26.1.10

Nas nuvens, ou no inferno?

Já muito se escreveu e li sobre o “Nas Nuvens” que estreou há pouco tempo. Não fiquei nas nuvens com o filme apesar de ter gostado e de ter sido surpreendido, positivamente, com um conteúdo inesperado. Não é um filme pesado, longe disso, mas para mim foi desde o início, o que abona em favor de quem o criou e escreveu e, principalmente, de quem o interpreta. Pesado porque fui, sem apelo, confrontado com um papel de que fui já intérprete, mas na vida real. Dei sempre a cara, nunca deleguei em ninguém esse momento de encarar alguém a quem damos a notícia e a quem devemos ajudar a procurar o melhor delas para superar a situação. Talvez os americanos tenham razão, entre a aparente crueldade de contratar alguém para o fazer. É muito duro quando o fazemos com alguém com quem convivemos durante anos, a quem ouvimos falar dos filhos, do marido ou da mulher. Não me perguntem se tenho a consciência tranquila, que essa pergunta não tem resposta fácil. Ficava-me bem dizer que sim, que tenho, e encontrar inúmeras razões que apaziguem a minha consciência. Mas poderemos algum dia e verdadeiramente, ter a consciência totalmente tranquila? Quando fazemos o que tem que ser feito, vergados pelos números, conforta-nos a ideia de dispensar duas ou três pessoas para salvar trinta postos de trabalho. Será? Será que fizemos tudo? Voltei a ler o que escrevi e desagradou-me reler “dispensar pessoas” e “postos de trabalho”. Muitos dos que me lerão não terão a real noção do que falo. Quero acrescentar, felizmente e espero que assim seja. Se voltarei a fazê-lo? Não tenho dúvidas que sim. Como não tenho dúvidas que continuarei a ver em cada pessoa que comigo lida, uma família e não um funcionário. Torna as coisas mais difíceis? Também não tenho dúvidas que sim. E continuarei a dar a cara? Dificilmente não o farei, sendo minha a decisão final. Mas continuo com uma dúvida: será que o sistema que me chocou no “Nas Nuvens” não estará certo? Quem toma a decisão não vive aquele momento, não se confronta com o desespero da pessoa que tem à sua frente. Continua sempre nas nuvens enquanto outros têm, por vezes, mesmo que sejam poucas serão sempre muitas, de descer ao inferno. Alguém que, porventura me lerá, dirá que este assunto dava pano para mangas. E dava, mas eu fico-me por aqui e por esta versão crítica e visão muito pessoal de um filme de que gostei.

15 comentários:

fugidia disse...

(eu fiquei, nas nuvens, com o clonizinho... :-D)


(difícil, o papel de quem tem de despedir... dava muitos panos para muitas mangas...)

Mike disse...

Pois... já calculava, Fugidia... humprfftt!!! ;)
(pois dava)

Luísa A. disse...

Mike, também já passei por essa situação, de ambos os lados. Já tive de despedir e já fui despedida. Sucedeu sempre em situações de fusão de empresas, o que, de algum modo, tornava esses desenlaces inevitáveis. De resto, houve cuidados de pré-aviso com tempo de sobra e diligências de recolocação. Mas, sobretudo, a situação do país não era a que é. Fui tendo notícias de que, de uma forma ou de outra, todos seguiram um caminho que não descia aos infernos. E talvez o facto de eu própria ter trilhado esse caminho também me alivie a consciência. Mas é um trabalho muito ingrato, porque é sabido que, no «ranking» das causas de depressão, o desemprego aparece num dos lugares cimeiros, logo a seguir, salvo erro, à perda de familiares muito próximos.

Bacouca disse...

Mike,
Ainda não vi o filme, nunca tive que despedir ninguem nem nunca fui despedida. Portanto estou nas nuvens!
Mas desconversando: despedir alguém que merece acho que tem que ser feito e por quem tomou a decisão.
Despedir 3 para salvar 30 postos de trabalho já é menos linear: concerteza serão os 3 que menos falta fazem ou mais fracos profissionalmente. Aí sim, tem pano para mangas pois podemos questionar:estaria a ser bem orientado? Noutro sector não renderia mais? Etc, etc, etc.
Mandar não é difícil, difícil é saber mandar.
Xi

Mike disse...

Luísa,

Devo confessar que a Luísa seria uma das pessoas que nunca teria descido ao inferno. Enganei-me, mas o seu relato, apesar de tudo, é reconfortante. Ainda bem. :)

Bacouca,

Estamos de acordo em relação aos pressupostos, mas nem sempre são tão lineares, como deve calcular. E às vezes nas empresas, os elos mais fracos nem sempre são os menos competentes. Infelizmente. Apesar de ter estado "nas nuvens" (e continuar a estar), creio que me entende, quanto mais não seja pelos ensinamentos da vida. E essa creio que a conhece bem. ;D
Um xi. :)

ana v. disse...

Também já tive de despedir pessoas, e é duro mesmo. Despedida exactamente nunca fui, mas já saí pelo meu pé antes que isso acontecesse. Gostei do teu texto, Mike. É bom saber que há pessoas que, apesar de fazerem o que não podem evitar, o fazem com consciência e tentando minorar os estragos. E mesmo que não consigam grande coisa, pelo menos sofrem com isso.

Mike disse...

Ana,

A minha primeira reacção foi brincar e rir-me com o teu comentário... grande amiga que tu me saiste... "pelo menos sofrem com isso". (risos)
Obrigado pelo teu comentário. :)

Mike disse...

Ana,

p.s. - para que a curiosidade não se mantenha, devo dizer que conheço ambos os lados.

cristina ribeiro disse...

Dizer o quê? Penso que só não é difícil se houver todas as razões do mundo para o fazer. Felizmente nunca terei de passar por essa prova.

Mike disse...

Cristina,

Felizmente! Os meus votos para que continue sempre "nas nuvens". Fico feliz por isso, por si. :)

Patti disse...

Oh Mike, passe lá no Rochedo do Carlos, porque ele hoje fala da falta que sente das antigas tertúlias sobre cinema. E hoje o tema tb é Nas Nuvens.

(Ainda não vi, devo ser das raras mulheres que oferece às outras o Clooney numa salva de prata)

mike disse...

Patti,

Passarei por lá. :)
Oferecia o Clooney? a sério? ;)

Anónimo disse...

Saí sempre pelo meu pé, nunca fui despedido. Não me imagino a ter de despedir alguém, mas fá-lo-ia se o problema estivesse no comportamento da pessoa, não na sua falta de rendimento. Tentaria, até à última hipótese, para o adequar às necessidades da empresa.
Curioso, foi por esse prisma que vi o filme inicialmente, mas depois descobri-lhe muito mais. Levanta problemas em relação a uma sociedade a despontar, onde não creio seja fácil viver.

Anónimo disse...

Saí sempre pelo meu pé, nunca fui despedido. Não me imagino a ter de despedir alguém, mas fá-lo-ia se o problema estivesse no comportamento da pessoa, não na sua falta de rendimento. Tentaria, até à última hipótese, para o adequar às necessidades da empresa.
Curioso, foi por esse prisma que vi o filme inicialmente, mas depois descobri-lhe muito mais. Levanta problemas em relação a uma sociedade a despontar, onde não creio seja fácil viver.

mike disse...

Carlos,

Também descobri no filme muito mais. Aliás, gostei bastante do filme. Um abraço.

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