13.11.08

Como olhamos o futuro e a reforma? De maneira diferente dos holandeses.

Momento de pausa no trabalho e descontracção ao almoço, numa Amsterdão onde os raios de sol foram tomando conta do céu, afastando civilizadamente, ou não estivéssemos na Holanda, as nuvens escuras que borrifaram as ruas com uma chuva tímida nos últimos dias. Um dos temas, o último, foi o futuro associado à reforma, essa coisa distante mas tão próxima nos tempos que correm, que não impede os holandeses de continuarem a sorrir. Nem a mim, mas por razões diferentes, umas piores, outras melhores. Vamos às piores primeiro e deixemos as melhores para o futuro. As piores prendem-se com o facto de, há muito, ter baixado a fasquia das expectativas. Espero e sei que terei, uma reforma má, não me atrevo a dizer miserável que sei olhar para o lado, uma reforma que será, em tudo, desajustada ao que trabalhei. Bater-me-ão nas costas em sinal de agradecimento e serei chutado para canto quando a energia me faltar, e um jovem ocupar o meu lugar. As virtudes escrevem-se na água e os defeitos gravam-se na pedra. A vida é assim mesmo, a reforma é que não devia ser. Como disse, nada como baixar a fasquia das expectativas e ser realista. Mas não deixa de ser uma má razão. Vamos às boas que é de futuro que se trata e, quer se queira, quer não, estão ligadas às más. Habituei-me, também há muito tempo, a olhar para o futuro a cada dia que passa, tentando viver bem e com alegria o presente. Projectos? Vi os meus pais perderem tudo, começarem a vida do zero depois dela passar meio século por eles, eu próprio tive que recomeçar tudo de novo e praticamente do zero por duas vezes. Não sou proprietário de casa nenhuma, não tenho terras e não invejo quem tem. Prefiro assim. Aos meus filhos deixo o que os meus pais me deixaram a mim. Uma enxada, educação e valores e princípios que, gosto de acreditar, lhes servirão para encarar o futuro com optimismo mesmo quando a vida não lhes sorrir. Já não é mau. Só peço saúde. Claro que exagero, mas nem tanto, quando digo que os meus projectos tem uma validade de vinte e quatro horas, exactamente as mesmas em que vivo o futuro no presente. É quase certo que não passarei os meus últimos dias, ou seja, a minha reforma, em Portugal. Os meus filhos também estão avisados, não vá o meu futuro pregar-lhes uma partida. Recusar-me-ei sobreviver num qualquer jardim mal cuidado, entre partidas de dominó, contando histórias de um passado que não interessará a ninguém e tendo como ouvintes jovens misericordiosos que se têm como educados, sentindo a dádiva como uma esmola emocional que, no meu caso, cairia em bolso roto. Farei como fazem os holandeses, que procuram outras paragens onde os euros da reformam valham mais e contribuam para que a velhice seja mais aprazível. Eles vão para o Algarve, eu irei para um país africano perto do mar. Eles compram boas casas, eu alugarei uma humilde mas confortável. Eles jogarão golfe, eu irei à pesca num pequeno barco usado e movido por um motor cansado e com poucos cavalos. Eles terão governantas, eu arranjarei alguém que me faça o comer. Eles vestirão roupa de marca e eu viverei de calções e calçarei umas sandálias de vez em quando. Eles verão televisão e eu darei aulas a miúdos sem cobrar um tostão. E apanharei ondas com a minha velha prancha até que as forças me abandonem. E a minha alma alimentar-se-à todos os dias do pôr do sol e o corpo sentir-se-à revigorado quando quando ele nascer. E os teus netos? perguntam-me os portugueses. Os meus netos? Desejarei saber que são felizes e que essa felicidade também passa por saberem o avô feliz, apesar da distância que nos separará. Esforçar-me-ei para que prevaleça o legado dos meus pais, que sempre me disseram que a nossa família passa a ser aquela que constituímos. Porventura estaremos mais próximos que muitos outros avós e netos. Cuidarei que nenhum Banco português, ou mesmo o Estado, use os euros da minha reforma. Como vêem, tenho boas razões, se a saúde não me abandonar, para sorrir quando penso no futuro e na reforma. São diferentes das dos holandeses, mas não deixam de ser boas. Por falar nisto, tenho que me ir deitar, que no futuro, ou seja, amanhã, espera-me mais um dia de trabalho.

15 comentários:

Luísa A. disse...

Por momentos, Mike, depois de ler o seu «post» anterior, supus que ambicionaria retirar-se para a Holanda com o tal negócio dos frangos. E, do cenário cinzento e enfumarado que logo imaginei, consegui aproveitar as duas ou três empregaditas holandesas - convenientemente encorpadas, que as(os) holandesas(es) são criaturas de muito corpo - e pouco mais. Mas, afinal, o cenário é outro. Não sei se tenciona reformar-se sozinho... ou se não preferiria levar consigo o resto desta blogosfera solidária – também ela com planos pouco «soalheiros» acerca de reformas. :-)

ana v. disse...

Percebo-o muito bem, Mike. Também não me importaria nada de passar a minha reforma num país bonito com mar, onde não haja grande stress nem apelos a um consumismo inútil. Só natureza, paz e tempo (o que me restasse, mas ampliado ao máximo porque o faria render). Escrever, ler, ouvir música, pensar, comer e dormir. Não imagino melhor paraíso... :-)

fugidia disse...

Ora, Ana, então esse país é Portugal :-)

Mister, mas tudo o que quer pode fazer aqui e ir, de quando em quando, passear até África!
(p. s. espero que a "pancha" seja rica... assim já não tem os problemas dos eurinhos...)
:-)

Mike disse...

Seria com muito prazer e tornaria o cenário ainda melhor, se a blogosfera solidária fosse comigo, Luísa. Depende do que essa blogosfera quiser quando chegar a reforma. :-)

Mas a ideia é essa, Ana. Gastar o mínimo dinheiro possível, vive despojado e aproveitar ao máximo a vida, com coisas simples, aproveitando os poucos euros que a reforma nos trará. Parece-me menos complicado que ficar aqui e ser tratado como um fardo. :-)

Fugidia, paraíso é a última coisa que Portugal é. E a pancha não precisa ser uma pancha rica e antes uma rica pancha. Não cultivo a solidão. Assim ela queira vir comigo quando me reformar e a minha reforma será ainda mais radiosa e feliz. :D

fugidia disse...

Ai Mister, conhece pouco ou mal este país. Também nasci em África mas tenho Portugal como o meu país e vejo nele recantos lindíssimos :-)

(«rica pancha»? lol
Olhe que o melhor é conjugar uma rica pancha rica... :-p)

Anónimo disse...

Cheguei aqui através de um Esconderijo e deparo-me com um post que me diz muito, porque também estou a preparar a reforma ( antecipada, por isso reduzida num naco substancial, apesar de ter trabalhado o tempo suficiente para ter direito a recebê-la por inteiro).
O meu único plano, para além de continuar a fazer aquilo de que mais gosto, é ir viver para a Argentina, de onde em boa verdade nunca deveria ter saído. Reformado em Portugal não tem outra perspectiva que não seja um envelhecimento infeliz.

Mike disse...

Ah mas eu nunca disse que Portugal não tem recantos lindíssimos, Fugidia. Mas olhe que para quem se reforma há mais cantos que recantos. ;-)
Quanto à pancha, o problema é que se ela for uma pancha rica não vai querer viver humildemente. Se ela for uma rica pancha vai contentar-se em ser feliz ao lado do seu pancho. (risos)

Mike disse...

Meu caro Carlos, antes de mais bem vindo. É um prazer tê-lo por aqui a desconversar. Conheço razoalvelmente (para a maioria dos portugueses, creio eu) a Argentina e melhor Buenos Aires. Garanta-me que os euros da minha reforma valerão mais que aqui (uma possibilidade real) e a Argentina poderia muito bem ser um dos países onde passaria os últimos anos da minha vida. Estamos inteiramente de acordo.
Um abraço.

cristina ribeiro disse...

Gostei muito do cenário que pintou, Mike, e acho que gostaria de fazer o mesmo.
Moçambique exerce sobre mim esse mesmo fascínio.


(P.S. O amigo holandês de que lhe falava ontem tem trinta e poucos anos: Reforma? Nem pelo canudo de Braga, que é de longo alcance :) )

Mike disse...

Moçambique, claramente. Mesmo para um angolano como eu. :-)
Trinta e poucos anos? Hum... enquadra-se perfeitamente no panorama que tracei sobre a reforma dos holandeses Vs a minha. (risos)

Anónimo disse...

ui reforma...não, será trabalhar até querer comer... ou até mesmo para gozar esses pequenos momentos despojados, seja lá do que for de que ainda tenhamos que nos despojar.

Paulo Cunha Porto disse...

;eu Caro Mike,
essa reforma promete-Te muito trabalho, mas como quem corre por gosto não cansa...
Acima de tudo, parece-me um bom programa ara evitar a circunscrção a uma espera mais ou menos tranquila da morte. E nesse sentimento acompanhar-Te-ia, se acaso um velho e persistente pressentimento não me dissesse que serei poupado a tais dilemas por um abreviar da vida de incerta natureza.
abraço

Mike disse...

E momentos despojados não serão os mais desejados nessa altura, Corine? :-)

Amigo, o pessimismo é coisa que deveremos combater por impedir que o sorriso nos acompanhe. Saber que a Tua companhia seria uma possibilidade já é um momento para sorrir.
Abraço.

Leonor disse...

Que texto tão bonito, Mike. O meu pai deixeou-me educação, valores e muitos afectos, a melhor das heranças de riqueza incalculável.
Quanto à reeforma, aqui em casa fala-se em rumar ao Brasil.
Beijinho

Mike disse...

Obrigado Leonor. É muito simpático da sua parte. Quanto ao local... hum, acho que é mais Moçambique (apesar de eu ser angolano). :-)

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