31.3.08
Vidas (I)
O sol começava a esconder-se por trás do mosteiro que se erguia majestosamente na praça principal da vila, anunciando o fim de mais um dia quente de final de Setembro. Mas o Verão teimava em ficar, desafiando o calendário das estações e do alto do campanário da velha abadia fundada pelos monges de cister no século XII, os sinos que marcavam há muitas gerações a vida local, preparavam-se para anunciar que a hora do jantar se aproximava. Mais um dia estava prestes a terminar na simpática, acolhedora, próspera e histórica vila de Alcobaça. Ela olhou-se ao espelho, ajeitou o cabelo e alisou o vestido que lhe assentava impecavelmente no corpo. Continuava bonita e não conseguia esconder a vaidade, apesar dos 40 anos se aproximarem mais depressa do que ela desejava. A maternidade e o passar dos anos tinham apurado as formas perfeitas de um corpo de menina e as feições aristocráticas de um rosto de pele branca, realçadas pelo cabelo claro e pelos olhos azuis quase transparentes, que ajudavam a vincar um ar doce e tranquilo, e onde as rugas teimavam em não aparecer.
30.3.08
O Atlântico foi atravessado pelo ar, pela primeira vez.
Um era alfacinha, outro era beirão. Gago Coutinho era almirante, historiador, matemático e geógrafo, e foi o inventor do sextante. Sacadura Cabral era oficial de marinha mas destacou-se pelo ar, tendo sido um arrojado aviador. Há oitenta e seis anos, precisamente no dia 30 de Março, iniciaram a primeira travessia aérea do Atlântico Sul num Fairey III-D e concluíram-na com êxito a 17 de Junho. Percorreram 8.383 km em 62 horas e 26 minutos até chegarem ao Rio de Janeiro. Uns valentes, estes dois portugueses, que escreveram com o seu feito uma página da História.
Jazz Favorites (XII). O senhor Conde.
Vozes famosas como as de Tony Bennett, Sammy Davis Jr e Frank Sinatra não dispensaram gravar com Count Basie, compositor, bandleader e um dos melhores pianistas que o jazz conheceu. O Conde liderou a sua orquestra durante quase cinquenta anos, trabalhando amiúde com músicos famosos como Ella Fitzgerald e Billie Holiday, e acarinhando e incentivando novos talentos como foi o caso de Quincy Jones. Count Basie, um mestre do swing, foi galardoado com 9 Grammy Awards. Uma vida dedicada à música, ao jazz.
Gosto de praia? Gosto é do mar.
Gosto de praia, mas na verdade do que eu gosto mesmo é do mar. Gosto da sensação de ir a caminho da praia, mas porque é lá que está o mar. Gosto do momento da chegada à praia, porque sei e tenho a certeza que o mar me espera. Raramente estendo a toalha quando chego, se bem que desde que me lembro, enquanto pai, fazer construções na areia, construções infidáveis, com pontes, estradas, castelos e caminhos... que vão dar ao mar. Não gosto de passear pela praia. Gosto é de nadar no mar. Nunca tive paciência para procurar conchas e pedras. Gosto é de procurar ondas e de me deixar levar por elas em cima da prancha. Gosto do mar sereno e gosto dele revolto e bravio. Gosto de o ver na quietude e de o olhar intempestivo. Gosto de ouvir o rugido que atemoriza os petizes à beira mar e de sentir a marzia a fustigar-nos o rosto. Aprendi a respeitá-lo mas nunca senti medo dele. Por vezes penso que se vivesse milhares de anos, nasceriam membranas entre os meus dedos ou alguma barbatana no dorso. Gosto do mar.
Torre de Hércules, Corunha, Espanha.
Foi concebida por um arquitecto da terra do meu pai – Chaves, outrora Aquae Flaviae por causa das termas que o imperador Flávio mandara erguer, mas isso é outra história. O arquitecto era Galaico Aqui-flaviense, para ser mais rigoroso, e chamava-se Gaio Sévio Lupo. Desde a primeira hora que senti uma afinidade especial com essa construção que agora é monumento. De concepção simples e despojada, o edifício tem um ar robusto e sólido, que nos transmite segurança e protecção, e simultaneamente serenidade, apesar do seu porte altivo, vigoroso e desafiador. Nada de extraordinário ou surpreendente para uma construção que foi concebida para ser um farol de navegação na cidade de Brigantium em pleno século II, no extremo norte da província corunhesa e a menos de dois quilómetros do centro da cidade da Corunha, onde, diz a lenda, Hércules enterrou a cabeça de Gerión depois de o vencer numa batalha, quando foi em auxílio dos súbditos do rei tirano de Brigantium. Extraordinário é o facto da Torre de Hércules ser o único farol romano em todo o mundo a cumprir, ainda hoje, a sua função.
28.3.08
27.3.08
Jazz Favorites (XI). Mr. Dizzy Gillespie
Dizzy Gillespie foi trompetista, líder de orquestra, cantor e compositor de jazz. E foi, a par de Charlie Parker, uma das maiores figuras do movimento bebop do jazz moderno. Gillespie construiu a sua interpretação a partir do estilo de Roy Eldridge, indo depois muito mais além com o seu trompete de campânula inclinada, contrariando as regras dos trompetistas com as suas bochechas, tal como Louis Armastrong. Dizzy Gillespie era um homem afável, uma pessoa alegre e bem disposta, com quem se diz ter sido grato conviver. Morreu em 1993 com 75 anos, tendo antes publicado a sua autobiografia, à qual deu o sugestivo nome To Be or not To Bop. O inesquecível Dizzy Gillespie, aqui no Muppet Show ou numa trumpet battle em 1958.
This is art.
Depois de inúmeras correrias a caminho do aeroporto, ainda o sol preguiçoso começava a dar os primeiros sinais de vida, e do Charles De Gaulle em direcção ao escritório em Paris, apressando o taxista que fazia de conta não os ouvir, e sem tempo para respirar antes das apresentações aos clientes, um dia prometeram-se mutuamente que as correrias deviam ter um fim. Não um fim triste mas feliz. Mereciam ou não mereciam? Claro que mereciam! Mereciam ir de véspera e desfrutar o que Paris tem de melhor quando o sol se põe. Começar por relaxar no hotel, jantar bem em bons restaurantes, conhecerem as melhores e mais afamadas casas nocturnas da Cidade Luz, até se sentirem anestesiados, para usar um termo carinhoso e apropriado, que as reuniões eram no dia seguinte. E dia seguinte, quer se queira quer não, significa depois. E amanhã é ou não é outro dia? É sim senhor! Numa dessas noites, encostados ao balcão dum Horse que há muito tempo que é Crazy e deliciados com o espectáculo, um deles não se contém e confessa ao amigo a sua estupefacção perante tanta e deslumbrante nudez. O amigo, sem tirar os olhos do palco e depois de levar calmamente o copo à boca saboreando o ambiente, segreda-lhe... isto não é striptease, isto é arte. Essa noite foi a confirmação que as correrias tinham chegado ao fim. E tinham conhecido um final feliz.
Afrobeat at its best.
A imensa popularidade e reputação do pai, Fela, atraía os olhares desconfiados e a desaprovação governamental quando Femi deixou a escola para se juntar à banda do progenitor como saxofonista, nos finais dos anos oitenta. Femi Kuti nasceu em Londres mas considera-se nigeriano e vive em Lagos desde os 15 anos. Um músico de enorme talento que, tal como pai, mostrou desde sempre ter um compromisso inabalável com causas sociais e políticas. O pai foi um dos lendários pioneiros do Afrobeat e Femi seguiu as suas pisadas adicionando ao seu som os ritmos de jazz-funk nigeriano e hip hop, com um resultado final absolutamente electrizante. Porquê Femi Kuti? ora, eu sou suspeito...
"Um jogo normal com um resultado normal".
26.3.08
Antes duas pedras na mão que duas pedras nos rins.
O sintoma manifesta-se através de uma dor severa e prolongada, daquelas em que perdemos a noção de qual a melhor posição corporal para a contrariarmos ou a atenuarmos sem efeito ou sucesso. Há momentos em que até dá vontade de andar de gatas, como que possuídos pelo espírito de um quadrúpede, invadidos por náuseas e adivinhando o inevitável desmaio, tal é a dor insuportável que começa na região lombar e alastra célere pela bacia até às partes baixas. A formação de cálculos é um processo biológico complexo e, pasmem, ainda pouco conhecido apesar dos consideráveis avanços da medicina. Pode ser da idade, pode ser da alimentação, diz-se que pode até ser hereditário. O tratamento da cólica requer analgésicos potentes normalmalmente ministrados pela via intravenosa ou injecções no traseiro. E casos há em que são necessários os dois tratamentos, seguindo-se três dias de analgésicos e anti-inflamatórios. Malditas pedras nos rins! Há quem tenha pedras preciosas, pedras no lugar do cérebro, pedras na mão sempre prontas a serem arremessadas, Pedras no apelido, pedras no sapato... e há uns infelizes que têm pedras e só nos rins... irra! Por um triz não escrevia pedras nos runs, essas feitas de gelo e bem mais aprazíveis, que a única dor que dão é de cabeça no dia seguinte se abusarmos do rum, e de tratamento mais simples, rápido e eficaz. Voltaire disse que a dor é tão necessária como a morte... brincalhão... tivesses dito isso ao meu lado a semana passada e tinha-te mandado com duas pedras das minhas à carola... para não te armares em filósofo...
25.3.08
Jazz Favorites (X). The Bird
Charles Parker Jr. era dado a excessos. Teve uma vida breve e trágica, e completamente desregrada. Tentou suicidar-se duas vezes e consumiu alcool e drogas em excesso até a sua vida ter sido consumida, aos 34 anos, por estes dois vícios. Charlie Parker é o meu saxofinista de jazz preferido. The Bird foi um compositor e um músico com um talento insuperável. Um dos fundadores do bebop, Charlie Parker teve uma influência incontornável no jazz e tornou-se num ícone para a geração do Beat. O reputado crítico de jazz Scott Yanow fala por muitos fãs e músicos, e fala também por mim, quando afirma que Parker foi, indubitavelmente, o melhor saxofonista de jazz de todos os tempos.
O jovem repórter de espírito aventureiro.
Quando era miúdo e adoecia, habituei-me, ou melhor, os meus pais habituaram-me a receber banda desenhada para atenuar a contrariedade de ter que estar em casa, o que lá para os lados de África acreditem que era uma grande chatisse. Entre o sarampo, a papeira, a varicela, paludismo e outras doenças do género, fui vivendo as aventuras de um herói mundano. Inteligente, corajoso, humano e justo. Já adulto estranhei o facto de nunca ter tido uma namorada (o capitão Haddock, pelo menos, consta que teve um affair com a Madame Castafiori)... mas isso não vem ao caso. Obrigado Hergé, por teres criado o herói da minha infância.
Olá Primavera.
Olá porque sou educado, não porque goste de ti, estaçãozinha danada. Tu és como aquelas histórias encantadas que contam aos meninos, aquelas histórias que tornam os ursos e os hipopótamos animaizinhos queridos, pacíficos e fôfos aos olhos dos inocentes. São as árvores floridas, o chilrear dos passarinhos, os prados verdejantes... Pois sim... mas tu não passas do prolongamento do Inverno, de quem és uma prima chegada, se calhar és a prima Vera, ainda chuvosa, ventosa, fria e desconfortável. Uma cínica e uma falsa que se insinua (não gosto desta palavra) mas que mais não faz que fazer-nos desejar a chegada do Verão. Olá Primavera... humprff...
20.3.08
Jazz Favorites (IX). Miss Divine One.
Galardoada três vezes com o Grammy Award, Sarah Vaughan foi legitimamente considerada como uma das vozes mais marcantes do século XX. Cedo se notabilizou nas suas aparições no Apolo Theatre até ser apresentada a Earl Hines, bandleader na altura, que a contratou como pianista, antes de sucumbir à sua voz e a promover a vocalista da banda. A partir daí o jazz rendeu-se incondicionalmente à sua voz divina, caracterizada por uma tonalidade grave, enorme versatilidade e controle do vibrato. E a História eternizou-a.
Se fosse à terra...
Se fosse à terra, nesta época de Páscoa, seria recebido de braços abertos pelas folhas dos coqueiros num abraço fraterno e demorado. Se fosse à terra, as casorinas iriam sussurrar-me as boas vindas sopradas pela brisa marítima. Se fosse à terra, entregar-me-ia num mar que me acolheria como um filho que há muito partira mas que a saudade não esquecera. Se fosse à terra, nesta época de Páscoa, levaria uma mão cheia de livros para ler ao luar, naquelas noites em que a luz da lua seria o candeeiro da mesa de cabeceira e a areia da praia o leito aconchegante. Se fosse à terra trilharia os caminhos das picadas sem destino, rumo à felicidade. Se fosse à terra, muita fruta deliciosa seria saboreada a coberto do sol, protegido pela sombra de uma palmeira. Se fosse à terra iria ao mato só para ver o sol despedir-se de mim no horizonte do planalto, antes da minha partida. Se fosse à terra...
19.3.08
Solidão
É a fraqueza do homem que o torna sociável; são as nossas misérias comuns que levam os nossos corações a interessar-se pela humanidade: não lhe deveríamos nada, se não fôssemos homens. Todos os afectos são indícios de insuficiência: se cada um de nós não tivesse necessidade dos outros, nunca pensaria em unir-se a eles. Assim, da nossa própria enfermidade, nasce a nossa frágil felicidade. Um ser verdadeiramente feliz é um ser solitário; só Deus goza de uma felicidade absoluta; mas qual de nós faz uma ideia do que isso seja? Se algum ser imperfeito se pudesse bastar a si mesmo, de que desfrutaria ele, na nossa opinião? Estaria só, seria miserável. Não posso acreditar que aquele que não precisa de nada possa amar alguma coisa: não acredito que aquele que não ama nada se possa sentir feliz. (Jean-Jacques Rousseau, in 'Emílio')
Hoje senti-me mais só, pai.
Hoje senti-me mais só, pai.
Vertigem.
Gosto desta foto do Museu do Vaticano. Escolhi para título Vertigem porque sempre que olho para ela, eu que não sou dado a essas coisas, me causa vertigens. Mas estive prestes a a escolher para título Travessura, porque vejo alguém de braços abertos, segurando o corrimão e estando prestes a sacudi-lo quando mais gente estiver a descer as escadas. E porque me lembro do corrimão das escadas do prédio da minha avó, que vivia num dos últimos andares de um prédio sem elevador, e que fazia as delícias dos rapazes mais afoitos e das maria-rapazes da família, desafiando as leis da física, com os pais num alvoroço constante que se transformava, invariavelmente, em calduços distribuídos a preceito. Calculam porquê... Se calhar Travessura era um título mais apropriado (sorriso maroto... ou travesso)...
17.3.08
Jazz Favorites (VIII). O senhor sax tenor
John William Coltrane foi compositor de jazz e considerado como um dos maiores saxofonistas tenor de todos os tempos. Nasceu pobre, numa época de forte segregação racial e estudou música por influência do pai, também músico. Tocou em várias bandas até se juntar ao Miles Davies Quintet. Um homem do cool jazz e um dos percursores do free jazz. Morreu cedo e repentinamente aos quarenta anos, mas antes gravou, com o John Coltrane’s Quartet, aquela que é unanimemente considerada uma obra prima – A Love Supreme. John Coltrane foi um mestre do sax tenor. E tocava-o de uma forma sentida, por vezes sofrida, a maior parte das vezes serena.
Morrer na praia.
Ah velha embarcação, porto de abrigo de tantas intempéries, companheiro fiel de inúmeras fainas, contador silencioso de mil histórias passadas no mar, mar que é vida, mar que é morte... ah velha embarcação, perdida e abandonada depois de muito servir, tu, qual diário que levas para sempre os sorrisos e as lágrimas de companheiros inseparáveis sem nunca os deixares entregues ao abandono. Onde havias tu de morrer senão na praia?
Alentejo, ai solidão...
Alentejo, ai solidão,
Solidão, ai Alentejo,
Pátria que à força escolhi!
Quando cheguei quis-te mal,
Alentejo – ai – solidão...
Julguei eu que te quis mal,
Chegava do vendaval,
Tão cego que nem te vi!
Alentejo, ai solidão,
Solidão, ai Alentejo,
Adro de melancolia!
Tal tristeza me pesa,
Alentejo – ai – solidão...
Quanto às vezes me não pesa,
Mas fora dessa tristeza,
Pesa-me toda a alegria!
(excerto do Fado Alentejano de José Régio).
Solidão, ai Alentejo,
Pátria que à força escolhi!
Quando cheguei quis-te mal,
Alentejo – ai – solidão...
Julguei eu que te quis mal,
Chegava do vendaval,
Tão cego que nem te vi!
Alentejo, ai solidão,
Solidão, ai Alentejo,
Adro de melancolia!
Tal tristeza me pesa,
Alentejo – ai – solidão...
Quanto às vezes me não pesa,
Mas fora dessa tristeza,
Pesa-me toda a alegria!
(excerto do Fado Alentejano de José Régio).
15.3.08
Rua das Carmelitas, 144, Porto.
Começou por se chamar Chardron e ainda é conhecida com esse nome em alguns círculos. O escritor contemporâneo espanhol Henrique Villa-Matas classificou-a como a mais bonita livraria do mundo e já este ano o The Guardian refere-se a ela como divina, considerando-a a terceira mais bela do mundo, depois de uma antiga igreja de Maastricht, da El Ateneo em Buenos Aires, um antigo teatro agora habitado por livros que tive o privilégio de conhecer, e da Rizzoli em Nova Iorque (estas duas ocupando o segundo lugar exequo). A livraria passou a ser posse dos irmãos Lello em 1894 mas só em 1919 se começou a chamar Livraria Lello. O actual edifício, de fachada neogótica foi inaugurado em 1906 na presença de ilustres como Guerra Junqueiro, José Leite de Vasconcelos e Afonso Costa. Uma feliz e eterna resistente das Grandes Superfícies, nas suas estantes iluminadas pela luz suave da clarabóia vivem cento e vinte mil títulos diferentes. Na Livraria Lello nunca ouvimos dizer que o livro está esgotado... não há é de momento, mas vai parar às nossas mãos depois de alguns dias.
Jazz Favorites (VII). Little Jazz
Roy “Little Jazz” Eldridge foi um trompetista de eleição, com um talento extraordinário, e uma pessoa simpática, cativante, bem disposta. Começou por tocar bateria e tuba antes de se dedicar ao trompete, tocando-o com mestria e versatilidade, e de uma forma sofisticada para a época, articulando harmoniosamente registos altos e baixos. Roy era um solista virtuoso, fortemente influenciado por músicos famosos, como foi o caso de Dizzy Gillespie, e tornou-se um dos músicos mais carismáticos da era Swing e um dos percursores do bebop. Razão tinha Ella Fitzgerald em solicitá-lo para inúmeros trabalhos e não dispensando a sua presença em muitas das suas aparições em público. Little Jazz tocou trompete até aos últimos dias da sua vida, numa relação de absoluta paixão e amor, que os manteve inseparáveis para sempre. Até que a morte nos separe, disse ele um dia, com o seu eterno sorriso.
14.3.08
O mar vai estar bom.
A mais velha começou a trabalhar. Tal como o pai, forma-se com uma determinada orientação e segue outra. Pelo menos ela, parecendo adivinhar, não foi de modas e fez a cadeira extra-curricular orientada para o cinema. Já há uns tempos que tem feito uns trabalhos aqui e outros ali, mas esta semana conheceu a dura realidade dos horários, trânsito matinal, almoços comidos à pressa e por aí adiante. Estas são as más notícias entre as boas, que para quem como ela não sabia, as moedas têm duas faces. A outra boa notícia ouvi-a eu quando me disse, orgulhosa e bem disposta que já não precisava de lhe dar mesada. Está bem filha, mas estarei cá para o que der e vier. Uma outra boa notícia é que este fim-de-semana o mar vai estar bom... para ela que é surfista e a morrer de saudades de pôr a tábua na água e para o pai... apesar da tábua do pai já não ser como a dela, agora é outra, mais curta e para fazer bodyboard. Pronto está bem miúda, eu também tenho o bichinho a morder-me. Amanhã tens que te a ver comigo e as ondas, essas, não nos escaparão nenhumas... quer dizer, a mim já me escapam algumas...
Que soda...
O mano, o meu, reclamou... eu que o julgava longe destas paragens, aparece-me assim, do nada, a reclamar e em defesa da mãe. Como podes ter dito aquilo... um sacrilégio... ter dito o quê? que Oscar Peterson era o melhor... mas para mim é, o que queres que faça? melhor que Arthur Tatum? sim, essa é a minha opinião e estes são os meus favoritos... mas cometeste uma injustiça... Argumento para cá, contra-argumento para lá e não é que ele me vence? mas pelo cansaço (risos). Pronto, eu faço-te a vontade, a ti, soda do caraças. Art Tatum foi sim um pianista exuberante e notável, e aqui fica o meu tributo a esse pianista excepcional. Mas Oscar Peterson...
Objectos de culto (XIX). Mercedes SLR McLaren. Avassalador.
Serão contruídas apenas 3.500 unidades, a um ritmo de 500 carros por ano, durante sete anos, pelo que a exclusividade é um dado adquirido. Exclusividade reforçada com a dedicatória dos pilotos de Fórmula 1 no livro de instruções. Primeiro é um Mercedes, quer se goste ou não. Em segundo lugar, é construído em Woking no Centro de Tecnologia da McLaren, de onde saem os bólides pilotados por pilotos de eleição. Por fim, para além das imagens, fica a ficha técnica: motor V8 de 5,4 litros de cilindrada, 626 cavalos de potência, 334 km/h e os 100 km/h atingidos em 3,8 segundos. Tudo isto num automóvel concebido para circular no dia-a-dia. Ah, já me esquecia... o preço, se é que isso tem algum interesse neste contexto, são 500 mil euros.
Verdes são os campos
De cor de limão
Assim são os olhos
Do meu coração.
Campo, que te estendes
Com verdura bela
Ovelhas, que nela
Vosso pasto tendes,
De ervas vos mantendes
Que traz o Verão,
E eu das lembranças
Do meu coração.
Gados que pasceis
Com contentamento,
Vosso mantimento
Não no entendereis
Isso que comeis
Não são ervas, não
São graças dos olhos
Do meu coração.
(Luís de Camões)
Mal me quer, bem me quer...
Mal me quer quem me inveja, bem me quer quem me respeita. Mal me quer quem me vira as costas, bem me quer quem me olha nos olhos. Mal me quer quem para mim sorri, bem me quer quem para mim sorri. Mal me quer quem me trai, bem me quer quem me confronta. Mal me quer quem me diz que sim, bem me quer quem me diz que sim. Mal me quer quem me diz que não, bem me quer quem me diz que não. Mal me quer quem não é leal, bem me quer quem me desafia. Mal me quer quem é desonesto, bem me quer que é corajoso. Mal me quer quem se diz amigo, bem me quer quem se mostra amigo. Mal me quer, bem me quer...
Jazz Favorites (V e VI). The President and Lady Day
O jazz já tinha um rei (do swing) – Benny Goodman, um duque – Duke Ellington e um conde – Cout Basie, por isso Billie Holiday chamou a Lester Young “Prez” (diminutivo de President). Nasceu e foi criado no seio de uma família de músicos e aprendeu a tocar trompete, violino e bateria, para além de saxofone, tornando-se num saxofonista-tenor ímpar, com um estilo muito pessoal e relaxado, que me agrada sobremaneira. Nos anos 40 vira-se para o bebop, entregando-se poucos anos depois ao alcoolismo de uma forma irremediável. Lester “The President” Young despede-se da vida aos cinquenta anos padecendo de perturbações mentais e com ele o som inconfundível, suave, melodioso e relaxado do seu saxofone.
Vida... vida difícil foi a de Eleonora Fagan, a quem foi chamada Lady Day. Tudo de mau que se possa imaginar na vida de alguém aconteceu a Billie Holliday. Infância muito complicada, maus tratos, esturpo, casamentos falhados, relacionamentos obscuros com mafiosos abusadores, droga e alcool em excesso, até a uma cirrose a tirar de uma cama de um hospital presidiário, rumo à eternidade. Billie Holiday morreu aos 44 anos, com setenta cêntimos no banco, ela que era já uma voz venerada do jazz quando partiu. E que voz! Sofrida e intensa como foi toda a sua vida, mas melodiosa e doce, daquelas vozes que nos embalam, que nos amparam. O amparo que parece nunca ter tido. Que voz!
11.3.08
Como faço para não ter medo?
Ela, pequenita (será bom, para meu bem, que jamais leia ou tenha conhecimento desta palavra que carinhosamente lhe dedico)... dizia eu, ela voluntariosa (assim está melhor) teimou em aprender a andar de bicicleta sem rodinhas achando, e porque não? que a função de auxiliar era um trabalho masculino. Meu, portanto. Voluntariosa mas cuidadosa e nada temerária, rogou-me que não a largasse nem por um segundo, comigo mentindo com todos os dentes ao prometer-lhe que assim faria. Cuidadosa mas distraída... olha, olha um bicho ali no chão... oh não, meninas... olha mas é em frente miúda, não é para o chão... O cansaço sentido nas pernas e as dores nas costas guardei-as para mim em silêncio, enquanto os minutos iam passando. Vês? larguei-te lá atrás e vieste sozinha até aqui... A sério? pergunta-me feliz com o sorriso a iluminar-lhe o rosto coberto pelos cabelos que teimavam, num acto de rebeldia, em não permanecer presos no capuz do casaco. Parou, respirou fundo e com uma convicção surpreendente decidiu que queria andar sozinha. Por quem sois senhorita... alguns conselhos providenciais e uns truques à mistura e lá vai ela pedalando orgulhosa pelo campo. Olha em frente, não te esqueças... mas como faço para não ter medo? nada, ou melhor, não penses nisso, não penses no medo, desfruta, desfruta a liberdade com alegria, respira fundo, sorri e sente, sente apenas essa coisa boa que é o vento a bater-te na cara... e pedala, pedala sem parar... Como devia ser tudo na vida, até o tombo que deu quando o excesso de confiança a traiu. Pumba! mãos esfoladas, uma nódoa negra na bundinha e algumas lágrimas não contidas no rosto de menina. Ups, ainda bem... amuou por momentos e depois voltou a sorrir... já sabia andar sozinha e aprendeu que cair faz parte da aprendizagem e do sentimento de liberdade quando se anda de bicicleta. Como em tudo na vida. Parabéns peque... parabéns garota.
Cruzeiros? nem na reforma.
Nunca me senti atraído por cruzeiros. Nada me atrai naqueles navios luxuosos com itinerários fantásticos no Mediterrâneo, entre ilhas gregas, com o tempo dividido entre dias passados no mar e episódicas estadias em terra. Nem na reforma me consigo imaginar numa dessas viagens ditas paradisíacas. Imagino-me, sem esforço, num barco mas daqueles pequenos, empurrado por um velho motor, levando-me até alto mar com os meus apetrechos de pesca, num momento de solidão que reclamarei para mim e que me fez esboçar um sorriso hoje, ainda longe desses dias vindouros sonhados num país dos trópicos, num reencontro com as minhas raízes. Mas nem me falem de cruzeiros. Partidas de ténis com carcaças enfiadas em polos brancos da Lacoste, pequenos-almoços tomados em salas emolduradas por sorrisos à lá carte de empregados aperaltados, banhos em piscinas à cunha partilhadas por muitos corpos gastos e alguns viçosos (comigo inquieto e a perguntar-me o que farão ali tais beldades), jantares com horário que mais se asemelham a desfiles de brigadas do reumático em traje de noite, eles trajando smokings e parecendo pinguins estafados depois de uma longa viagem e elas enfiadas em vestidos até aos pés caminhando como múmias renascidas saídas de um túmulo egípcio, as manhãs passadas ao sol em espreguiçadeiras brancas alinhadas onde a troca de olhares obscenos se sobrepõe aos livros que pendem de mãos rugosas... não, não me apanham num cruzeiro. Nem que tentem com imagens sedutoras de jovens disponíveis, vestidas com pequeníssimas saias vaporosas, com as ilhas gregas a servirem como horizonte. Cruzeiros? não contem comigo.
10.3.08
Envelhecida, gasta e envolta num glamour que precisa ser procurado.
Não me recordo o que me motivou a visitar Havana pela primeira vez, a primeira de três visitas. Não sou um homem de esquerda (se bem que já há muito tempo me pergunto o que é isso de ser de esquerda ou direita) apesar de em tempos que já lá vão, nutrir alguma simpatia pelos “barbudos” e ter a mesma visão romântica de muitos de nós em relação a Ernesto Guevara, ao Che. Vamos admitir que a motivação partiu das raízes africanas e de alguma curiosidade em viver a vida de um país proscrito pelo Ocidente e pelos EUA... numa inconfessável simpatia pelo mais fraco. Apaixonei-me por Havana e esse sentimento foi partilhado com amigos mais chegados, avisando-os contudo, e por conhecê-los bem, sobre o que poderiam esperar de uma Cuba empobrecida e amordaçada e de uma Havana envelhecida, gasta e envolta num glamour que precisa ser procurado. Na agência de viagens recomendaram-me o Nacional e outro hotel, de que não me lembro do nome, em pleno El Malecon. Hesitei entre o Sevilha em Havana Velha e o Ambos Mundos e decidi-me pelo primeiro porque quis ficar no hotel que recebeu Josephine Baker quando a ela foi recusada a permanência no Nacional, por isso mesmo que estão a pensar os que me lêem – por causa da cor da pele dela. Com um estilo andaluz e situado no elegante Paseo del Prado, o Sevilha era o hotel da máfia e onde Al Capone ficava nas suas visitas à ilha, reservando todo o sexto piso para a sua comitiva. E decidi-me bem ao permanecer num hotel onde temos a sensação de que as paredes parecem olhar-nos de soslaio e contar-nos segredos de uma vivência de outrora, o mesmo hotel que Graham Green escolheu e que menciona em “O nosso homem em Havana”. Não resisti visitar o quarto 551 do Ambos Mundos, onde Hemingway escreveu os primeiros capítulos de “Por quem os sinos dobram”, com a velha máquina de escrever pousada sobre uma escrivaninha simples de madeira. Visitei os locais que os turistas visitam, bebi daiquiris na Bodeguita del Medio, dancei ao ritmo caribenho no El Flamingo, até o dia nascer, almocei em casas particulares e deixei-me embrenhar por uma Havana desconhecida. Devorei uma Havana encantadora... e soube-me a pouco. Talvez por isso tenha lá voltado mais duas vezes. Para a saborear, fazendo-me à estrada numa Cuba abandonada mas não perdida na sua história, no seu orgulho. E hei-de lá voltar. Hasta la vista, Havana.
Gosto do Alentejo à noite.
Gosto das noites escuras, escuras como o breu, noites sem luar mas de céu estrelado, cristalino, como a noite de Sábado no Alentejo. Referem-se por vezes a ele como profundo. Profundo ou não, é bom, faz bem, é simples, despojado e amplo, inóspito e protector. À memória vieram noites de África no mato, ainda mais escuras, sem as luzes espaçadas do casario ao longe. Até a palmeira solitária e deslocada parecia querer dar-me as boas vindas e desejar-me uma boa noite de sono com as longas folhas pinadas agitadas pela brisa marítima. Gosto do som do ranger das botas na terra seca e do silêncio da noite no campo, quebrado apenas pelos murmúrios dos pequenos animais ou pelo ladrar longínquo dum cão. Gosto das noites escuras ao abrigo do vento que se faz sentir e ouvir. Sei que gosto do Alentejo à noite.
9.3.08
Jazz Favorites (IV). O revolucionário do jazz.
Stanley Gayetsky foi um aluno brilhante que a partir dos treze anos se dedicou a uma das grandes paixões (senão a maior) da sua vida: o saxofone. Aos catorze anos é aceite na orquestra All City High School Orchestra, espalhando, simultaneamente, o seu virtuosismo por cafés e bares, o que o levou a deixar de estudar. Nos anos 50 era um dos mais famosos intérpretes do cool jazz, tocando com músicos do calibre de Oscar Peterson, Charlie Parker e Al Haig. A busca incessante por outros sons, nos anos 60, levou-o até à bossa nova, fazendo parcerias com João Gilberto e António Carlos Jobim. Stan Getz, foi o percursor do jazz latino, tendo sido galardoado com dois Grammys pela sua inesquecível interpretação de Garota de Ipanema. Depois envereda pelo jazz de fusão, que abandonou mais tarde, regressando ao som mais tradicional. O alcool e as drogas acompanharam-no durante a maior parte da sua vida, antes de a perder, quando finalmente se tinha libertado da dependência desses dois demónios. Stan Getz foi um dos maiores saxofonistas de jazz de todos os tempos, um revolucionário do jazz.
8.3.08
8 de Março. Os anos vão passando e eu cada vez entendo menos.
A 8 de Março, todos os anos é celebrado o Dia Internacional da Mulher. Um dia comemorativo para a celebração dos feitos económicos, políticos e sociais alcançados pela Mulher. No início do século XX houve vários factos, que pelo sacrifício das mulheres, justificaram a sua implementação. No Ocidente, nas décadas de 1910 / 1920 ainda se comemorou com convicção o Dia Internacional da Mulher mas depois o assunto foi esmorecendo, sendo revitalizado pelo feminismo na década de 60. Mas eu torço o nariz à existência do Dia Internacional da Mulher. Bem sei que os direitos adquiridos diferem de país para país, ou, em alguns casos, de continente para continente, mas que raio, haver um dia que está perfeitamente banalizado, sem conteúdo aparente, em que as pessoas, por obrigação se vêem forçadas a comportarem-se de um modo diferente porque sim, não faz muito sentido nos dias de hoje, em sociedades como a nossa. Ary dos Santos escreveu, Fernando Tordo musicou e Paulo de Carvalho interpretou um poema que dizia que o Natal é quando um homem quiser. E o mesmo se devia passar com a Mulher. Todos os dias, sem excepção, deviam ser dias da Mulher. E do Homem, e da Criança, e da Árvores, e do Ambiente e do Que Mais for Importante para as Nossas Vidas. A existência desse dia até é, a meu ver, desvalorizante para a própia Mulher. Conota-A com um lado de “coitadinha” o que não faz sentido nenhum, é despropositado e infeliz. Confesso que não entendo porque é que este dia continua a existir e a ser comemorado. Mas ainda percebo menos o facto das mulheres continuarem a deixar que ele exista.
7.3.08
Objectos de culto (XVII). Os sonhos têm um preço.
A história da Ferrari confunde-se com a história da vida de Enzo, o seu criador. O homem que enquanto a dirigiu, jamais assinou um contrato com um piloto de Fórmula 1, e foram muitos os campeões que se consagraram ao volante de carros que ostentavam o Cavallino Rampante. “A minha palavra vale mais que qualquer documento escrito e assinado”. Os carros são aquilo que conhecemos e admiramos. Belos, potentes, rápidos, sedutores nos mais pequenos detalhes, espelhando fielmente o carisma do criador, um homem tenaz que, diz a lenda, mudou o número da porta da casa que mandara construir em Fiorano para glorificar os pilotos que correram com o 27, um número mítico para a marca. Chris Chilton, editor chefe da revista Car, a mais reputada revista automóvel do mundo, escolheu para título de uma das melhores reportagens feitas sobre a Ferrari, uma frase que diz tudo: “Buying the dream”.
Elas conseguem fazer várias coisas ao mesmo tempo. E nós?
Não sei se é ponto assente ou não, lá mais para a frente encontrarão razões para serem levados a pensar, como eu, que não será bem assim, mas é pelo menos comum dizer-se, suportando-se em explicações de carácter técnico ou através da experiência de vida, que ao contrário dos homens, as mulheres têm uma capacidade, eu diria inata, para fazerem várias coisas ao mesmo tempo. Fazer várias coisas, escutar diversas conversas ou enredar-se em inúmeros pensamentos, também simultaneamente. A experiência diz-me que assim é e salvo raras excepção, devem ser muito raras porque não consigo lembrar-me de nenhuma de momento, elas conseguem, na generalidade, fazer mesmo várias coisas ao mesmo tempo. Normalmente confirmam-no orgulhosamente e com um ar de superioridade, e eles limitam-se a concordar com um encolher de ombros e semblante enfadado. Se nas mulheres, e continuo a acreditar nisso, essa capacidade é inata, já não estou tão certo que nos homens, ela, sem nunca atingir os níveis femininos, não seja alvo de aprendizagem. Mais ou menos como os sentidos: elas nascem com seis e com o tempo adquirem oito e os mais afortunados de nós, com o mesmo tempo e muito a custo, conseguimos chegar aos cinco sentidos e meio.
A minha mãe, mãe de dois rapazes nunca foi de aparar golpadas e os dois rapazes foram habituados a não esperar que as coisas aparecessem feitas, isto é, os meninos sempre tiveram que dar corda aos sapatos nos afazeres da casa. Mas uma coisa de cada vez, que a mãe, compreensiva, nunca nos exigiu o impossível. A vida dá voltas, como uma montanha russa equipada com pilhas Duracell, e um dos rapazes vê-se em casa rodeado de criançada e de tudo o resto que significa estar rodeado de criançada, principalmente ao final do dia. A caminho de casa já está a pensar o que será o jantar, melhor dizendo, o que é que vai cozinhar para o jantar, enquanto dá atenção à mais nova e responde ao mesmo tempo às perguntas do mais novo. Depois? Bem depois é assim: panela ao lume, o mais novo no banho, de caminho verificam-se os trabalhos de casa da mais nova (que é mais velha que o mais novo), vai de deitar a massa na panela que a água ferve, uma olhadela no pequeno que está na banheira já com menos água lá dentro porque a que falta está no chão da casa de banho, corrige-se a conta de dividir em que a mais nova andava às voltas e volta-se a desligar a televisão que a culpa do erro é dos Morangos. O relógio de cozinha dá o sinal... a massa está pronta mas falta o resto, conta-se até trinta porque o mais novo não quer sair da maldita banheira, a mais nova resmunga enquanto a mesa é posta... porque perdeu parte dos Morangos, que lata a dela... volta-se à casa de banho e... chega menino, fora da banheira, que há um pijama para ser vestido. Por fim sentados à mesa... pai, a mãe cozinha melhor que tu... raios, o que ele tem que ouvir com um sorriso nos lábios e pior, é obrigado a concordar. Jantar acabado, há uma cozinha para arrumar e ao mesmo tempo as lancheiras para preparar e, de caminho, deixar pronto o biberon da manhã que fazê-lo ao acordar já deu asneira várias vezes. Ainda resta tempo para ver o Ruca enquanto se lê o jornal, com intervalos pelo meio para se certificar onde é que a mais nova anda pela internet.
Dir-me-ão as senhoras com filhos que resistiram à leitura até aqui, que por enquanto não detectaram nenhuma novidade. Acredito, mas também acredito que para elas seja mais fácil, não menos cansativo, mas mais fácil. Por ser inato para elas, digo eu, enquanto para nós constitui uma aprendizagem dura, sofrida e contranatura. Não, não é um queixume, apenas a constatação de que nós também fazemos várias coisas ao mesmo tempo, mas irra que não é fácil. Uma amiga minha, entre gargalhadas bem dispostas, que interpretei como um elogio só depois de passado algum tempo, que ao princípio soou-me mal (por preconceito masculino, claro), disse-me que eu estava a “engagizar-me”. A quê? Ah, percebi-te... mas se pudesse escolher, preferia nunca ter ouvido esse... como dizer? vou chamá-lo novo conceito. Ao que um gajo chega... e o que um gajo tem que ouvir...
A minha mãe, mãe de dois rapazes nunca foi de aparar golpadas e os dois rapazes foram habituados a não esperar que as coisas aparecessem feitas, isto é, os meninos sempre tiveram que dar corda aos sapatos nos afazeres da casa. Mas uma coisa de cada vez, que a mãe, compreensiva, nunca nos exigiu o impossível. A vida dá voltas, como uma montanha russa equipada com pilhas Duracell, e um dos rapazes vê-se em casa rodeado de criançada e de tudo o resto que significa estar rodeado de criançada, principalmente ao final do dia. A caminho de casa já está a pensar o que será o jantar, melhor dizendo, o que é que vai cozinhar para o jantar, enquanto dá atenção à mais nova e responde ao mesmo tempo às perguntas do mais novo. Depois? Bem depois é assim: panela ao lume, o mais novo no banho, de caminho verificam-se os trabalhos de casa da mais nova (que é mais velha que o mais novo), vai de deitar a massa na panela que a água ferve, uma olhadela no pequeno que está na banheira já com menos água lá dentro porque a que falta está no chão da casa de banho, corrige-se a conta de dividir em que a mais nova andava às voltas e volta-se a desligar a televisão que a culpa do erro é dos Morangos. O relógio de cozinha dá o sinal... a massa está pronta mas falta o resto, conta-se até trinta porque o mais novo não quer sair da maldita banheira, a mais nova resmunga enquanto a mesa é posta... porque perdeu parte dos Morangos, que lata a dela... volta-se à casa de banho e... chega menino, fora da banheira, que há um pijama para ser vestido. Por fim sentados à mesa... pai, a mãe cozinha melhor que tu... raios, o que ele tem que ouvir com um sorriso nos lábios e pior, é obrigado a concordar. Jantar acabado, há uma cozinha para arrumar e ao mesmo tempo as lancheiras para preparar e, de caminho, deixar pronto o biberon da manhã que fazê-lo ao acordar já deu asneira várias vezes. Ainda resta tempo para ver o Ruca enquanto se lê o jornal, com intervalos pelo meio para se certificar onde é que a mais nova anda pela internet.
Dir-me-ão as senhoras com filhos que resistiram à leitura até aqui, que por enquanto não detectaram nenhuma novidade. Acredito, mas também acredito que para elas seja mais fácil, não menos cansativo, mas mais fácil. Por ser inato para elas, digo eu, enquanto para nós constitui uma aprendizagem dura, sofrida e contranatura. Não, não é um queixume, apenas a constatação de que nós também fazemos várias coisas ao mesmo tempo, mas irra que não é fácil. Uma amiga minha, entre gargalhadas bem dispostas, que interpretei como um elogio só depois de passado algum tempo, que ao princípio soou-me mal (por preconceito masculino, claro), disse-me que eu estava a “engagizar-me”. A quê? Ah, percebi-te... mas se pudesse escolher, preferia nunca ter ouvido esse... como dizer? vou chamá-lo novo conceito. Ao que um gajo chega... e o que um gajo tem que ouvir...
5.3.08
Jazz Favorites (III). The Duke.
The Duke nasceu Edward Kennedy e foi compositor de jazz e pianista. Não se pode dizer que Duke Ellington fosse um virtuoso das teclas apesar da sua formação se ter iniciado aos sete anos de idade, por influência dos progenitores, ambos pianistas, mas foi porventura o maior compositor de jazz americano de todos os tempos. Em Nova Iorque, que os músicos de jazz da época apelidaram de The Big Apple, iniciou a “pós-gradução” musical em cafés e inspirou-se no som swingado de músicos ilustres, até construir reputação e atingir a celebridade no não menos célebre clube da jungle music, o Cotton Club. Distinguido com as mais altas condecorações civis americana e francesa, Presidential Medal of Freedom e Legião de Honra, respectivamente, The Duke foi o primeiro músico de jazz a entrar para a Academia Real de Música de Estocolmo e a sua influência no jazz foi constante desde a década de 1920 até à de 1960. Aos sessenta e seis anos, quando lhe foi recusada a nomeação para o Prémio Pulitzer em 1965, reagiu com humor e simplicidade, dizendo que o destino tinha sido gentil para com ele e não queria que fosse famoso demasiado cedo. Duke Ellington era um senhor.
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