11.5.09

Rapazes e homenzinhos.

Hoje, entre a pausa para mais um cigarro, lembrei-me da reitora do liceu onde andei, no Lobito, em Angola. A conversa da pausa abordava os maus tratos a que nós sujeitamos a Língua Portuguesa. E são maus tratos diários, fustigamos a nossa Língua sem, muitas vezes, darmos conta como somos implacáveis, para não dizer ignorantes. Desde o mais que habitual “há-des ver” até ao atroz “há-dem ver como a gente vamos lá chegar”, passando pelo “atão vai lá”. Estava eu a dizer que me tinha lembrado da reitora do liceu onde andei. A setôra Olívia era uma mulher grande, com uma figura imponente, que impunha respeito, e uma voz de trovão. Mas não era a figura dela apenas que impunha respeito, era ela mesmo. A setôra Olívia só dava aulas aos alunos mais velhos, os do 6º e 7º ano, ou seja, jovens de 16 e 17 anos. Lembro-me perfeitamente de ouvirmos o toque de entrada e dos mais expedidos terem o cuidado de se afastarem das imediações da secretaria e da reitoria. Porquê? Para evitar cruzarmo-nos com a setôra Olívia e de nos confrontarmos com a desagradável ideia de atravessarmos o liceu até à sala de aula, depois do pedido dela. “Então, Mike, dás-me o privilégio da tua companhia?”, perguntava a setôra Olívia, estendendo-nos o braço. E nós, os que eram apanhados, nem titubeávamos, e lá íamos de braço dado com a reitora. Tínhamos entre 15 e 17 anos. Hoje olho para trás e fico a pensar quão diferentes eram esses tempos de liceu em Angola. Éramos uns meninos e queríamos ser vistos como homenzinhos. A setôra Olívia devia pensar, sorrindo para dentro, queres ser tratado como um homenzinho, eu ensino-te a portares-te como tal. Sem esquecer que os homenzinhos que não se comportavam como tal, eram convocados à reitoria para uma conversa com a setôra Olívia, mesmo depois da chamada de atenção do professor que passava por nós e que ao bom dia ou boa tarde setôra, não correspondesse um levantar do rabiosque, estivéssemos sentados no chão ou num banco do liceu. Eram um bocado diferentes esses tempos e não me parece que tenham feito mal a alguém.

17 comentários:

Si disse...

Plenamente de acordo.
Hoje, os papeis de pais e de professores estão completamente baralhados.
Muitos pais demitem-se do seu papel, exigindo-o aos professores, que, por seu lado (nem todos, evidentemente), também foram impelidos para a profissão por inexistência de outras saídas profissionais.
No final, o resultado são faltas de respeito descaradas e impunidade, que, como é evidente, formam um cocktail muito explosivo para a formação de qualquer jovem, tornando cada vez mais raros os 'espécimes' de homenzinhos e mulherzinhas.

mike disse...

Si, também as havia no tempo de liceu que descrevo, mas digamos que... generalizada era a disciplina e a educação. Pelo menos no meu tempo liceu foi assim, no de outras pessoas não sei. :)

Luísa A. disse...

É verdade, Mike. Havia muito zelo disciplinador que assanhava a nossa rebeldia. Mas não havia faltas de educação. Podia besuntar com manteiga a frente da minha carteira, a que a professora costumava encostar-se. Mas punha-me em sentido sempre que ela falava comigo (felizmente sem nunca perceber, coitada, porque é que as mãos se lhe engorduravam naquela sala de aula). Arrombei muita máquina de chocolates. Mas tive sempre o maior respeito pelas contínuas (que eram, de resto, umas bisarmas). A rebeldia é própria da idade. A má educação, não. :-)

Patti disse...

Penso que a grande diferença, é que hoje a educação já não acontece em casa e daí, não se reflectir na escola. Se não há respeito, consideração, limites em casa …tudo o resto é passível de acontecer.

Lina Arroja (GJ) disse...

Hoje tantas coisas diferentes, Mike. Eu pertenço à geração que só começou a usar calças na escola com 12 ou 13 anos. Lembro-me de as ter comprado em Espanha e ser das primeiras a usá-las por debaixo da bata. Hoje, não só não existem batas, como as raparigas vão para as aulas quase despidas e os rapazes de bermudas e havaianas.
Nós faziamos formatura à entrada da sala e caladas, que as contínuas tinham poder e metiam respeito, levantávamo-nos sempre que um professor entrava ou saía da sala. A nossa rapaziada, hoje, nem sabe o que isso é.
Mas, os nossos professores também impunham respeito, como diz o Mike, tanto pelo porte como pelo comportamento. Hoje os professores são da idade dos alunos e atendem telemóveis na sala de aula, e os mais velhos que querem contrariar a corrente são mal vistos. E quanto a contínuos, eles hoje são "a menina" para ser tratamento fino que a maior parte das vezes são "a gaja".

mike disse...

Concordo, Luísa. Nós também "aprontávamos" e muito, só que... é como a Luísa diz e... ponto. :)

Nem mais, Patti. :)

Ah, a GJ é da minha criação. (risos)

Lina Arroja (GJ) disse...

Sou da sua "criação" (mais coisa menos coisa...) porque nasci em Lisboa. Aqui no Porto, criação só de galinhas. :))

mike disse...

GJ, já agora, para um rapaz ficar a perceber: como se diz da nossa criação aí na Invicta? ;)

LADY-BIRD, ANTITABÁGIKA, FÃ DO JOMI LOL E JÁ AGORA DOS NOSSOS AMIGOS ANTI-TECNOLOGIAS: MARCHANTE (se não existissem tinham que ser inventados) disse...

é mas última vez que deu o braço a uma senhora idosa e que reportou aqui no blogue, fugiu dela a 7 pés...agora quer dar-lhes o braço? lol

beijinho

Leonor disse...

Levantar o rabiosque? Agora só não nos passam por cima porque ainda não podem, Mike ;-)

Catarina disse...

E quando estão agarradinhos una às outras de tal modo que se alguém lhes chama a atenção, respondem logo: "Se calhar está com inveja" ou "Vê-se bem que não tem disto em casa..."

Catarina disse...

Queria dizer "uns às outras"

cristina ribeiro disse...

De lá para cá foi sempre a descer, felizmente com as excepções de quem tem pais preocupados e presentes...

Mike disse...

Não seja assim, menina Lady Bird. Dei o braço no liceu e à senhora que caiu á minha frente, mas a minha vida não é andar de braço dado, caramba. (risos)

Leonor, acredite que pensei em si a meio deste post. Vá-se lá saber porquê. ;)

Catarina, seja bem vinda. Caso para responder "e quem é queria disso em casa?" :)

Cristina, infelizmente vejo-me na posição de ter concordar consigo.

Lina Arroja (GJ) disse...

Na Invicta diz-se "do meu tempo", "da minha geração"...mas isso era no tempo em que em Lisboa não havia "bué". Agora pode haver "outras cenas" ;)
Esta era uma das divergências constantes em minha casa com a mãe lisboeta e o pai portuense.
O Carlos do Rochedo é que tem prestado um serviço à Nação ...com a "pronúncia do Norte".:)

Mike disse...

Então pronto... a GJ é "do meu tempo". ;)
E não passou "bué da tempo", não me venham com cenas. (risos)

Lina Arroja (GJ) disse...

Sou do seu tempo e da sua criação, pois então ;)

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