Há seis meses atrás escrevi umas breves linhas sobre um lugar que, paradoxalmente, evoca a noite mas onde se privilegia a luz. Disse que tinha gostado do que tinha lido, visto e ouvido. E que nos tempos que correm, em que a Natureza e o campo são valorizados e se sobrepõem à cidade, esse lugar nos trazia (e continua a trazer) uma Lisboa do dia-a-dia reflectida em fachadas com vida. E histórias do quotidiano contadas numa prosa poética, embalada em muito boa música. Hoje lembrei-me desse lugar, e da prosa que sendo poética não é menos real, quando passeava com os meus filhos mais novos depois de jantar, já o sol se tinha escondido dando lugar a uma noite límpida e tranquila. Os rapazes de bicicleta e a menina de patins, desfrutando despreocupadamente da serenidade da noite e de uma rua deserta ao lado de casa, sem que antes, imagine-se, tivéssemos tirado proveito do pavimento liso da estátua de Santo António, onde a Avenida de Roma se cruza com a da Igreja. E lembrei-me de uma Angola nocturna, de ruas sem carros num Lobito longínquo. Rimo-nos os três, cairam, eles dois, e aperfeiçoámos a disciplina e o método de nos confrontarmos com um ou outro automóvel que se atreveu a atravessar a nossa rua, numa apropriação singular e divertida. Pensei que as pessoas, muitas delas infelizmente não o podem fazer, mas outras poderão, deviam chamar a si o que lhes é devido, e porque não dizer, lhes pertence, se estivessem dispostas, claro está, a abdicar de outras coisas. Um destes dias peço, ou lanço o desafio à dona daquele lugar de que falei, que fotografe essa Lisboa que vivi este fim-de-semana. Porque eu apenas a soube viver, jamais a saberei fotografar. E acreditem que podia ser uma Lisboa de mais lisboetas do que muitos deles pensam. Se eles quisessem.
A foto, tirada da net, não é de nenhum dos recantos de que falo. Apenas ilustra a rua que vivi este fim-de-semana com os infantes.
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13 comentários:
Meu Caro Mike,
grandes paralelos, comprovando que as promessas que o automóvel nos fez, de permitir-nos viver mais, são patranha digna de campanhas eleitorais. Que dizer de uma Estrada que desvia a nossa atenção, coarctando a sensibilidade que permite fruir luz, afectos e penumbra em harmónica articulação potenciadosP
Abraço
Um fim-de-semana em grande, lê-se nas linhas e nas entrelinhas, Mike :)
Meu caro Amigo, fico muito sensibilizada com as suas palavras e a sua referência… (embora a da prosa poética me «mate», Mike! :-D Receio bem que a minha pobre prosa esteja demasiado contaminada por preocupações de rigor terminológico e, quanto a temas, demasiado aferrada à terra mais chã, para que possa aspirar a um tão elevado estatuto).
Mas será um prazer tirar algumas fotografias à nossa Lisboa nocturna, que, salvo nos locais de concentração conhecidos, recupera, de facto, muita serenidade e espaço, e proporciona esses momentos que tão bem nos faz partilhar consigo e com a sua juvenil descendência. Vou já começar a estudar as instruções da máquina. Por enquanto, ainda só sei fotografar a noite a preto e preto. ;-)
Caro Paulo, a sua pergunta, num comentário que gostei de ler, deixarei sem resposta, com um sorriso.
Abraço.
Pois foi Cristina. Mas algo, ao fundo das costas, me lembra que tenho de mudar o selim da bicicleta... (risos)
Luísa, a prosa é poética sim, se bem que ao ler o seu comentário fiquei preocupado com facto de a considerar assassina ou suicida. (muitos risos)
A noite a preto e branco será, estou certo, sempre bem fotografada por si. :-)
Ainda nem sequer ao preto e branco cheguei, Mike. Ainda estou mesmo na fase do preto e preto. Mas vou aplicar-me no estudo... e seja o que Deus quiser. ;-)
(risos)
Seja o que a Luísa quiser, é o que é... ;-)
eu prescindi dos carros no meus divórcios, vivo bem sem eles.
em que recanto o mafarrico desta vez se meteu? LOL
Hum... mas ficou com a sua bicicleta e com os seus patins, Júlia? :D
O mafarrico está metido num recanto muito saudável que se chama local de trabalho. ;-)
Vai um duelozito de bicicleta, hein, Misterzito?
:-)))
Só se me for autorizado passar uma procuração ao meu mais novo... (risos)
fugi, ele deve ter boas pernocas, para andar assim tanto de bicicleta!
Mike ou Bike?
hummm
Mike é o pai, bike é o corsário, Júlia. :D
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