Quando atravessamos a savana, em plena região Masai, essa terra árida e intocada no interior do Quénia, não adivinhamos o que nos espera à chegada. Fiz a viagem contrariado, pensando que nada poderia compensar aquele abraço do ar quente e o afago do pó da estrada, ou o fascinante e arrebatador pôr do sol que pintava o céu de um vermelho que só África é capaz de pintar. A ideia do desvio, forçada pelo meu guia, o simpático Houstous, não me agradava, mesmo sabendo que iria pernoitar ao lado da segunda montanha mais alta de África, depois do Kilimanjaro. Tinha ido ao Quénia para ir a Mara, para viver África em todo o seu explendor e plenitude e não para me submeter às regras que me esperavam no Safari Club. Tentei demovê-lo, mas o seu poder de persuasão foi maior que o meu preconceito. Chegámos com o sol a despedir-se de nós sussurrando à lua que esperasse mais uns momentos antes de fazer a sua aparição, e que deixasse que aqueles tons vermelhos se perpetuassem. O Safari Club é um oásis naquela interminável e grandiosa savana. Um oásis requintado onde nada é deixado ao acaso e onde as regras, rígidas demais para meu gosto, me impediriam de jantar num dos salões em que a etiqueta obriga a fato escuro, imagine-se. Foi no outro salão, onde o traje casual é permitido, que jantei. Um casual restrito que fecha os olhos a umas jeans compostas, mas obriga os cavalheiros a usar um blazer. Jantei bem e não contive um acesso de rebeldia, acabando a garrafa de um bom vinho sul-africano na varanda, com uma vista magnífica para o Monte Kenya, enquanto saboreava, demoradamente, um Montecristo Churchill, tendo apenas como companhia a aragem que se ia suavemente levantando. A mesma varanda que me acolheu ao pequeno-almoço, com um cortejo de girafas elegantes a dar-me os bons dias lá ao longe, no sopé da montanha, num caminhar em que a fleuma britânica parecia notar-se. Partimos de seguida, tendo como destino a fronteira com a Tanzânia, onde o Homem, com um traço no mapa, separou as regiões de Mara e do Serengueti, para sempre unidas pela Natureza. Interrompendo o meu silêncio, o meu guia perguntou-me, olhando pelo espelho retrovisor, se tinha gostado. Respondi-lhe que tinha sido uma experiência curiosa e engraçada. "Ou seja, não gostou", respondeu-me ele de pronto. Retorqui, sorrindo e dizendo-lhe que estava grato pelo facto do seu poder de persuasão ter sido mais forte que o meu preconceito. Ele sorriu com os olhos postos na estrada poeirenta, conduzindo o jipe em mais uma jornada pela inóspita e inesquecível região Masai.
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13 comentários:
Como tudo na vida, uma viagem só se absorve por inteiro qdo nos deixamos permear sem barreiras preconceituosas.
Por momentos, Mike, fiquei sem saber o que pensar. Não sem palavras mas a tentar compreender o preconceito. Penso que o que quis dizer é que a sua África não tem óasis nem farpelas, é livre. E esse seu preconceito quase que o impedia de disfrutar a beleza e o relax do lugar. E isso seria, sem dúvida, um prejuízo para a sua rebeldia.:)
Muito bom texto,Mike. Gostei imenso!
Não posso deixar de referir o sentimento maior que me assaltou enquanto lia este texto: inveja... pura, agri-doce e funda inveja de não ter ainda tido a oportunidade de viver esta viagem, um dos sonhos que acalento poder realizar antes do Alzheimer chegar....
Pronto, agora é que me irritou de vez! A minha viagem de sonho é a África, mais propriamente ao Botswana e agora vou gozá-lo forte e feio, para não andar aqui a fazer inveja às pessoas!
E começando: "Chegámos com o sol a despedir-se de nós sussurrando à lua que esperasse mais uns momentos (...)" ai que bonito, todo ele cheiiiiinho de figuras de estilo; que escrita sensível e íntima!
Mas que emotividade no correr da pena; pena essa que lhe fala ao coração e que lhe suplica, para ele a deixar deslizar pelo papel…
Oh Dona SI, pague é antes o que deve lá na caixa da PresidênciA e depois africane-se toda, que eu não me ralo!
E até pode fumar os Montecristos deste senhor, se ainda lhe chegarem os aérios!!!!
Como foi o meu caso, naquela viagem, Dulce. :)
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Sabe, GJ, não me estava nada a apetecer vestir um blazer e passar um momento finório, naquela viagem em especial. Mas ainda bem que deixei o preconceito para trás. :)
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Obrigado, Catarina. :)
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Inveja saudável, essa sua, Si. (risos)
O que lhe posso dizer é que não deixe de a fazer. O resto são palavras que jamais a poderiam descrever. :)
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Que má, Patti! Abra lá uma linha de crédito a 0% de juros para a Si fazer esta viagem. Olhe que essa inveja não é saudável. (muitos risos)
Ó Patti, a menina é mesmo venenosa! (risada)
Digamos que África exerce em mim este domínio inexplicável... um homem não é de ferro e África... ah, África... olha... se calhar descobri a minha aldeia... (muitos risos)
Bem que eu desconfiava que tinha de ter uma Aldeia. E claro que não é nada modesto, tinha de ser o África (risos)
O Continente Africano era o que eu queria dizer...
Que mania das grandezas a minha, GJ... (risada)
Gostei.
E já estou a fazer as malas, de tanta inveja...
Obrigado, Ana. :)
Vais viajar daqui por dois meses, é?... por isso tens que começar a fazer as malas hoje? (risada)
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