Considero-me, por natureza e ensinamentos, um condutor cauteloso, aquilo a que os ingleses chamam safe driver. A isso acrescem os trinta e um anos de carta de condução, mais trinta e sete de condução (não, não me enganei), para além de muitas centenas de milhares de quilómetros palmilhados não só em Portugal, mas por essa Europa fora. As passadeiras dos peões são sagradas para mim, apesar de nem sempre o serem para eles próprios. São sagradas e clamam por uma atenção redobrada quando atravessadas por idosos, jovens, ou qualquer ser humano que continue a falar ao telemóvel enquanto as atravessa. São raríssimas as vezes que retomo a marcha sem que os peões estejam no passeio, malgrado as buzinadelas com que sou, amiúde, brindado. No caso dos idosos porque fico sempre com a sensação que se podem desequilibrar, nos outros casos porque a sensação é outra, a de inversão repentina da marcha dos peões distraídos. Adiante, que tenho uma história para contar e daqui a nada não tenho leitores para a ler. Hoje de manhã parei numa passadeira para deixar que uma senhora idosa, apoiada numa bengala, a atravessasse. Segui à risca os procedimentos que descrevi, só que ela se desequilibrou e tombou na passadeira, à minha frente. Accionei os quatro-piscas, saí do carro e fui socorrê-la. Estava calma e aparentemente bem, apesar do tombo. Aproximaram-se populares e podem imaginar o que se seguiu enquanto me inteirava do estado da senhora. Passei de suspeito a arguido e de arguido a réu à velocidade do ponteiro dos segundos do relógio. E de réu a culpado em menos de um minuto. Mantive-me calmo, ignorando o veredicto dos jurados, e concentrando-me na senhora que já estava de pé ao meu lado. Quando estava prestes a ser condenado eis que se levanta a voz protectora da “atropelada” em minha defesa, num fazem o favor de se calar e pararem de dizer disparates? não têm mais que fazer? vão à vossa vida e deixem o moço em paz que a culpa não foi dele, foi destas minhas cansadas pernas. Ofereci-lhe o meu braço, que ela aceitou com um sorriso e, imunes ao trânsito, às buzinas e ao ajuntamento, fomos para o passeio. Já composta e com um sorriso que fez adivinhar uma mulher outrora muito bela, mas ainda bela, olhou-me nos olhos, enquanto alisava as vestes, e seguiu-se um rápido e aprazível diálogo.
Ó filho diga-me uma coisa, estou muito despenteada?
Não, a senhora continua impecável e está linda, quero dizer, é muito bonita. Tem a certeza que está bem?
Eu estou óptima e já ganhei o dia, por ter estado nos braços de um jovem tão garboso.
Ora essa, simpatia sua.
Ela, um anjo de senhora, retorquiu, após um suspiro e um sorriso maroto, que gostava de saber a que horas da manhã eu passava por ali para atravessar a passadeira à mesma hora. Sorri, disse-lhe a hora e despedimo-nos. O trânsito estava um caos, mas o tribunal popular já tinha debandado. Pelo sim, pelo não, amanhã tomo outro caminho para o escritório, não vá cruzar-me de novo com aquele anjo de senhora. Anjo? Não restem dúvidas para ninguém que era uma senhora.
29.4.09
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14 comentários:
Mas...Além de si estava também um jovem garboso???
Quem era ele?
(Desculpe... não resisti)
(risos)
Então, Margarida? o jovem garboso era eu... e aos olhos de uma bela senhora. (mais risos)
Ah, se eu não conhecesse o diabinho que é o jovem tão garboso...
Hum... pelo sim pelo não, tome outro caminho amanhã, Mister!
(sorriso cândido)
(agora a sério: :-) )
Fugidia, o jovem garboso sou eu, por isso não pode ser um diabinho, ora. (sorriso anjelical)
Mas vou tomar outro caminho amanhã, sim. :D
Pois eu nem acreditei, quando a minha avó chegou hoje a casa toda esbaforida, com os ganchos mal colocados e as muletas arranhadas e me disse, ai filha que eu acho que conheci o senhor Mike!
A sério avó? E como é que sabe?
Oh filha, pela maneira como guiava o Volkswagen, mais parecia que pensava que estava lá naquelas pistas dos karts!
O que me valeu, foi um anjo muito garboso que me salvou, benzóDeus!
Não é diabinho?!?!
Humpfrrttt!, quem não o conhece...
(fugindo, a anjinha - eu, claro! :-D)
Patti, a sua avó é uma senhora muito bonita e com um espírito irresistível. :)
E não faça conta, que ela ainda devia estar baralhada com a figura do jovem garboso, quero dizer, do anjo garboso. :D
Eeeuuuu, Fugidia? Ó menina, eu sou um anjo... ó para mim... (sorriso completamente angelical)
Um anjinho mesmo. Está autorizado a me "quase atropelar" quando vier pro Bananão. Só pro jovem garboso me dar o braço. ;)
Beijinhos
Que história, ah ah ah...
Aposto que já haviam apostas a correr entre a multidão, para ver com quantas bengaladas o Mike iria ser brindado.
(sem cuspidela. por respeito à senhora)
:-)
Esses «tribunais populares» são arrepiantes, Mike. A mim, aconteceu-me um dia ser «atropelada» por um peão embriagado, que se atirou do passeio sobre o meu carro (praticamente parado numa bicha compacta), me amachucou ligeiramente as traseiras e desmaiou. Foi quase a mesma cena. Felizmente contei com duas salvações: várias testemunhas presenciais, incluindo um polícia, que saltaram em minha defesa, e a choradeira insana em que rompi, convencida de que tinha morto o indivíduo. Não há como umas lágrimas femininas, bem grossas e sentidas, para amaciar corações, até os de um exaltado «tribunal popular».
Quanto ao Mike, esta cena deixa-me sem saber se é anjinho ou diabinho. Mas confirma-me a certeza que já tinha de que é um cavalheiro!!!!!!!!!!
;-D
Marie, sou anjinho mesmo... como você me entende... :)))
E eu sou o jovem garboso que dá o braço depois de quase atropelar. (risos)
Pode crer, Sandro. O que vale é que me abstraí da cena à minha volta e concentrei-me no anjo que tinha tombado. Um abraço (sem cuspidela, desta vez).
Ah, as lágrimas de uma senhora produzem milagres, Luísa. Mas como os rapazes não choram... ;)
Ó Luísa a cena que se passou apenas devia contribuir para confirmar que se há anjos, eu sou um deles. ;D
E obrigado pelo elogio. :)
Mike...porque foge da Senhora indefesa, se ela nem pode correr atrás de si... não seja mau e vá lá passar todos dias e dizer um "olá" à bonita Senhora!
beijinho
Lady Bird, ela não pode correr atrás de mim, mas pode cair-me nos braços... ;D
Imagino a cena... esses tribunais populares são temíveis e formam-se num ápice, com toda a gente a dar opiniões e a fazer juízos infalíveis. Mas ajudar... nada. Os mirones são a espécie mais inútil e mais dispensável que existe, quando há um acidente.
Ficaste bem na fotografia, muito bem. Mas agora andas a seduzir senhoras idosas nas passadeiras, depois de quase as atropelares??? Tss, tss... és um diabinho, mesmo.
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