12.6.08
O que tem o acaso de tão fascinante?
Não me considero uma pessoa supersticiosa. Não uso amuletos, não coloco objectos em posições estudadas que não sejam as que me agradam por uma questão de estética, não visto uma roupa especial em determinados momentos que não seja porque os momentos são apenas especiais para mim, não escolho o pé direito para entrar seja onde for, limitando-me a entrar quando me é concedida a entrada ou sou bem vindo, não passo por baixo de escadas porque não é aconselhável, atravesso o mesmo caminho que um gato preto atravessou antes de mim, claro que me aborreço se um espelho se partir, mas por ser uma grande maçada apanhar os vidros e substituí-lo, e a sextas-feiras que coincidem com o dia treze do mês, não passam disso mesmo, de sextas-feiras que calharam um dia antes do dia catorze. Mas o acaso é algo que me fascina. É bom de ver que esse fascínio nada tem a ver com superstição. Nem tão pouco me sinto fascinado pelo acaso por se tratar de um fenómeno ou algo que acontece sem motivo ou explicação aparente, e da faceta misteriosa que o envolve. A minha admiração pelo acaso prende-se com o facto de olhar para ele como um daqueles miúdos traquinas ou um delinquente reincidente sobre quem as culpas se precipitam de imediato, antes mesmo de serem apuradas. E o acaso, a meu ver, é um jovem solteiro e há-de morrer assim. Como a culpa. O acaso dá-nos jeito. Desculpabiliza-nos quando a consciência se prepara para aumentar de peso, ou ajuda-nos a sorrir da nossa própria ignorância. O acaso faz-nos rir, enfurece-nos, deixa-nos pensativos, torna-nos uns dias crentes, outros incrédulos. O acaso pode significar sorte ou azar. O acaso também é, por vezes, um carteiro que traz boas novas, sem que, aparentemente, consigamos explicar porque elas se dignaram a vir até nós. Sobre as obras do acaso, então, o meu fascínio é inexplicável. Para além de delinquente, travesso e carteiro, o acaso também é um respeitável mestre de obras, ou mesmo engenheiro. Tivesse eu jeito para casamenteiro, e promovia um encontro com a culpa, na esperança de nenhum dos dois, coitados, morrerem solteiros. E fascinado pela certeza de ouvir alguém dizer, depois da boda, que tinha sido um feliz acaso.
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25 comentários:
:-)
Um feliz acaso... sim, frase fascinante...
:-)
Pois a mim é sempre a faceta de mistério que envolve os acasos (serão mesmo acasos?) que me encanta. Esse miúdo traquina que nos prepara "armadilhas", sejam encontros ou desencontros, tem alguma coisa que me escapa. E é isso mesmo o que me fascina nele.
Volto para lembrar aquela célebre frase de Albert Einstein: "O acaso? Deus não joga aos dados!"
Isto dito por um cientista brilhante tem que se lhe diga...
Fugidia, eu, que não acredito em destinos, sempre achei o acaso uma coisa estranha e fascinante... :)
Ana, e não é que me lembrei dessa frase do Senhor Relatividade quando estava prestes a postar? :)
Tem graça, mas eu julguei que a imagem era uma referência ao Einstein!
Mas a frase dele tem que ser contextualizada.
É que Deus, além de não jogar aos dados, também não gosta de brincar às marionetas... ou seja, deu-nos a liberdade de escolha.
:-)
Acho que tem toda a razão, Fugidia. Entregar a Deus ou ao acaso a responsabilidade total pelas nossas escolhas é pura batota. Grande parte do nosso "destino" é feita por nós próprios. Mas o que sobra... é um mistério fascinante.
É, sem dúvida, Ana, fascinante :-)
PAul CLaudel dizia que "não há acaso/ todas as coincidências são significativas"
Eu sou supersticiosa, do tipo de fazer eu as superstições- risos
Júlia, e eu para saber como é isso de sermos nós próprios a fazer as superstições... :)
Vim aqui a correr, porque estou com muito pouco tempo, e só mais tarde vou ler este post; por agora só vim dizer ao Mike que, para quem se dizia não gostar de poesia, o trecho que li no «Privilégio» me deixou encantada...
Ora, Cristina, não sou fã de poesia mas há um ou outro poema de que gosto. Mas para isso tem que ser rectilíneo (será que esta palavra é apropriada?), tem que ser um poema que entenda à primeira, que não tenha que andar para trás e para a frente, a ler duas e três vezes até o conseguir "decifrar". E aquele de Fernando Pessoa é assim. Aliás, é impressão minha ou a maior parte deles é assim? :)
:-)
isto é conversa para mais logo, poeta!
Pessoa... rectilíneo??
Tem graça, Mike, fiz um comentário na Júlia ao seu belo texto a Pessoa, sobre isso mesmo. Mais um acaso, claro.
;)
Júlia, então mais logo conversemos (ou desconversemos?). :)
Ana, irei espreitar o seu comentário. Rectilíneo foi a palavra mais adequada e à mão (risos) que encontrei. :)
Mike, cheguei ao fim deste belo «post» em pulgas por saber a verdadeira história do acaso que o inspirou.:-D
O tema é perturbador. O Mike é muito positivo, toma o acaso pelo seu valor facial, mas eu não partilho inteiramente do seu positivismo. Ainda não consegui libertar-me da tendência para identificar correntes ou ciclos de sorte e de azar (como os das sete vacas, ora gordas, ora magras) e de interpretar os acasos à luz de uma espécie de predestinação individual para uma ou outro. É por isso que vou tentando não duvidar nunca da minha boa estrela, de medo que se ofenda e me abandone. :-)
P.S.: E corro a ler os vossos comentários em «casa» da Júlia.
Luísa, de facto não consigo deixar de ser positivo e tomar o acaso assim como diz, pelo valor facial. E não o acho assim tão perturbador. Acho-lhe piada. :) Aquilo que chama de sua boa estrela não difere, muito provavelmente, das boas estrelas de outras pessoas. Só que lhe chamam outra coisa. :)
As minha superstições, Mike, são feitas por mim. Eu explico: p.e., se hoje eu trouxer um vestido azul e o dia foi magnifico, concluirei que o dito vestido me deu sorte :-)Então, dará sempre! O mesmo equivale para o contrário, com um vestido preto (risos)
Com os meses do ano, eu faço assim: dia 1 de Setembro morreu m/ mãe. Todos os dias 1/9 me acontecerá algo terrivel.
deu para entender?
beijinho
Deu, Júlia. Mas com esforço, devo confessar. Não me vai levar a mal a sinceridade, pois não?
Meu Caro Mike,
pensar o acaso é sempre aliciante, por não abdicarmos de nos centrar numa pessoa, sem, contudo podermos conformar-nos com o domínio total das consequências e determinações dos seus movimentos na Vida. Um resumo da Condição Humana, enfim.
Já a superstição é uma tentativa de domarmos o Acaso, sem esforço. O que continua na mesma linha de preocupações, variando apenas os índices de confiança...
Abraço
Caro Réprobo, a sua assertividade não é, concerteza, obra do acaso. :)
Um abraço.
levar a mal? de quê, Mike? :-)
Continuo a achar que os acasos podem ser sinais. De quê, nem sempre sei. Mas sigo a minha intuição e não costumo dar-me mal.
Somos o acaso e a sua necessidade.
O acaso, já tenho pensado muitas vezes, é responsável pela maioria dos factos mais importantes da nossa vida.
Por acaso não será acaso... ;)
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