. Mas sei o que digo porque sei o que sinto. Cada dia que vai passando, menos tenho vontade de navegar. Cansaço? Talvez. Cansaço apenas da blogosfera? Talvez, também. Para quem me leu até aqui, deixo uma mensagem que responde a toda e qualquer interrogação. Continuo bem disposto e alegre, muito feliz e a rir-me todos os dias. E sempre que me apetecer, continuarei a fazer visitas e a desconversar com quem sempre bem me recebeu e a quem gosto de ler. Voltar a postar? Talvez, também.
26.11.08
25.11.08
24.11.08
Dar-se à vida e partilhá-la. A aprendizagem e a desaprendizagem.
"Os compromissos que adquires para a vida deverão ser assumidos na íntegra por ti. Todos? Sim, considera-os teus. Os compromissos materiais e os outros? Sim, todos. Não sei se concordo. Repara, e tu sabes do que estou a falar, na vida as coisas repartem-se, os bens materais, as tarefas, as agruras, os filhos, tanta coisa. Dizes bem, sei do que estás a falar. Por isso não te esqueças que os compromissos que assumes só a ti pertencem."
O diálogo não foi exactamente assim, concerteza, mas este breve trecho retrata o conteúdo de uma conversa entre pai e filho. O filho não se deu por convencido na altura, mas hoje sabe que o pai o convencera. E hoje também sabe que foi para o bem e para o mal, como em tudo na vida. O filho, que não é homem de olhar para trás, nos breves instantes em que o faz, chega à conclusão que já há bastante tempo rege a sua vida de acordo com este princípio que, a custo, tem renitência em chamar-lhe ensinamento. Cultivar a auto-suficiência não lhe retirou a capacidade de se dar. Dar-se a causas, às pessoas, aos amigos, a quem ama. E contribuiu para que se sentisse melhor consigo próprio, mais seguro, mais autónomo, diria, sabendo quão falicioso poderá soar, mais livre. A ponto de incluir este princípio na educação da terceira geração. Para o bem fica a não-dependência, o sentimento de que a vida e o que ela lhe traz de bom e de mau, apenas depende dele próprio, que a tem nas suas mãos, não deixando que as rédeas passem para outras. Eu disse que o filho hoje sabe que é para o bem e para o mal, não foi? E para o mal? Para o mal, é facilmente esquecido o verdadeiro significado da palavra partilha. O filho esqueceu-se, e voluntariamente, se não temer ser honesto, do que é partilhar sentimentos, dificuldades, já não se lembra o que é repartir tarefas numa casa, dividir as más horas do dia com alguém. Habituou-se a tomar as grandes e pequenas decisões sozinho, contando para isso apenas com ele próprio. Repararam que quando se fala de partilha, o filho menciona as coisas difíceis e menos boas? Entendo-o. É que quando são boas ele dá-se a elas, mas sendo menos boas, ele continua a dar-se mas esquece-se que existe a partilha. E agora? Princípio ou ensinamento? Para o bem e para o mal, como em tudo na vida, o filho dá-se à vida mas, e fez por isso, desaprendeu a partilhá-la.
O diálogo não foi exactamente assim, concerteza, mas este breve trecho retrata o conteúdo de uma conversa entre pai e filho. O filho não se deu por convencido na altura, mas hoje sabe que o pai o convencera. E hoje também sabe que foi para o bem e para o mal, como em tudo na vida. O filho, que não é homem de olhar para trás, nos breves instantes em que o faz, chega à conclusão que já há bastante tempo rege a sua vida de acordo com este princípio que, a custo, tem renitência em chamar-lhe ensinamento. Cultivar a auto-suficiência não lhe retirou a capacidade de se dar. Dar-se a causas, às pessoas, aos amigos, a quem ama. E contribuiu para que se sentisse melhor consigo próprio, mais seguro, mais autónomo, diria, sabendo quão falicioso poderá soar, mais livre. A ponto de incluir este princípio na educação da terceira geração. Para o bem fica a não-dependência, o sentimento de que a vida e o que ela lhe traz de bom e de mau, apenas depende dele próprio, que a tem nas suas mãos, não deixando que as rédeas passem para outras. Eu disse que o filho hoje sabe que é para o bem e para o mal, não foi? E para o mal? Para o mal, é facilmente esquecido o verdadeiro significado da palavra partilha. O filho esqueceu-se, e voluntariamente, se não temer ser honesto, do que é partilhar sentimentos, dificuldades, já não se lembra o que é repartir tarefas numa casa, dividir as más horas do dia com alguém. Habituou-se a tomar as grandes e pequenas decisões sozinho, contando para isso apenas com ele próprio. Repararam que quando se fala de partilha, o filho menciona as coisas difíceis e menos boas? Entendo-o. É que quando são boas ele dá-se a elas, mas sendo menos boas, ele continua a dar-se mas esquece-se que existe a partilha. E agora? Princípio ou ensinamento? Para o bem e para o mal, como em tudo na vida, o filho dá-se à vida mas, e fez por isso, desaprendeu a partilhá-la.
22.11.08
Post(o) a nu (mas sentado). *
Se bem compreendi, devemos escolher um músico, um compositor ou uma banda. Feita a selecção, e creio também ter compreendido que a escolha admite apenas uma opção, o que, convenhamos, é um bocado redutor, mas regras são regras e entendo que esta não deve ser quebrada, cumpre-nos responder às dez questões. Li as perguntas às quais devem ser dadas respostas e a minha intuição segredou-me que teria que ser uma banda. Porque teriam que ser músicos que me acompanharam desde muito cedo e que atravessaram este quase meio século comigo entre aventuras, venturas e desventuras. Músicos que marcaram várias gerações, que escrevem sobre a vida, subversão, virtude, pecado, transgressão, amor e desamor, paixão, felicidade e infelicidade e, quer se queira quer não, quer se goste ou não, continuam contemporâneos apesar de serem já avôs. Não se gosta de muito do que escrevem ou musicam. É natural, escreveram muito e musicaram muito também. Mas isto não é suposto ser um post sobre os Rolling Stones, pois não? Agora sim, concisamente, como diz a Luísa que, achando os meus gostos musicais mais ou menos enigmáticos, me passou a responsabilidade da escolha.
* Título roubado ao Paulo e ao seu Duro das Lamentações
* Título roubado ao Paulo e ao seu Duro das Lamentações
1. És homem ou mulher?
Travelinn’ Man
2. Descreve-te.
Still a Fool
3. O que as pessoas acham de ti?
Cool, Calmed and Collected
4. Como descreves o teu último relacionamento?
It’s All Over Now.
5. Descreve o estado actual da tua relação.
I Wanna Be Your Man.
6. Onde querias estar agora?
Nearness of You
7. O que pensas a respeito do amor?
Everybody Needs Someone to Love
8. Como é a tua vida?
God Gave Me Everything
9. O que pedirias se pudesses ter só um desejo?
Wake Up in the Morning
10. Escreve uma frase sábia.
Don’t look back
2. Descreve-te.
Still a Fool
3. O que as pessoas acham de ti?
Cool, Calmed and Collected
4. Como descreves o teu último relacionamento?
It’s All Over Now.
5. Descreve o estado actual da tua relação.
I Wanna Be Your Man.
6. Onde querias estar agora?
Nearness of You
7. O que pensas a respeito do amor?
Everybody Needs Someone to Love
8. Como é a tua vida?
God Gave Me Everything
9. O que pedirias se pudesses ter só um desejo?
Wake Up in the Morning
10. Escreve uma frase sábia.
Don’t look back
19.11.08
E o saloio a pensar o que fazer.
Comunicar e o antes de comunicar.
Num dia em que estava do contra, questionando tudo, mesmo o que aparentemente se afigurava inquestionável (não sei bem porquê mas sinto-me bem nesses dias), e ao ler um texto que me agradou e que nos dava a conhecer um conhecido conto árabe em que a importância da arte de comunicar era, afinal de contas, a moral da história, manifestei a minha discordância justificando o meu comentário com o facto de haver um passo que antecede um dos grandes desafios da Humanidade, que é a arte de comunicar. Importante mesmo é ter sempre em mente que o que fará diferença é a maneira de dizer as coisas. É verdade, é importante e faz realmente a diferença até porque a maior parte das vezes tom é conteúdo, quer se queira, quer não. Mas há um passo que considero fundamental e já agora, porque não, constitui a meu ver outro grande desafio para a Humanidade. Um passo que antecede um acto que requer arte como é o de comunicar. Essa etapa anterior tem a ver com o conhecimento. Sem ele e por mais que haja mestria e arte ao comunicar, a mensagem corre sérios riscos de se perder, deturpar, ser mal interpretada ou quedar-se ineficaz. Comunicar pressupõe a existência de um receptor da mensagem. Conhecer a quem nos dirigimos é a pedra basilar que contribui para que a comunicação seja eficaz. Nesse conto que li, ainda mais importante que a arte de comunicar, é o facto do segundo adivinho conhecer o sultão melhor que o primeiro. Saber o que ele gostaria de ouvir. Tal como em Roma acontecia com os senadores e conselheiros que diziam, com mais ou menos arte, o que César queria ouvir. Porque mesmo com toda a arte, se o que fosse dito não agradasse a César, o mestre da comunicação tinha um triste fim. Poderão contrapor que a arte de comunicar, mais do que feita de palavras, é também a arte de conhecer. Aceito. Mas convém não misturar as coisas e assim evitar que os passos não sejam dados de forma cirúrgica.
16.11.08
A reconquista de territórios nunca foi tarefa fácil e tem sempre consequências.
Um homem divorcia-se e, apesar de viver com os filhos, uma das perspectivas que volta a colocar a si próprio é a da reconquista de territórios outrora perdidos ou cedidos. Leiam-se territórios, espaços vitais que estão ali a nossos pés, rogando que os aproveitemos ilimitadamente. Pura ilusão. Há casos em que um homem divorcia-se mais continua a viver com mulheres, mesmo no exagero de considerar mulher uma delas, com dez anos. Às minhas filhas não lhes basta o quarto que nem é partilhado, tendo cada uma o seu. À mais nova, a de dez anos, bastou ouvir que se estava a ponderar a remodelação do quarto dela para, sem hesitar, reclamar uma cadeira para além da que está na escrivaninha. Uma bola de cristal é absolutamente dispensável para se adivinhar o uso que será (ou seria?) dado à cadeira. Elas parecem polvos de enormes tentáculos, ou medusas gigantes, ocupando um espaço e marcando um território como foras-de-lei no Oeste americano. Não o marcam a tiros, mas fazem-no com uma mestria, rapidez e talento de que só as mulheres parecem ser possuidoras. Quando as escrivaninhas delas estão incapazes de ser utilizadas, a mais nova ocupa a minha mesa de trabalho e a mais velha a da sala de jantar. Quando a minha mesa passa a estar imprópria e na mesa da sala de jantar já não cabe nem uma maçã, uma delas estende mais um tentáculo e ocupa a mesa de centro da sala de estar e os sofás. A outra, parecendo disputar um território que acredita pertencer-lhe, acerca-se do irmão mais velho e, claro, convence-o a ceder-lhe parte do quarto, empurrando-o, enquanto o Diabo esfrega um olho, de lá para fora. Os homens da casa desesperam diante da inevitabilidade de lhes sobrar o chão e parte da bancada da cozinha. Quando se aprestam a entregar-se ao que parece ser mais uma derrota, prontos para assumirem que o território foi definitivamente conquistado pelas madames, eis que a salvação chega pelas mãos do mais novo que tem quatro anos. Pai, precisamos de espaço para brincarmos às construções com o Lego. Caramba, nesses momentos, o verbo utilizado na primeira pessoa do plural soa-nos como trombetas que nos devolvem a coragem e também a crença de que algo poderá mudar e que, afinal, o território, o tal espaço vital não está ainda perdido. O prazer começa quando miramos o olhar aterrorizado das mulheres da casa. Sim, madames, preparem-se para o pior. Recolham o que puderem que a Cavalaria está a chegar. O mais novo, esse aprendiz de pirata, delicia-se, e um sorriso de predador surge no seu rosto. O mais velho grita we came in peace, you go in pieces e eu, com um sorriso cândido, mas sentindo que o poder está nas minhas mãos, apenas murmuro um hasta la vista babies. Nem questionamos o trabalho de arrumar as centenas de peças de Lego que são despejadas nas mesas e no chão das salas. O ruído é aterrorizador, mais parecendo o ribombar de canhões apontados a territórios outrora livres e agora ocupados pelas madamoiselles. Gritos, o pânico vive-se nas salas e elas tentando recolher o pouco que sobra dos seus exércitos, recuam em debandada para o escritório. Tarde de mais. O mais novo corta-lhes a retirada e o caos instala-se. Um dos baldes de Lego houvera devolvido o território que as invasoras acreditaram ter sido conquistado para sempre. Elas sentem-se perdidas, adivinham a derrota e recolhem aos respectivos quartos. O mais velho regressa ao dele e, num tom de voz que faz prever o pior, avisa que irá ler as mensagens do telemóvel que encontrou no seu território. Alvoroçadas e em pânico, saem ambas dos quartos, chocam uma com a outra, parecendo duas personagens de um filme de bonecos animados. Barro-lhes o caminho. Onde pensam que vão meninas? Mas pai... tarde de mais, não há lugar a mas. O mais novo excita-se, leva a batalha a sério e atira com uma peça de Lego à mais nova, que se enfurece. O mais velho diz que já leu cinco mensagens e ri-se. A casa está o caos, mas as cancelas da fronteira só são erguidas quando se comprometem a levarem o que lhes pertence para os seus quartos. Despojos de guerra, como lhes chamo. A dona do telemóvel implora. Levanto o braço e deixo-a passar. A que não é a dona suspira de alívio. O cão do vizinho de cima ladra empolgado com a disputa residencial que se assemelha a uma batalha campal. Despojos de guerra esperam tombados e inertes, aguardando a recolha. Dizia eu que um homem divorcia-se e pensa que a reconquista de alguns territórios é um dado adquirido. Mas não, a ocupação de territórios nunca foi, nem será, tarefa fácil ou sem consequências. Uma delas é ter que arrumar o Lego.
14.11.08
13.11.08
Como olhamos o futuro e a reforma? De maneira diferente dos holandeses.
Momento de pausa no trabalho e descontracção ao almoço, numa Amsterdão onde os raios de sol foram tomando conta do céu, afastando civilizadamente, ou não estivéssemos na Holanda, as nuvens escuras que borrifaram as ruas com uma chuva tímida nos últimos dias. Um dos temas, o último, foi o futuro associado à reforma, essa coisa distante mas tão próxima nos tempos que correm, que não impede os holandeses de continuarem a sorrir. Nem a mim, mas por razões diferentes, umas piores, outras melhores. Vamos às piores primeiro e deixemos as melhores para o futuro. As piores prendem-se com o facto de, há muito, ter baixado a fasquia das expectativas. Espero e sei que terei, uma reforma má, não me atrevo a dizer miserável que sei olhar para o lado, uma reforma que será, em tudo, desajustada ao que trabalhei. Bater-me-ão nas costas em sinal de agradecimento e serei chutado para canto quando a energia me faltar, e um jovem ocupar o meu lugar. As virtudes escrevem-se na água e os defeitos gravam-se na pedra. A vida é assim mesmo, a reforma é que não devia ser. Como disse, nada como baixar a fasquia das expectativas e ser realista. Mas não deixa de ser uma má razão. Vamos às boas que é de futuro que se trata e, quer se queira, quer não, estão ligadas às más. Habituei-me, também há muito tempo, a olhar para o futuro a cada dia que passa, tentando viver bem e com alegria o presente. Projectos? Vi os meus pais perderem tudo, começarem a vida do zero depois dela passar meio século por eles, eu próprio tive que recomeçar tudo de novo e praticamente do zero por duas vezes. Não sou proprietário de casa nenhuma, não tenho terras e não invejo quem tem. Prefiro assim. Aos meus filhos deixo o que os meus pais me deixaram a mim. Uma enxada, educação e valores e princípios que, gosto de acreditar, lhes servirão para encarar o futuro com optimismo mesmo quando a vida não lhes sorrir. Já não é mau. Só peço saúde. Claro que exagero, mas nem tanto, quando digo que os meus projectos tem uma validade de vinte e quatro horas, exactamente as mesmas em que vivo o futuro no presente. É quase certo que não passarei os meus últimos dias, ou seja, a minha reforma, em Portugal. Os meus filhos também estão avisados, não vá o meu futuro pregar-lhes uma partida. Recusar-me-ei sobreviver num qualquer jardim mal cuidado, entre partidas de dominó, contando histórias de um passado que não interessará a ninguém e tendo como ouvintes jovens misericordiosos que se têm como educados, sentindo a dádiva como uma esmola emocional que, no meu caso, cairia em bolso roto. Farei como fazem os holandeses, que procuram outras paragens onde os euros da reformam valham mais e contribuam para que a velhice seja mais aprazível. Eles vão para o Algarve, eu irei para um país africano perto do mar. Eles compram boas casas, eu alugarei uma humilde mas confortável. Eles jogarão golfe, eu irei à pesca num pequeno barco usado e movido por um motor cansado e com poucos cavalos. Eles terão governantas, eu arranjarei alguém que me faça o comer. Eles vestirão roupa de marca e eu viverei de calções e calçarei umas sandálias de vez em quando. Eles verão televisão e eu darei aulas a miúdos sem cobrar um tostão. E apanharei ondas com a minha velha prancha até que as forças me abandonem. E a minha alma alimentar-se-à todos os dias do pôr do sol e o corpo sentir-se-à revigorado quando quando ele nascer. E os teus netos? perguntam-me os portugueses. Os meus netos? Desejarei saber que são felizes e que essa felicidade também passa por saberem o avô feliz, apesar da distância que nos separará. Esforçar-me-ei para que prevaleça o legado dos meus pais, que sempre me disseram que a nossa família passa a ser aquela que constituímos. Porventura estaremos mais próximos que muitos outros avós e netos. Cuidarei que nenhum Banco português, ou mesmo o Estado, use os euros da minha reforma. Como vêem, tenho boas razões, se a saúde não me abandonar, para sorrir quando penso no futuro e na reforma. São diferentes das dos holandeses, mas não deixam de ser boas. Por falar nisto, tenho que me ir deitar, que no futuro, ou seja, amanhã, espera-me mais um dia de trabalho.
12.11.08
Em Amsterdão não há frangos como os nossos.
As lides profissionais levaram-me a Amsterdão, esperando-me batalhas que por sabê-las leais, a elas me entrego com uma convicção inabalável. Amsterdão é uma cidade que gosto de rever. Pacata, ordeira e ordenada, onde tudo parece funcionar e bem. Se dependesse apenas de mim não sairia daqui. Quero ficar, não quero voltar. Encontrei-a sombria, sem surpresa. E revejo um povo jovem, bonito, sorridente, culto e de bem com a vida, mesmo debaixo da chuva miudinha, e pedalando as suas bicicletas apesar do frio que já se faz sentir nas margens do rio Amstel. Esquecera o que mais me tinha agradado quando, há uns anos atrás, visitara a capital dos Países-Baixos. O silêncio. A cidade é silenciosa, muito contribuindo para isso, para além do civismo, o meio locomotor que os que lá habitam utilizam. Apetece-me dar-lhes os parabéns. Exceptuando o clima, não encontro defeitos. Encontrei um, para meu gáudio. Ainda não vi frangos assados como os nossos, como os da Valenciana. E fiquei a pensar, com os botões do meu sobretudo, se a oportunidade não me está a bater à porta em cada rosto sorridente de muitas das esbeltas e belas mulheres com quem me cruzo. Virar frangos pode muito bem ser a minha sina, porquê contrariá-la? E Amsterdão tem, aparentemente, tudo para que o virar dos frangos se adivinhe um bem sucedido empreedimento. Consigo sonhar com o letreiro luminoso à porta do estabelecimento, Mike’s Kippen. E imaginar os holandeses a salivar com o cheirinho gostoso dos frangos a assar. Para já viverei esta magnífica cidade, depois logo se vê. Há que viver o dia de hoje. Amanhã é outro dia.
10.11.08
7.11.08
Quem a meu filho tira espinhas da garganta, minha boca adoça.
Quantos de nós não tiveram já uma espinha atravessada na garganta? E há umas que precisam que o tempo dê tempo ao tempo para que deixemos de as sentir. Mas não são dessas que vos vou falar, e sim das outras, daquelas dos peixes. S. Brás não era homem de deixar que as espinhas ficassem atravessadas em gargantas alheias. Que o diga a criancinha que, já roxa e agonizante, com a pobre mãe a desesperar, foi salva pelas mãos milagrosas do santo. A Ciência teima em afirmar que não foram as mãos de S. Brás as salvadoras, mas uma espátula a desalojar a maldita espinha da garganta da pobre criança. Consta que o santo não se importou com a teimosia da Ciência, sendo que o que era realmente importante era salvar uma vida. A primeira vida que uma espinha ia ceifar, fora salva por uma gancha. Até agora tudo faz sentido, mesmo o facto dos pitos estarem associados a santas e as ganchas a santos. Há que prosseguir antes que perca o fio à meada e o post se estrague. E também faz todo o sentido as ganchas serem doces, aceitando-se sem esforço, de que assim teriam que ser para “adoçar o bico” às crianças, e facilitar o trabalho a quem tinha a paciente tarefa de remover espinhas. A seguir fica a lenda e desconfio que começa por ter origem nos célebres dizeres populares de cariz maternal, que dizem “quem a meu filho tira uma espinha da garganta, minha boca adoça”. Quem franziu o sobrolho ao ler o título e teve a paciência para ler este breve texto até aqui, deve estar a pensar que os dizeres não são assim. Pois desenganem-se, ou como justificar que as quadras populares que associam S. Brás às ganchas sejam do teor que podem ler a seguir?
Eu vou ao S. Brás
De cu p’ra trás
Comprar uma gancha
Pr’ó meu rapaz.
Eu vou ao S. Brás
De cu p’ró lado
Comprar uma gancha
Pr’ó meu namorado.
Post dedicado à Júlia que, por causa de travesseiros e travessuras, resolveu envolver-me em pitos e ganchas.
Eu vou ao S. Brás
De cu p’ra trás
Comprar uma gancha
Pr’ó meu rapaz.
Eu vou ao S. Brás
De cu p’ró lado
Comprar uma gancha
Pr’ó meu namorado.
Post dedicado à Júlia que, por causa de travesseiros e travessuras, resolveu envolver-me em pitos e ganchas.
Rir antes de adormecer.
Eu gosto. Gosto de me rir antes de apagar a luz do candeeiro da mesa de cabeceira e ter aquela agradável sensação de adormecer rindo. Por isso tenho um livro do Calvin & Hobbes sempre por perto. Ao Calvin juntei o volume 16 de Baby Blues dos autores Rick Kirkman e Jerry Scott. Chama-se 100% Papá, mas creio que fosse mais apropriado dar-lhe o título de 100% Mamã. Recomendo. Para quem gosta de se rir. Independentemente de ser papá, mamã, ou nem uma coisa nem outra.
6.11.08
Yes they could.
Acordei e a minha rotina matinal desenrolou-se como se um dia normal se tratasse. Os compromissos familiares, o cumprimentos de horários, o pequeno almoço, o início de mais um dia de trabalho. Barack Obama, soube-o logo de manhã, é o novo presidente da nação mais poderosa do mundo. Achei que não viveria o tempo suficiente para ver um presidente preto ou uma mulher a ocupar a Casa Branca. Mas também pensara que rumaria à eternidade sem ver o Muro de Berlim cair. Não vibrei com as eleições dos EUA. Fui-me mantendo informado mas nem a recta final, com as previsões a anunciarem o que achava que nunca veria, espicaçaram o meu interesse. E mantive-me céptico até meio do dia, sabendo que o marketing é tudo mas nem tudo é marketing. Obama é um execelente marketeer e isso causou-me sempre um desconforto porque, digam o que disserem os especialistas na matéria, as pessoas só são marcas ou produtos no papel, nos estudos, em salas de reuniões e enquanto justificação de campanhas publicitárias. Já li muito sobre a vitória de Barack Obama, candidato em quem votaria, se votasse na Terra do Tio Sam, e os efeitos do marketing e da construção de uma imagem são patentes e incontornáveis. O primeiro preto presidente dos Eua, o discurso, a campanha publicitária, a personalidade e o facto de até ser bonito. Todos os ingredientes, e eu conheço-os bem, para se tornar numa marca bem sucedida. Reconheço à légua os perigos quando se tratam de líderes de países poderosos e não de marcas ou produtos. Li os apoiantes, os que vibraram com a vitória de Obama, os detractores e os cépticos que, indisfarçadamente, esperam o insucesso do novo presidente. Mas o meu cepticismo durou até à hora de almoço. Há momentos na vida em que as pessoas não precisam de um Deus e sim de fé. Barack Obama não é um Deus, e quem o quer transformar em tal, ou o faz de má fé, ou é ingénuo. É um homem, um mortal. Mas ousou questionar. Ousou desafiar. Ousou. Mostrou ser um homem com ideias e, acima de tudo, com ideais. Apresentou-se como uma pessoa de fé, de crença, de mudança. Um homem adepto de rupturas. Insurgiu-se e combateu preconceitos, tradições, comportamentos e ideias antiquadas. Libertou-se de grilhetas, dessas amarras que não nos fazem progredir, que nos mantêm no mesmo sítio, que nos empurram a passo lento pelos mesmos trilhos do passado. Isso não é progredir. Lembrei-me do meu pai e do que ele sempre me disse: não podes esperar a mudança se fizeres as coisas como sempre fizeste. Obama errará. É leviano pensar-se que isso não acontecerá. Ele não é um Deus, é um homem. Mas é um homem que devolveu a fé e a crença a um povo, fazendo-o acreditar que podiam. Que podiam tomar um rumo diferente. Que podiam romper com amarras que o prendiam ao passado. E há momentos na vida, e a História está recheada deles, que ter fé é mais importante que acreditar num Deus. Hoje não é um dia normal, como tantos outros. Hoje, principalmente para os americanos, é um dia diferente, um dia em que a crença os faz acreditar que a mudança é possível, que o futuro pode ser melhor. Eles acreditaram, eles ousaram, eles puderam. Ao contrário de nós, hoje eles sorriem, têm mais vontade, acreditam em algo. Nós continuamos cabisbaixos, soturnos, tristonhos, amarrados ao passado, venerando um fado e entregando-nos a um destino, acreditando num D. Sebastião que nunca chegou nem chegará. Porque não ousamos. Nunca ousamos. Preferimos esperar pelo insucesso dos que ousam, dos que se entregam a ideais, cultivando uma segurança que mais não é que medo. Hoje, para mim, também é um dia diferente, por ter sido surpreendido pelo povo americano. Um povo que acreditou que o futuro não pertence a mais ninguém, senão a ele.
5.11.08
À espera que alguém me diga como se chamam os doces conventuais do Marão.
E à espera que o façam sem o uso de palavras inapropriadas ou que possam ferir, legitimamente, susceptibilidades de quem as possa ou as venha a ler.
4.11.08
Esses doces chamados travesseiros.
Há uns doces que se chamam travesseiros, certo? Começo assim para que ninguém pense que estou a ficar senil, mas apenas me sinto ultrapassado por algumas coisas que, ironia das ironias, nunca chegaram a andar à minha frente. Há dias o som de mensagem recebida no telemóvel deu sinal de si e constatei que a minha mais nova me enviara uma mensagem. E li, estranhando, que ia com umas colegas fazer uns doces, mais concretamente travesseiros. Estranhei e com toda a legitimidade, já que sendo um pai presente, me teriam passado ao lado dotes culinários que não adivinhava na mocinha de dez anos. Mas não devia estar nas aulas? Que raio! Havia que reler a mensagem já que a sensação de estranheza e incredulidade se tinham, definitivamente, apoderado de mim. Reli mais duas ou três vezes. “Pai vou com Júlia, a Ana, a Luísa e a Leonor fazer doce ou travessura a casa de uma amiga delas”. Riam-se, riam-se de um pobre pai atarantado que só ao fim de largos minutos concluiu que era Dia das Bruxas e a mais nova e as amigas não iam, afinal, fazer nenhuns daqueles doces que dão pelo nome de travesseiros. Não! Não estou a ficar senil, apenas, como disse, me sinto ultrapassado por algumas coisas que nunca chegaram a andar à minha frente. E por coisas destas não me importo de me sentir ultrapassado. Até nem gosto de travesseiros, ora.
3.11.08
2.11.08
Antes tarde que nunca.
Antes tarde que nunca é uma das frases de que gosto. Não por ser apologista de adiamentos ou por relativizar prioridades, que na vida convém estabelecê-las e, acima de tudo procurar cumpri-las. Gosto desta frase e, mais do que a frase, do que ela encerra no que diz respeito ao ensinamento de que as coisas importantes devem acontecer ou ser feitas, mesmo que o momento não seja o adequado ou o expectável. Lembrei-me desta frase sem que nada o fizesse prever, já que a origem deste texto nasceu de uma conversa sobre cinema e não se tratava de algum filme em particular que tivesse ficado por ver. A conversa não era de todo séria. Várias pessoas, em final de um almoço, discutiam e manifestavam diferentes opiniões sobre o cinema europeu e americano. E generalizava-se o tema, coisa que é, manifestamente, desaconselhável. Vamos mantermo-nos assim, generalizando, até porque, quer se queira, quer não, há padrões que definem essas duas e tão distintas indústrias cinematográficas. Eu sou adepto do cinema americano. Radicalizando mais a questão, direi que não sou simpatizante do cinema europeu. Assente num preconceito assumido, direi que um filme europeu com uma boa crítica, são os condimentos essenciais para não o ver. Resumindo, acho que o cinema europeu privilegia a ideia, a concepção, o rigor da narrativa e a riqueza do diálogo, sendo, invariavelmente, intelectual e chato. O cinema americano assenta numa indústria bem oleada, experiente, com grandes actores e realizadores, privilegiando o detalhe de produção e o ritmo da história, tornando-a descontraída e agradável como deve ser o lazer. A conversa continuou e rapidamente o teatro veio à baila. Assumi, e assumo, que gosto muito mais de cinema que de teatro. E concluí, logo ali, entre a amigos, que isso ajudava a explicar, de certa forma, a minha relutância em relação ao cinema europeu. As semelhanças deste com o teatro são muitas. Mas a culpa desta minha pequena aversão ao teatro deve-se, e não vou ser meigo nem imparcial ou justo, ao PREC. Em 1975, quando cheguei de Angola, os "donos da cultura” em Portugal tiveram a peregrina ideia de promover o teatro na televisão. Muitos não se lembrarão, mas poderão imaginar o que era, para um jovem de 15 anos, ver a Eunice Muñoz practicamente a declamar na televisão, em cima de um palco e filmada por uma câmara estática. A minha curiosidade foi esmagada pela monotonia daquelas imagens, que passei a associar ao teatro em Portugal. Por vezes via teatro inglês adaptado para televisão e achava-o infinitamente melhor em tudo. Pudera, eles sabiam a importância de promover o teatro noutros meios mas conheciam as diferenças entre ele e o cinema ou a televisão. Assim, e chegou o momento da confissão, a primeira peça de teatro vi-a aos 41 anos, em São Paulo. E puff!, em bom momento, já que gostei. Caso para dizer, antes tarde que nunca.
31.10.08
30.10.08
Amigo
Mal nos conhecemos
Inaugurámos a palavra “amigo”.
“Amigo” é um sorriso
De boca em boca,
Um olhar bem limpo,
Uma casa, mesmo modesta, que se oferece,
Um coração pronto a pulsar
Na nossa mão!
“Amigo” (recordam-se, vocês aí,
Escrupulosos detritos?)
“Amigo” é o contrário de inimigo!
“Amigo” é o erro corrigido,
Não o erro perseguido, explorado,
É a verdade partilhada, praticada.
“Amigo” é a solidão derrotada!
“Amigo” é uma grande tarefa,
Um trabalho sem fim,
Um espaço útil, um tempo fértil,
“Amigo” vai ser, é já uma grande festa!
Alexandre O’Neill, in No Reino da Dinamarca
Deu-me uma vontade de voltar ao grande O’Neill, que estou a reler. Às vezes dá-me para isto, o que é que querem que vos diga? Mas não dispenso o Calvin e o seu amigo Hobbes na mesa de cabeceira.
29.10.08
O segredo de Domingo.
“O Domingo é, para quase todos nós, mais do que um dia de semana, um estado de espírito; e um estado que é de espera e triste resignação, que se vai carregando à medida que as horas passam, a luz quebra e o tempo livre cede lugar ao tempo marcado, contado, destinado a perder-se, sem memória, no fluir da vida”. Ao manifestar o meu défice de afinidade em relação a este parágrafo que dá início a um belíssimo texto, fui questionado sobre qual seria o meu segredo para que os meus domingos fossem quase sempre uma animação e convidado a partilhá-lo. O segredos não se contam a ninguém, bem sei, mas este é um caso para se abrir uma excepção. É simples, muito simples! Tão simples como roubar um chupa-chupa a uma criança, desde que não seja o meu mais novo, claro. E aqui está a primeira parte do segredo. Ser pai tardio, daqueles que, aos quase 50 anos, ainda têm que ensinar os filhos a andar de bicicleta, ou mudar os lençóis a meio da noite porque o rapazito largou as fraldas nocturnas, mas ainda há noites em que se “distrai”. Ou brincar ao Lego às seis da tarde, ou muitas outras coisas mais. Adiante. Ser pai tardio e divorciado, o que faz com que as tarefas não conheçam as contas de dividir e subtrair, apenas as de multiplicar e somar. Mas sendo pai divorciado, há fins-de-semana em que as contas são outras. Pois há. Mas são as contas que ajustamos com as ondas do mar. Sejam quais forem os Domingos, eles são uma canseira que, ao fim ao cabo, se torna numa animação. Num estado de espírito oposto ao estado de espera e triste resignação, nunca se carregando à medida que as horas passam. É este o segredo. Em resumo: basta ser-se pai fora de tempo e divorciado, e gostar-se de mar e de bodyboard. Bem, não ser rico também ajuda.
28.10.08
Um post de m...
Não há Acordo que resista ou se imponha.
A Língua Portuguesa tem destas coisas e há palavras cuja versatilidade é practicamente imbatível.
A palavra merda é um bom exemplo. É inegável que a utilizamos em variadíssimas circunstâncias, mesmo que em silêncio, e em relação a muitas e variadas coisas. Senão vejamos.
Orientação geográfica:
Vai à m...!
Adjectivo qualificativo:
Tu és uma m...!
Momento de cepticismo:
Não acredito nesta m...!
Desejo de vingança:
Vou fazê-lo em m...!
Trapalhada:
Já fizeste m...!
Efeito visual:
Não se vê m... nenhuma!
Sensação olfactiva:
Cheira a m...!
Dúvida na despedida:
Por que é que não vais à m...?
Especulação de conhecimento:
Que m... será esta?
Momento de surpresa:
Merda!
Sensação gustativa:
Isto sabe a m...!
Desejo de ânimo:
Anda-me rápido com essa m...!
Situação de desordem:
Isto está uma m...!
Rejeição, despeito:
O que é que esse m... pensa?
Para descobrir o paradeiro de qualquer coisa:
Não sei onde foi parar aquela m...
Interjeição comum:
Mas que m...!
A crise das 17:30h:
Vou-me embora desta m...!
Futebol:
Esta m... parece o BENFICA!
Orientação geográfica:
Vai à m...!
Adjectivo qualificativo:
Tu és uma m...!
Momento de cepticismo:
Não acredito nesta m...!
Desejo de vingança:
Vou fazê-lo em m...!
Trapalhada:
Já fizeste m...!
Efeito visual:
Não se vê m... nenhuma!
Sensação olfactiva:
Cheira a m...!
Dúvida na despedida:
Por que é que não vais à m...?
Especulação de conhecimento:
Que m... será esta?
Momento de surpresa:
Merda!
Sensação gustativa:
Isto sabe a m...!
Desejo de ânimo:
Anda-me rápido com essa m...!
Situação de desordem:
Isto está uma m...!
Rejeição, despeito:
O que é que esse m... pensa?
Para descobrir o paradeiro de qualquer coisa:
Não sei onde foi parar aquela m...
Interjeição comum:
Mas que m...!
A crise das 17:30h:
Vou-me embora desta m...!
Futebol:
Esta m... parece o BENFICA!
27.10.08
25.10.08
À minha reine de Saba. Em Barcelona.
Aicha, pelo nosso Cheb Khaled, rei da Rai, música magrebina, muito bem acompanhado por Faudel e Rashid Taha, ao vivo. Só para quem gosta, mesmo. Como tu e eu. E encontrei esta versão de Didi. Para ti. Põe a música alto aí em casa e dança, dança, dança. Je t’embrasse, ma reine de Saba.
Comme si je n'existais pas,
Comme si je n'existais pas,
elle est passée à côté de moi
Sans un regard, reine de Saba,
j'ai dit Aïcha prends tout est pour toi
Voici les perles les bijoux,
aussi l'or autour de ton cou
Les fruits, biens mûrs au goût de miel, ma vie,
Aïcha si tu m'aimes
J'irai où ton souffle nous mène,
dans les pays d'ivoire et des baignes
J'effacerai tes larmes ou tes peines,
rien n'est trop beau pour une si belle
Aïcha, Aïcha écoute moi,
Aïcha, Aïcha t'en vas pas
Aïcha, Aïcha regarde moi,
Aïcha, Aïcha réponds-moi
Je dirai les mots les poèmes,
je jouerai les musiques du ciel
Je prendrai les rayons du soleil,
pour éclairer tes yeux de reine
Aïcha, Aïcha écoute moi,
Aïcha, Aïcha t'en vas pas
Aïcha, Aïcha regarde moi,
Aïcha, Aïcha réponds-moi
Elle m'a dit: Garde tes tresors,
moi je vaux mieux que tout ça
Des barreaux sont des barreaux, même en or
Je veux les mêmes droits que toi
Du respect pour chaque jour,
moi je ne veux que de l'amour
...
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