28.6.09

Viajar. Ou outra forma de respirar.

Não é só a falta de tempo. É, principalmente, o facto da minha cabeça ter estado mais ocupada que o metro em hora de ponta. Isso e o cansaço contribuem para a escassa disponibilidade mental e para a inexistência da dose elementar de discernimento que considero indispensável para escrever. E estou um sem-vergonha descarado, inspirando-me em textos de outras pessoas. Um deles, em que viajar é o tema, escrito com uma mestria admirável e invejável, é um bom exemplo. Cheguei de Angola no pico do Verão de 1975 e desde então viajar é um verbo que tenho praticado. Uma necessidade incontrolável que comparo, exageradamente, bem sei, ao acto de respirar, ou de me manter vivo. Mas em Lisboa, devo confessar, apenas se reforçou o desejo e a vontade de algo que sempre fez parte da minha vida, desde que me lembro e até onde a minha fraca memória me pode levar. Viajei muito em Angola com os meus pais, nessa terra imensa em que os planaltos grandiosos parecem não ter fim, tal como a minha decepção ao chegar à metrópole, que me ensinaram ser a capital do império. Uma metrópole acanhada e provinciana, povoada de mentalidades estreitas e desconfiadas. Em 1976 os meus pais levaram-me a mim e ao meu irmão a Londres. Essa viagem foi a gota de água que fez transbordar o copo vazio. Sim, o meu espírito pouco mais era que isso, um copo quase vazio. Nunca mais, desde essa viagem, passou um ano sem que saísse de Portugal. Nem que fosse passar a fronteira para comprar caramelos. Não espero que entendam esta minha vontade de pisar um chão diferente, de ouvir outras Línguas, de ver outras pessoas, de respirar outro ar. Na esmagadora maioria das vezes em que viajei não senti saudades do meu país, saudades de casa, ou aquela sensação home sweet home à chegada. E em mim, paradoxalmente, porque ao longo da vida fui fazendo as pazes com Portugal, e Portugal comigo, porque não admiti-lo, o desejo de viajar acentua-se. Disse que é outra forma de respirar? Então disse bem, porque é isso mesmo que viajar representa para mim.

22 comentários:

-JÚLIA MOURA LOPES- disse...

para mim é um bicho de 8 cabeças :-/

Mike disse...

Viajar ou o Mike? :O

Rita Roquette de Vasconcellos disse...

Então vá ... respire fundo ...
e volte ... qd lhe apetecer.
bjinho

Rita V.

Lucia Luz disse...

Viajar é para mim uma forma de respirar e de renovar.
E a mente e o corpo determinam esse prazo de validade e da necessidade de novamente viajar.
Beijinhos

mike disse...

Respirei fundo e apeteceu-me voltar, Rita. (risos)

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Luz, eu admiro as pessoas que conseguem viajar quando lêem e são levadas ao sabor da imaginação. Não é que não faça isso por vezes, mas para mim não chega. Preciso do lado físico de viajar. :)

cristina ribeiro disse...

Ciclicamente sinto o mesmo: preciso de respirar, tenho a sensação de claustrofobia, e tenho de ir, para perto, porém: ir até ao outro lado de Portugal pode ser já o suficiente, embora de vez em vez sinta necessidade de Londres; mas nunca pode ser por muito tempo, pois que, ao contrário do Mike, logo me assaltam as saudades deste chão, desta gente :)

Leonor disse...

Partilho totalmente a ausência de saudades quando viajo, Mike. Compreendo-o muito bem, também em relação à necessidade.

PS Gosto muito da cara nova do seu blogue :)

Mike disse...

Calculei que assim fosse consigo, Cristina. :)

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Curioso, Leonor... não deve haver muita gente a sentir de igual maneira. E obrigado. O visual vinha a tender para o minimalista e acabou aí. :)

Luísa A. disse...

Mike, também sinto uma grande curiosidade (feminina) pelo mundo que me rodeia, e também sinto a mesma necessidade de mudar periodicamente de ambiente. A nossa diferença é o meu comodismo. O acto de viajar, de transferir o corpo de um lugar para outro, é, para mim, uma grande incomodidade: gosto de «estar» aqui e gosto de «estar» ali ou acolá; detesto «ir» daqui para ali ou para acolá. E preciso também de voltar depressa: ou seja, ao cabo de meia dúzia de dias, começo a sentir falta das minhas rotinas íntimas, da minha casa, do único lugar do mundo onde me sinto completamente livre. Voilà! O Mike tem uma alma nómada e eu, sedentária. Mas as circunstâncias da vida acabam por nos aproximar. :-)

Mike disse...

Sabe o que eu acho, Luísa? Que, se pudesse, arranjava uma varinha de condão para... plim!... leva-me para ali, tira-me daqui, leva-me para aculá... (muitos risos)

Patti disse...

Eu também estou prontinha de mala e cuia para me pôr a mexer, mas ao contrário de si tenho sempre saudades do meu país.

Mike disse...

Pronta para abalar, mas sempre com saudades da sua terra... vá-se lá saber porquê, mas calculava que assim acontecesse consigo, Patti. :)

Patti disse...

A vizinhança vai-se conhecendo, não é Mike?

Mike disse...

Patti, :)

ana v. disse...

Percebo-te muito bem. Gosto muito do meu país, mas quando estou fora pertenço ao sítio onde estou, seja lá onde for. Diluo-me na paisagem e gosto de ser assim. E também preciso de mudar de ares, de cenário, como de pão para a boca. Às vezes basta sair para perto, outras não.

Mike disse...

Percebes-me e concordas comigo?Deves estar mesmo a preparar alguma, Ana... (risada)

Patti disse...

Uma grande galderice, é o que é!

Mike disse...

Ó... mas a culpa não é minha, ora... (sorriso inocente)

C.M. disse...

A descolonização tal omo foi feita foi um crime para todos: brancos e negros. Mas os ventos da História estavam favoráveis...agora, dizem-me amigos que também ali viveram, e em Moçambique, que as cidades outrora belas estão irreconhecíveis...tudo regrediu - a prosperidade dos anos 60 e 70 desapareceu...

mike disse...

Por mais que nos queiram fazer crer do contrário, a descolonização não é coisa de que nos devamos orgulhar, CM.

Lina Arroja (GJ) disse...

O Império foi um sonho no século XV. As Colónias e os territórios além-mar é que foram os ensinamentos aprendidos na escola e, calculo que tivessem sido um desapontamento para quem chegou cheio de visão e horizonte longínquo.
Mas Mike, não é preciso ter nascido fora para ter esse sentimento. Basta viver uns anos noutro país. Enquanto estamos fora não sentimos falta de terra ou aldeia. A nossa fraqueza é acreditarmos que podemos importar o que vivemos noutros lugares. Por em prática os conceitos que lá funcionam e cá não. Por isso, o português tem o fado, sente saudades do que ficou e do que deixou nos dois lugares. É isto que nos trama, querermos o melhor dos dois mundos e nem sequer um conseguirmos alterar.
Por isso, é que assim que chegamos já estamos prontos para sair novamente.É também por isso que não temos disciplina e concentração. E falamos,falamos, e escrevemos, escrevemos...(gargalhada)

PS: Este comentário ainda dá um post:)))

Mike disse...

(muitos risos)
GJ, fico, ansiosamente, a aguardar esse post depois deste aperitivo (muito bom, por sinal). :D

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