30.4.09
Sabedoria popular: entre a realidade e o que devia ser.
Há dias deparei-me com um post num blog de que gosto e deixei um comentário em que manifestei o facto de ser avesso aos ditados populares. Logo eu que fui educado por uma mãe que, volta e meia, fazia uso de ditados em que a sabedoria popular é pródiga. Ao meu pai não me lembro de ouvir ditados, mas ela ainda os usa. E rimo-nos porque quando o faz já sabe qual é a minha reacção. A Sum (autora do texto) não me questionou sobre as razões que me levam a ser avesso aos ditados populares, mas depois de amadurecer a ideia, resolvi trazê-la para aqui, desconversando sobre o assunto. A sabedoria popular não falha, traduz a realidade das coisas. Pudera, é feita de experiência, de vivência. Mas em meu entender traduz a realidade e não o que devia ser, tornando-se demasiadas vezes em exemplos a não seguir. Vamos a eles? Isto não é o meu forte, mas vou arriscar. Cá se fazem, cá se pagam. Que linda coisa para se dizer e ensinar aos nossos filhos. Como o quem parte e reparte e não fica com a melhor parte, ou é tolo ou não tem arte. Bonito, depois queremos que eles saibam partilhar. Quem meus filhos beija, minha boca adoça. Até se chegar à conclusão de não se gostar da rapariga que namora com o filho. E quando se zangam as comadres? Descobrem-se as verdades. Porque até aí imperavam as mentiras. Também há o entre marido e mulher não se mete a colher. Pois não, por isso é que algumas apanham deles, os vizinhos ouvem, os amigos sabem, mas o malvado continua impune. Ou ao menino e ao borracho põe Deus a mão por baixo. Cada vez menos, que o Senhor tem muito trabalho e muitas coisas que o preocupem, e quem conduz não devia beber e quem não presta atenção aos meninos arrepende-se, às vezes amargamente e irreversivelmente. Manda quem pode e obedece quem deve? Creio que o verbo dever devia estar associado ao mandar. Se assim fosse talvez não nos queixássemos tanto da incompetência de quem manda porque pode. O pior cego é aquele que não quer ver? Experimentemos dizer isso a quem é cego. Ou dentro do convento sabem os que lá estão dentro, como eu próprio já usei. Saberão? Falo por mim, que já passei por dois divórcios. A educação dos nossos filhos orienta-se, em grande parte, pela partilha das nossas experiências de vida, mas eu uso muito pouco, ou quase nada, os ditados populares. E creio que cada vez se usam menos. Percebo porquê. Porque os tempos mudam, evoluem e, quer se queira, quer não, o que era válido ontem já não o é hoje, e o que é hoje pode não vir a ser amanhã. A sabedoria e os ditados populares, perdoem-me as pessoas que cultivam as tradições e que têm o meu respeito, não fosse a minha mãe uma delas, têm muitas vezes para mim, que até tenho um péssimo olfacto, um cheiro a naftalina. A naftalina que é usada em muitas coisas que já não são a realidade, ou o que deviam ser. Por falar em naftalina, hei-de escrever sobre museus. Escrever e desconversar.
29.4.09
As mulheres, o Diabo e o Anjo. (VI)
Considero-me, por natureza e ensinamentos, um condutor cauteloso, aquilo a que os ingleses chamam safe driver. A isso acrescem os trinta e um anos de carta de condução, mais trinta e sete de condução (não, não me enganei), para além de muitas centenas de milhares de quilómetros palmilhados não só em Portugal, mas por essa Europa fora. As passadeiras dos peões são sagradas para mim, apesar de nem sempre o serem para eles próprios. São sagradas e clamam por uma atenção redobrada quando atravessadas por idosos, jovens, ou qualquer ser humano que continue a falar ao telemóvel enquanto as atravessa. São raríssimas as vezes que retomo a marcha sem que os peões estejam no passeio, malgrado as buzinadelas com que sou, amiúde, brindado. No caso dos idosos porque fico sempre com a sensação que se podem desequilibrar, nos outros casos porque a sensação é outra, a de inversão repentina da marcha dos peões distraídos. Adiante, que tenho uma história para contar e daqui a nada não tenho leitores para a ler. Hoje de manhã parei numa passadeira para deixar que uma senhora idosa, apoiada numa bengala, a atravessasse. Segui à risca os procedimentos que descrevi, só que ela se desequilibrou e tombou na passadeira, à minha frente. Accionei os quatro-piscas, saí do carro e fui socorrê-la. Estava calma e aparentemente bem, apesar do tombo. Aproximaram-se populares e podem imaginar o que se seguiu enquanto me inteirava do estado da senhora. Passei de suspeito a arguido e de arguido a réu à velocidade do ponteiro dos segundos do relógio. E de réu a culpado em menos de um minuto. Mantive-me calmo, ignorando o veredicto dos jurados, e concentrando-me na senhora que já estava de pé ao meu lado. Quando estava prestes a ser condenado eis que se levanta a voz protectora da “atropelada” em minha defesa, num fazem o favor de se calar e pararem de dizer disparates? não têm mais que fazer? vão à vossa vida e deixem o moço em paz que a culpa não foi dele, foi destas minhas cansadas pernas. Ofereci-lhe o meu braço, que ela aceitou com um sorriso e, imunes ao trânsito, às buzinas e ao ajuntamento, fomos para o passeio. Já composta e com um sorriso que fez adivinhar uma mulher outrora muito bela, mas ainda bela, olhou-me nos olhos, enquanto alisava as vestes, e seguiu-se um rápido e aprazível diálogo.
Ó filho diga-me uma coisa, estou muito despenteada?
Não, a senhora continua impecável e está linda, quero dizer, é muito bonita. Tem a certeza que está bem?
Eu estou óptima e já ganhei o dia, por ter estado nos braços de um jovem tão garboso.
Ora essa, simpatia sua.
Ela, um anjo de senhora, retorquiu, após um suspiro e um sorriso maroto, que gostava de saber a que horas da manhã eu passava por ali para atravessar a passadeira à mesma hora. Sorri, disse-lhe a hora e despedimo-nos. O trânsito estava um caos, mas o tribunal popular já tinha debandado. Pelo sim, pelo não, amanhã tomo outro caminho para o escritório, não vá cruzar-me de novo com aquele anjo de senhora. Anjo? Não restem dúvidas para ninguém que era uma senhora.
Ó filho diga-me uma coisa, estou muito despenteada?
Não, a senhora continua impecável e está linda, quero dizer, é muito bonita. Tem a certeza que está bem?
Eu estou óptima e já ganhei o dia, por ter estado nos braços de um jovem tão garboso.
Ora essa, simpatia sua.
Ela, um anjo de senhora, retorquiu, após um suspiro e um sorriso maroto, que gostava de saber a que horas da manhã eu passava por ali para atravessar a passadeira à mesma hora. Sorri, disse-lhe a hora e despedimo-nos. O trânsito estava um caos, mas o tribunal popular já tinha debandado. Pelo sim, pelo não, amanhã tomo outro caminho para o escritório, não vá cruzar-me de novo com aquele anjo de senhora. Anjo? Não restem dúvidas para ninguém que era uma senhora.
Entre ciúmes, acho que tenho tido sorte.
Receio ou despeito de certos afectos não serem exclusivamente para nós. Inveja, receio. Isto não é nada bonito, nada mesmo. E se não é nada bonito, eu devia ter vergonha, mas não tenho. Sempre admiti que sou ciumento, não aquele ciúme com os filhos ou com os amigos, mas aquele ciúme com mulheres, com a minha e outros homens. “A minha” já soa mal e lido, então, nem é bom falar. Ciúme, aquela coisa parva que não sabemos explicar, sem conseguirmos encontrar as razões para ela, e sem que alguém nos dê, objectivamente, motivos para tal. E o pior é que, para além de assumir, sempre manifestei os meus ciúmes. Uma tolice pegada. Dou por mim a implicar com uma saia – não tens uma saia mais curta? podias levar um cinto dos meus, ou com um decote mais ousado – podias tapar-te mais um bocadinho, não vá alguém ficar com problemas de visão. Isto para não falar de trocas de olhares, conversas entre sorrisos com outros homens. Mas tenho tido sorte, porque estes meus ciúmes sempre tiveram como resposta um sorriso ou uma gargalhada, um beijo ou um afago e um tchau não sejas assim, com um alegre bater de porta no meu nariz. Por vezes fico com a sensação que não me levam a sério, ou que os meus ciúmes até são bem vindos. Vá-se lá perceber as mulheres. Eu já desisti de as tentar entender, como por exemplo os anjos que, a certa altura, desistem de tentar compreender o diabo. Fico-me com os meus ciúmes e não tenho que me lamentar porque, assim como assim, até tenho tido sorte. Talvez haja ciúmes e ciúmes, sei lá, e os meus sejam apenas ciúmes.
28.4.09
Gosto das mulheres de Botero.
Respira fundo porque está decepcionada? Ou olha pela janela à espera do homem que ainda não chegou? Pelo (pouco) trajar dir-se-ia que o espera uma boa surpresa, mas pelo olhar (de poucos amigos) adivinha-se um exigir de explicações seguido de uma inevitável briga. Mas se ainda é dia, estará a vê-lo partir, destroçada? Destroçada ou a pensar que nunca mais o quer ver? Não se consegue perceber se a cama está feita ou desfeita, e isso é um pormenor importante. Será que é assim tão importante? Fico sempre intrigado. O que sente e em que estará a pensar tão encantadora e fascinante criatura, de formas belas e generosas, postura irrepreensível e coxas roliças? Será que é o ar misterioso que a torna ainda mais deliciosa? Não sei, deve ser de tudo um pouco, mas, definitivamente, gosto das mulheres de Botero.
27.4.09
24.4.09
Ele há butiques e putiques.
Não me dei ao trabalho sequer de pesquisar sobre a Daslu. Escreverei apenas breves linhas fundamentadas no que li e me disseram sobre a Daslu, enquanto vivi nessa imensa metrópole que é São Paulo. Muito provavelmente, e tendo em consideração a velocidade a que tudo acontece, ou pelo menos acontecia na minha querida Sampa, algo pode ter mudado relativamente a essa mega butique de luxo onde as mais famosas grifes do mundo marcam presença. Armani, Calvin Klein, Gucci, Prada, Salvatore Ferragamo, Dior, Chanel, Balenciaga, Cartier, Manolo Blahnik. Pensem noutras marcas de luxo, sejam elas de roupa, acessórios, sapatos, jóias ou relógios e certamente as encontrariam na Daslu. A cadeia de restaurantes Buddha Bar abriu lá um restaurante e o empresário João Paulo Dinis não lhe quis ficar atrás com a Forneria San Paolo. Até helicópteros se podem alugar ou comprar. O fascínio do luxo na sua expoente máxima. Em 2005, já eu tinha regressado do Brasil, foi criada uma grife com o objectivo de gerar recursos para projectos da ONG Davida. Nasce a Daspu, um nome nada inocente e provocativo que não esconde, antes assume, sem vergonha, a profissão das suas empresárias: prostitutas do Rio de Janeiro. A Daspu é uma marca com notoriedade e o resultado das vendas desta já bem sucedida empreitada, reverte para projectos sociais e culturais da associação. Que os brasileiros são, genericamente e naturalmente, mais criativos que nós já eu sabia e tive a oportunidade de confirmar quando vivi em São Paulo. Que lá também existe a palavra preconceito, é uma verdade. Mas projectos deste teor fazem-me reflectir para além da genuína capacidade inventiva, conduzindo a minha reflexão, e admiração, à análise da capacidade empreendedora. Muito mais poderia ser escrito, aprofundando este case, analisando-o para além da criatividade e do empreendorismo e reflectindo sobre o fenómeno social, de mentalidades e dos tais preconceitos que há em todo o lado. A ponto de me ter lembrado de uma célebre frase do JFK que, adaptada às circunstâncias daria qualquer coisa do tipo "não perguntem o que o vosso país pode fazer por vocês, mas sim o que vocês podem fazer por vocês próprias". Fico-me por aqui, mas agrada-me saber que há países onde há boutiques de luxo e putiques.
23.4.09
Chegou um envelope dos EUA para a Júlia.
Quando os produtos se orgulham do seu ADN.
Fazendo algo que não é nada habitual em mim, hoje resolvi olhar para o passado e escrever sobre publicidade. Não para fazer uma apologia a tempos que já não fazem parte do presente, mas porque o ADN é algo impossível de ser renegado, mesmo para os que não sintam orgulho nele. Mas uma coisa é não poder renegá-lo, outra é assumi-lo. Quando falamos de marcas e produtos, e nos tempos que correm, sendo inegável que eles correm literalmente, nem sempre o ADN, aquela coisa que mais não é que a origem e o que contribui para legitimar promessas feitas no presente e criar expectativas seguras para o futuro, é assumido com coragem e frontalmente. Uma das marcas que mais admiro fê-lo dessa forma, não omitindo de onde vem e onde está, e deixando os consumidores confortáveis por mostrar saber para onde vai. O pretexto para o fazer foi o lançamento da sexta geração de um produto que já fez história ao ultrapassar o número mítico de produção do Carocha. A vida do Volkswagen Golf está intimamente ligada à vida de milhões de pessoas, não pela utilização funcional que se dá a um automóvel e sim pelos laços emocionais que se foram criando ao longo do tempo, e de seis gerações de um produto cuja história recente já se confunde com a da própria marca.
22.4.09
Coisas de meninas?
Pai, quando me deres a mesada de Dezembro podias dar-me também a de Janeiro.
Porquê?
Porque sim.
Porque sim não é resposta.
Deixa lá, se não quiseres dar-me, não dês.
Anda cá minha menina, que conversa é essa?
Deixa lá pai.
Eu tenho aqui as mesadas, só estou à espera que me dês uma boa razão para tas dar.
Ah, esquece, coisas de meninas, não ias entender.
Porquê?
Porque sim.
Porque sim não é resposta.
Deixa lá, se não quiseres dar-me, não dês.
Anda cá minha menina, que conversa é essa?
Deixa lá pai.
Eu tenho aqui as mesadas, só estou à espera que me dês uma boa razão para tas dar.
Ah, esquece, coisas de meninas, não ias entender.
(...) ????
(Afinal estava a juntar dinheiro para comprar um pc. E desde quando um pc é uma coisa de meninas? Meninas de dez anos... já me tinha esquecido disso... estou frito!)
Desabafo com alguns meses, depois de uma tentativa de diálogo com a minha mais nova.
(Afinal estava a juntar dinheiro para comprar um pc. E desde quando um pc é uma coisa de meninas? Meninas de dez anos... já me tinha esquecido disso... estou frito!)
Desabafo com alguns meses, depois de uma tentativa de diálogo com a minha mais nova.
21.4.09
As mulheres, o Diabo e o Anjo. (V)
Onde vamos?
Leva-me apenas, leva-me para onde quiseres.
Não digas isso outra vez.
Porquê?
Porque te levo para minha casa.
(silêncio)
(Ela pensativa. Quem me fala assim? será um Anjo ou o Diabo? Deve ser um Anjo, porque me sinto segura e serena. Serena? mas se me tremem as pernas só de me sentir olhada por ele... aquele olhar que me despe não pode ser de um Anjo. Deve ser o Diabo. E se me sinto nas nuvens ao pé dele, tem que ser um Anjo. Mas se ardo de desejo, ele só pode ser o Diabo. O rosto é angelical mas o sorriso é diabólico.)
Dá-me um beijo.
(Ela deu, atordoada, sonhando que beijava um Anjo mas sentindo que era beijada pelo Diabo. E entregou-se ao desejo. Sem pudor. Numa derradeira e infrutífera tentativa, mas já sem conseguir pensar, apenas se lembra de ter perguntado em silêncio... quem és tu homem? Um Anjo ou o Diabo?)
20.4.09
Gran quê?
Há filmes sobre a vida que só estão ao alcance de alguns predestinados. Há outros filmes sobre a vida que jamais seriam o que são, se esses predestinados tivessem menos de cinquenta anos. A história escrita por Dave Johannson não seria nunca passada ao cinema de forma tão soberba se não fosse o Clint Eastwood a dirigi-la, e não fosse ele próprio a vestir a pele de Walt Kowalski. Acredito, acredito mesmo, por alguns planos e inúmeros detalhes de realização, pelos limites impostos nas fronteiras dos diálogos carregados de humor intenso, daquele em que não sabemos se choramos ou se rimos, ou se o fazemos simultaneamente, dizia eu, que acredito mesmo só ser possível atingir essa dimensão, em que a vida é retratada de forma tão crua e profunda, e ao mesmo tempo leve e simples, quando se está no limiar dos setenta e nove anos. Gran quê? Grande actor, grande realizador, grande filme!
19.4.09
Rua Haddock Lobo, 1738, São Paulo.
Somos recebidos por uma majestosa figueira que, dizem, tem mais de cento e trinta anos. São cinquenta metros de altura e oito metros de diâmetro de árvore, e uma sombra que nos apazigua e nos estende os braços quando chegamos. O restaurante, com uma concepção descontraída sem abdicar de uma atmosfera sofisticada, convida a uma refeição no exterior, sem antes passar pelo Oyster Bar, onde nos são servidas ostras frescas que chegam diariamente de Santa Catarina, preparadas com molhos de ervas e acompanhadas por champagne. O Figueira resgata a cozinha primitiva dos fornos feitos de barro e das panelas de ferro. O resultado são deliciosos pratos originais, como o pargo assado, o polvo aplastado, o caixote marinho (polvo, vieiras, camarão, lula e peixes), o nhoque de batata com ossobuco e a bisteca de vitela, levados à mesa em cumbucas marroquinas e travessas francesas de ferro esmaltado. Uma cozinha requintada, feita de contrastes e para ser saboreada sem que o tempo dê sinais de si, acompanhada por uma das sete mil garrafas de vinho da garrafeira a que a revista Wine Spectator atribuiu o prémio Best of Ward of Excellence. A sobremesa é um momento único, ao qual nos entregamos incondicionalmente. A mousse de maracujá não nos deixa pensar e deixamos que o tempo passe sem pressa, que os puros e as conversas não foram feitos para correrias e sim para serem apreciados. Como o Figueira, um dos melhores e mais belos restaurantes onde já estive.
17.4.09
Bar de engate.
Um texto sobre separações e casamentos, postado há dias, gerou comentários interessantíssimos e muito divertidos, sendo que um desses comentários (anónimo), me deixou a pensar sobre o fenómeno bar de engate. Bar de engate é um conceito algo estranho mas real. E é um conceito retrógado usado por pessoas que andam perto dos quarenta ou já passaram por eles. Mas continua válido nos dias de hoje, se bem que com outros nomes. Os meus filhos mais velhos, a quem pedi a opinião sobre o tema, disseram-me que bar de engate pode ser qualquer lugar, e deram como exemplos mais bizarros, o supermercado, o ginásio, a praia e até a igreja, imaginem. Mas é estranho o significado pejorativo que lhe está associado, como algo de ilícito, reprovador ou condenável. Isolemos as palavras e esqueçamos a palavra inocente que é bar. Concentremo-nos em engate, palavra utilizada por jovens de muitas gerações. O Manel engatou a Maria, faz do Manel e da Maria o quê? Dois proscritos desmiolados? Dois adolescentes inconsequentes? Dois jovens apaixonados? Um Manel afoito e uma Maria romântica? O que quer que seja, o Manel engatou, e a Maria quis e deixou-se ser engatada. Engate associado a bar soa mais estranho e faz com que alguns sobrolhos se ergam. No bar de engate não existe inocência. Quem lá está sabe ao que vai. Engatar ou ser engatado. Alguém quer atirar a primeira pedra a quem lá vai? Eu não, que dispenso moralismos hipócritas. Mas mais estranho ainda é considerar a blogosfera como um bar de engate. Um bar virtual onde as pessoas são obrigadas a comentar, mesmo que não queiram, são seduzidas à força por alguém que nunca viram, ou lhes tenham apagado, como que por magia, os traços das fronteiras com que sempre regeram as suas condutas. Alguém lúcido ou de boa índole acredita nisto? Adultos a brincar aos adolescentes inconscientes? Não me parece. Neste bar virtual que alguns consideram de engate, só está e só é engatado quem quer. Na blogosfera, entre adultos, faz-se exactamente o mesmo que se fazia antes dela existir. Debatem-se assuntos sérios, têm-se conversas descontraídas, filosofa-se, partilham-se fotografias e experiências, ri-se com superficialidades, há quem chore e, provavelmente, há quem engate, há quem queira ser engatado e há quem se deixe engatar. Claro que seria mais glamoroso chamar à blogosfera um local de cultura, de informação, de lazer, ou de outras coisas mais próprias e politicamente correctas. Mas a blogosfera, tal como a vida, não é assim. Há blogs para tudo, resta a quem aqui anda saber por onde quer andar. Ou será que há alguma coisa que me está a escapar? Não serão concerteza as mentes prevertidas e doentias de pessoas frustradas e complexadas, que vêem bares de engate, onde eles porventura existem, mas também onde não os há. E também não me devem estar a escapar o moralismo hipócrita sob a capa de uma modernidade decadente, ou o cinismo trajado de ideias que habitam em mentes ditas abertas mas que nunca se abrirão. Posto isto, agora sim, vou de fim-de-semana sorridente e feliz, apesar da Primavera, a estação do ano que menos gosto, estar a ser exactamente o que ela sempre foi. Como os bares de engate.
16.4.09
2 + 2 + 1 = 1
A maior parte das pessoas vai-se desdobrando no dia-a-dia, uns mais, outros menos, numa actividade que o bom senso aconselha a relativizar. Não fujo à regra e, mesmo nos dias em que me sinto perdedor nesse desafio constante às vinte e quatro horas do movimento de rotação da Terra, relativizo, bastando-me para tal pensar que há sempre alguém que sai mais perdedor. Com o mal dos outros podemos nós bem? Por vezes aplico esse pensamento, cuidando que ele não se apodere de mim em definitivo. Num desses dias em que a reflexão se sobrepõe à acção, dei comigo a pensar nos meus filhos e na minha vida, que as pausas também servem para isso. E descobri uma responsabilidade acrescida, apesar dela me levar a uma conduta diária, sem que tivesse absoluta e profunda consciência disso. Abençoei essa descoberta, fruto de uma realidade que, felizmente, é pouco comum. A quem cabe garantir a coesão familiar quando existem crianças de dois casamentos, como é o meu caso? Ao pai. A mim. Há coisas em que um homem, ou uma mulher, estão por vezes sozinhos. Pequenas grandes coisas que passam despercebidas até as vermos como elas são. Esta casa, a nossa casa, com tudo o que ela representa para além, mas também, do espaço físico, é um dos pilares do nosso núcleo familiar. Dir-me-ão que são todas. É verdade, mas esta é mais do que outras. Porque de facto é, e porque tem que ser. Tal como essa responsabilidade acrescida de ser o pilar, para além do exercício do papel que cabe, ou devia caber a todos os pais, de duas famílias que a vida (desculpa-me passar-te as culpas, ó vida, que me dá jeito agora que escrevo), dizia eu, de duas famílias que a vida separou para se tornarem, no meu caso, uma só, e que a vida se encarrega todos os dias de unir. Está visto que a matemática e a vida nem sempre convergem. Se matematicamente o resultado da soma é igual a cinco, pelo menos na minha vida o resultado é um, ou melhor, uma família unida.
15.4.09
Programa de rapazes.
Os homens podem esperar pelo programa deles, que hoje foi de rapazes, com a pista do kartódromo de Palmela só para mim e para o mais velho. Decidimos começar com karts 160 (os ditos normais) para warming up, que a pista conhecêmo-la bem. Cada centímetro de asfalto, curva, trajectórias de aproximação, pontos de travagem e aceleração. Depois de quinze minutos para aquecer, seria a vez de conduzirmos os pró-kart de dois motores, uns animais que fazem mais de 100 km/h no fim da recta da meta, o que nos faz chegar a uma velocidade vertiginosa, para amadores como nós, à primeira curva do circuito. Sem precisar de aviso prévio, lá chegaram, à laia de briefing, os conselhos de quem sabe mais que nós. A pista ainda estava húmida em alguns pontos, o asfalto estava frio e os pneus jamais atingiriam a temperatura ideal que proporcionasse a aderência habitual dos sliks. Atirámo-nos à pista que nem loucos e divertimo-nos como só os rapazes o sabem fazer. O Mike júnior contabilizou uns quantos piões, fruto da vontade de querer andar cada vez mais depressa. O pai andou muito depressa e bem, sem piões a contar para a estatística. E como lap time never lies, numa das voltas ficaram registados 61 segundos, num circuito onde os muito bons fazem 58 segundos. Tendo em consideração as condições atmosféricas e da pista, não está nada mal. Gosto destes programas de rapazes!
14.4.09
Evil is on details.
Se o assunto requer sensibilidade é natural que as mulheres estejam lá. Creio que todos concordamos com isso. Se é do sexto sentido que se discute, é de mulheres que se trata. Acredito que ninguém levante dúvidas sobre isso. Se estamos em presença de uma questão minuciosa, quem se atreve a dizer que não há mulheres envolvidas? Se é de detalhe que se fala, está fora de questão duvidar que as mulheres sejam ouvidas e estejam presentes. Também ninguém ousa questionar que na vida, seja o assunto pessoal ou profissional, Evil is on details. E se Evil is on details, então quem será, quase sempre esse Evil? Alguém tem dúvidas? Creio que não.
Já me devo ter separado para aí umas 5 vezes e ter casado outras tantas.
A afirmação não é minha, mas não me importava que fosse. Aliás, até gostaria que tivesse sido. A frase, não sendo exactamente esta, título de um artigo que não resisti ler há uns anos, é de um professor de psicologia que se especializou em terapia matrimonial e que, lastimavelmente, não me recordo do nome. Esta mesma frase vem a propósito de uma animada conversa sobre a vida dos casais e dos difíceis equilíbrios que se procuram e nem sempre se encontram. Ao longo da vida, essa que mesmo não sendo madrasta, vai espalhando armadilhas pelo percurso que o casal trilha, nem sempre é possível, ou quase sempre é impossível, que os projectos individuais sejam convergentes, ou que os interesses e afinidades sejam coincidentes. É nesse momento, mais do que em algum outro, que os equilíbrios, por vezes instáveis, são fundamentais. Podemos chamar-lhes défice de paixão, falta de amor ou compreensão, mas para mim as palavras-chave são equilíbrio e competência, com experiência à mistura, claro. O artigo do professor, minuciosamente retratado e com humor, esclareceu-me à medida que o ia lendo. Na verdade, ele e a mulher estavam casados há mais de trinta de anos e tinham um casamento feliz, com muitos mais altos que baixos. Ele e a mulher, de acordo com o seu ponto de vista, já se tinham separado e casado vários vezes, sem nunca nenhum dos dois ter saído de casa. Sem terem tido necessidade de abdicar das suas individualidades e das suas expectativas, à medida que os anos e a vida em casal prosseguia o seu percurso. A certa altura, nesse excelente texto, ele perguntava porque é que as mulheres quando se separavam iam ao cabeleireiro fazer um corte de cabelo diferente ou mais radical, escolhiam um verniz para as unhas mais sexy, passavam a usar roupa mais sedutora, vestiam saias dois dedos acima, maquilhavam-se com mais cuidado ou davam mais atenção aos seus corpos. Ou porque é que os homens tratavam de ir ao ginásio mais vezes, num firme propósito de perder a barriga e os pneus, ficavam mais elegantes, até no vestir, riam-se mais, passavam a ser mais atenciosos, compravam a mota com que sempre tinham sonhado e revelavam uma independência que outrora parecia não existir. E termina, o professor, com uma derradeira pergunta depois destas duas: porque será que o homem e a mulher só fazem isso depois de se separarem? porque não o fazem enquanto são casal? Ele e a mulher fizeram-no, por acreditarem que o casamento é o princípio e não o fim de alguma coisa. Eu direi que eles encontraram um invejável equilibrío e foram extraordinariamente competentes.
13.4.09
Manoel de Oliveira e eu.
Tem aquilo que se costuma dizer uma bonita idade, o senhor. Não vejo como cem anos possam ser uma bonita idade, mas adiante. Julgo tratar-se de um realizador de que os portugueses se orgulham e muitos até veneram. Pois bem, quem serei eu para me opor com conhecimento de causa a tais sentimentos ou apreciação, quando está em causa um realizador com tal reputação? Respondo eu próprio a esta pergunta. Não serei ninguém. É que eu nunca vi nenhum filme do Manoel de Oliveira. E não conto ver, a não ser, cruzes, credo, canhoto, que algum carrasco seja incumbido de me torturar, preparando-se para me arrancar as unhas, partir-me os dedos ou enveredar por outras sevícias mais dolorosas. A outra possibilidade seria pagarem-me uma boa maquia de dinheiro para assistir a um filme do Manoel de Oliveira. Aí sim, ponderaria, bastando para tal o montante ser atractivo. Não vendo a alma ao Diabo, mas caramba, alugar não é vender e deixa-nos sempre em aberto a hipótese de a reaver. Mas essas possibilidades são remotas, ou praticamente impossíveis, por isso a possibilidade de algum dia ver um filme do famoso realizador português é igualmente remota. Será como que uma espécie de troféu, que reconheço de pouca ou nenhuma utilidade, que se transformará em cinzas como eu e comigo.
10.4.09
Bom fim-de-semana.
9.4.09
I'm back.
Sou um privilegiado e, porventura, um homem invejado. 99,9% dos meus comentadores são comentadoras. Mas não é só isso que faz de mim um privilegiado e sim a qualidade dos comentários, a genuína simpatia e o interesse por dois dedos de conversa descontraída, ou seja, de desconversar. Durante esta pausa atirei-me ao Kit Kat, num prolongado regime que teve surpreendentes consequências abdominais. Não foi preciso fazer 300 abdominais diariamente, apenas trabalhar muito, desafiar a voracidade dos ponteiros do relógio, cuidar das crianças e das que já não são crianças, e comer Kit Kat. Um quotidiano recomendável, portanto. O único peso que sentia a mais era o da consciência, por ter feito esperar em demasia quem desconversar aprecia. Estou de volta e aproveito para desejar a todos (ou será a todas?) uma Páscoa Feliz, com muito Kit Kat.
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