8.7.09

Preconceito é quase sempre prejuízo. Em África quase foi. Quase...






Quando atravessamos a savana, em plena região Masai, essa terra árida e intocada no interior do Quénia, não adivinhamos o que nos espera à chegada. Fiz a viagem contrariado, pensando que nada poderia compensar aquele abraço do ar quente e o afago do pó da estrada, ou o fascinante e arrebatador pôr do sol que pintava o céu de um vermelho que só África é capaz de pintar. A ideia do desvio, forçada pelo meu guia, o simpático Houstous, não me agradava, mesmo sabendo que iria pernoitar ao lado da segunda montanha mais alta de África, depois do Kilimanjaro. Tinha ido ao Quénia para ir a Mara, para viver África em todo o seu explendor e plenitude e não para me submeter às regras que me esperavam no Safari Club. Tentei demovê-lo, mas o seu poder de persuasão foi maior que o meu preconceito. Chegámos com o sol a despedir-se de nós sussurrando à lua que esperasse mais uns momentos antes de fazer a sua aparição, e que deixasse que aqueles tons vermelhos se perpetuassem. O Safari Club é um oásis naquela interminável e grandiosa savana. Um oásis requintado onde nada é deixado ao acaso e onde as regras, rígidas demais para meu gosto, me impediriam de jantar num dos salões em que a etiqueta obriga a fato escuro, imagine-se. Foi no outro salão, onde o traje casual é permitido, que jantei. Um casual restrito que fecha os olhos a umas jeans compostas, mas obriga os cavalheiros a usar um blazer. Jantei bem e não contive um acesso de rebeldia, acabando a garrafa de um bom vinho sul-africano na varanda, com uma vista magnífica para o Monte Kenya, enquanto saboreava, demoradamente, um Montecristo Churchill, tendo apenas como companhia a aragem que se ia suavemente levantando. A mesma varanda que me acolheu ao pequeno-almoço, com um cortejo de girafas elegantes a dar-me os bons dias lá ao longe, no sopé da montanha, num caminhar em que a fleuma britânica parecia notar-se. Partimos de seguida, tendo como destino a fronteira com a Tanzânia, onde o Homem, com um traço no mapa, separou as regiões de Mara e do Serengueti, para sempre unidas pela Natureza. Interrompendo o meu silêncio, o meu guia perguntou-me, olhando pelo espelho retrovisor, se tinha gostado. Respondi-lhe que tinha sido uma experiência curiosa e engraçada. "Ou seja, não gostou", respondeu-me ele de pronto. Retorqui, sorrindo e dizendo-lhe que estava grato pelo facto do seu poder de persuasão ter sido mais forte que o meu preconceito. Ele sorriu com os olhos postos na estrada poeirenta, conduzindo o jipe em mais uma jornada pela inóspita e inesquecível região Masai.

13 comentários:

Dulce Braga disse...

Como tudo na vida, uma viagem só se absorve por inteiro qdo nos deixamos permear sem barreiras preconceituosas.

Lina Arroja (GJ) disse...

Por momentos, Mike, fiquei sem saber o que pensar. Não sem palavras mas a tentar compreender o preconceito. Penso que o que quis dizer é que a sua África não tem óasis nem farpelas, é livre. E esse seu preconceito quase que o impedia de disfrutar a beleza e o relax do lugar. E isso seria, sem dúvida, um prejuízo para a sua rebeldia.:)

Catarina disse...

Muito bom texto,Mike. Gostei imenso!

Si disse...

Não posso deixar de referir o sentimento maior que me assaltou enquanto lia este texto: inveja... pura, agri-doce e funda inveja de não ter ainda tido a oportunidade de viver esta viagem, um dos sonhos que acalento poder realizar antes do Alzheimer chegar....

Patti disse...

Pronto, agora é que me irritou de vez! A minha viagem de sonho é a África, mais propriamente ao Botswana e agora vou gozá-lo forte e feio, para não andar aqui a fazer inveja às pessoas!

E começando: "Chegámos com o sol a despedir-se de nós sussurrando à lua que esperasse mais uns momentos (...)" ai que bonito, todo ele cheiiiiinho de figuras de estilo; que escrita sensível e íntima!
Mas que emotividade no correr da pena; pena essa que lhe fala ao coração e que lhe suplica, para ele a deixar deslizar pelo papel…

Patti disse...

Oh Dona SI, pague é antes o que deve lá na caixa da PresidênciA e depois africane-se toda, que eu não me ralo!
E até pode fumar os Montecristos deste senhor, se ainda lhe chegarem os aérios!!!!

Mike disse...

Como foi o meu caso, naquela viagem, Dulce. :)

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Sabe, GJ, não me estava nada a apetecer vestir um blazer e passar um momento finório, naquela viagem em especial. Mas ainda bem que deixei o preconceito para trás. :)

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Obrigado, Catarina. :)

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Inveja saudável, essa sua, Si. (risos)
O que lhe posso dizer é que não deixe de a fazer. O resto são palavras que jamais a poderiam descrever. :)

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Que má, Patti! Abra lá uma linha de crédito a 0% de juros para a Si fazer esta viagem. Olhe que essa inveja não é saudável. (muitos risos)

Mike disse...

Ó Patti, a menina é mesmo venenosa! (risada)
Digamos que África exerce em mim este domínio inexplicável... um homem não é de ferro e África... ah, África... olha... se calhar descobri a minha aldeia... (muitos risos)

Lina Arroja (GJ) disse...

Bem que eu desconfiava que tinha de ter uma Aldeia. E claro que não é nada modesto, tinha de ser o África (risos)

Lina Arroja (GJ) disse...

O Continente Africano era o que eu queria dizer...

Mike disse...

Que mania das grandezas a minha, GJ... (risada)

ana v. disse...

Gostei.

E já estou a fazer as malas, de tanta inveja...

Mike disse...

Obrigado, Ana. :)
Vais viajar daqui por dois meses, é?... por isso tens que começar a fazer as malas hoje? (risada)

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