27.7.08

Não há almoços grátis.

A vida é, sem dúvida alguma, mais difícil para as mulheres de uma forma geral. Seja em que circunstância for, têm sempre de provar mais que os homens para chegar, em paridade, onde eles chegam. Mesmo nos tempos que correm, tempos de mudança de mentalidades e de atitudes, nelas continuam a recair a grande maioria das tarefas e responsabilidades diárias. É evidente que nós, homens, somos mais participativos hoje, face a gerações anteriores, mesmo assim a esmagadora maioria das tarefas diárias continuam a estar, injustamente, nas mãos das mulheres. Esta constatação continua, claro, a ter por base uma visão generalista do fenómeno, porque, como em tudo na vida, há casos e casos. O difícil é, para além da constatação, poder aferir as causas, que também como em quase tudo na vida, não têm apenas uma única origem. Uns dirão que são os sinais dos tempos vividos nas sociedades modernas e a sua dura realidade, outros apontarão o dedo acusador aos homens que continuam a revelar uma lentidão atroz na mudança de atitudes e comportamentos. Outros ainda, serão partidários da opinião que foram as próprias mulheres que, legitimamente, escolheram o seu novo caminho. Em meu entender e correndo o risco de ser interpretado à luz de um pragmatismo cruel, com razão. Porque a razão lhes assistia e porque é legítimo que assim seja, as mulheres recusaram ser encaradas como seres marginais do ponto de vista social e laboral. Mas não há almoços grátis e neste caso, principalmente neste caso, e mais uma vez como em tudo na vida, há um preço a pagar. E que preço. Não só o preço imediato, como o preço a pagar para se mudar no futuro. Porque o que levou gerações para se construir, levará gerações para se reconstruir. As sociedades e as economias baseadas no capitalismo moderno e liberal estão hoje dependentes das mulheres, que aqui e ali, começam a manifestar o sofoco natural de uma vida dura que elas próprias escolheram. Claro que é justíssimo que as mulheres queiram ter acesso a carreiras profissionais, claro que é justíssimo que queiram ser reconhecidas profissionalmente e obter o sucesso profissional, claro que não só é justíssimo, como um desígnio da sua própria natureza, que queiram um dia vir a experimentar esse papel sublime e superior de serem mães, papel que só elas podem desempenhar. E é aqui que chegam as primeiras contradições, os primeiros conflitos e frustrações. Há que escolher, não se pode ser exemplar nestas duas grandes vertentes das nossas vidas. Mas dirão, “então e os pais? que papel lhes está destinado”? Um papel menor comparado com o da mãe. Que injustiça, que crueldade! Pode até ser, ou melhor, é concerteza. Mas voltando a fazer uso do tal pragmetismo, vejamos: passaram-se cerca de trinta anos desde que se queimaram soutiens em Lisboa, e só escolho este facto pelo que ele encerra como um marco, em meu entender despropositado, de reclamação de emancipação. Em trinta anos mudou-se muita coisa, porque será que houve outras coisas que não mudaram? E não mudaram só aqui, também não mudaram noutros países ditos mais avançados por essa Europa e esse mundo fora. Porventura não mudaram porque há leis, as da natureza, que não são passíveis de legislação e não seremos nunca capazes de mudar. Ser mãe é diferente de ser pai e esse papel está destinado às mulheres desde o dia em que nasceram meninas e desde o momento em que ao chamamento disseram que sim. “Ah, mas estava à espera que comigo fosse diferente”. E porque seria assim? E porque ao invés dos lamentos de hoje não se luta por uma vida diferente como as mulheres já o fizeram outrora? Afinal os destinos das sociedades e da família sempre estiveram nas mãos das mulheres e não vislumbro nenhumas razões, para além do comodismo e da distracção com coisas supostamente mais importantes, para que elas não mantenham em mãos o seu destino. Se escolheram um caminho poderão sempre escolher outro.

29 comentários:

ana v. disse...

Para as mulheres nunca houve almoços grátis, Mike. Mas o que quer dizer com "Se escolheram um caminho poderão sempre escolher outro"? A maternidade é irreversível, e ainda bem...
:)

Anónimo disse...

Bem sei, Ana. Quando falo de outro caminho refiro-me, concretamente, ao caminho do equilíbrio, da prioridade, do fazer bem uma ou duas coisas e não o de fazer mal cinquenta. :)
É que para isso já bastam os homens. ;)

Luísa A. disse...

Nenhuma mulher se realiza com a maternidade, Mike, embora possa realizar-se, tal como o homem, na tarefa de educação dos filhos. Mas esta educação é, ou deve ser, um esforço partilhado por ambos os pais. Sendo assim, afora o período da gravidez e, eventualmente, da amamentação, não há nada que possa considerar-se trabalho exclusivamente feminino. Acho, portanto, que a questão da igualdade de tratamento dos sexos se coloca praticamente em todos os campos, profissional e doméstico (ressalvadas, naturalmente, as incapacidades físicas específicas, decorrentes da circunstância incontestável de os homens terem a força e as mulheres a resistência). Isto para lhe dizer, Mike, que pressenti no seu texto a «moral da história» de que as mulheres, com os seus excessos feministas, «cavaram a sua própria sepultura». Aqui deixo o meu veemente protesto contra tal perspectiva. É verdade que hoje as mulheres fazem cinquenta coisas, mas não é verdade que o façam mal… Embora talvez pudessem, realmente, fazer um pouco menos. ;-)

-JÚLIA MOURA LOPES- disse...

francamente, eu acho que a mulher querendo libertar-se acabou por se escravizar ainda mais, pois acaba por ter que ser boa amante, boa esposa, boa mãe, boa dona de casa, boa mãe e boa prifissional.

Isto se o marido for tipo machão, que não movia uma palha ;-)

ana v. disse...

Esta é uma velha discussão, que radica naquela irritante máxima masculina: "Não queriam a igualdade? Agora aguentem..." E neste "aguentem" está toda a perversão que obriga as mulheres a um papel de super-mulheres, se quiserem manter o que conquistaram. Porque não contam com a colaboração dos homens, deliciados a vê-las apagar todos os fogos até falhar num deles, pelo menos. Essa é a maior batota dos homens, obrigá-las a pagar o preço da simples ousadia de quererem ser mais do que "esposas e mães", como se isso hoje em dia fosse sequer uma escolha! Quantos casais podem dar-se ao luxo de viver exclusivamente com um só ordenado, nos dias de hoje??
Equilíbrio, Mike? Queria ver um homem a equilibrar-se, com a vida de muitas mulheres que conheço...

Anónimo disse...

Antes de mais, bem vinda, Luísa. É um prazer tê-la de volta. Entendo o seu comentário apesar de me deter na última frase. Fazer um pouco menos, seja ele o que for é algo que está nas mãos das mulheres. Esse é o meu ponto. :)

Anónimo disse...

Júlia, de certa maneira creio que estamos de acordo. Contudo acho que os maridos machões não podem servir de bode espiatório para algo que está nas mãos das mulheres. :)

Anónimo disse...

Ana, a questão é essa mesmo. Não queira ver um homem a equilibrar-se com a vida que certas mulheres levam. Eu acho justo é que as mulheres não tenham que fazer números de equilíbrio e isso está nas mãos delas. Ou devia estar nas mãos de quem? :)

fugidia disse...

:-)

Meu Deus, a catrefada de coisas que me apeteciam escrever... mas não consigo falr em termos genéricos nesta matéria, e não quero falar da minha experiência.

Assim, fico-me por dizer que do seu post e dos seus comentários, Mike, concordo com o facto de caber às mulheres escolherem a quantidade e a prioridade das coisas que querem fazer.

Cristina Ribeiro disse...

Admiro muito as mulheres que carregam todos esses equilíbrios, a maior parte das vezes porque nem sequer lhe dão hipótese de escolha...
Se lhes for dado escolher, hoje elas já sabem "por onde querem ir"...

-JÚLIA MOURA LOPES- disse...

e os homens seriam lá capazes de se desdobrar assim?
Chegam a casa, esticam-se no cadeirão a ver o telejornal. A mulher que faça o jantar, arrume a cozinha, etc,etc.etc
Estou como a fugidia diz, não quero falar na minha experiência pessoal, mas sempre vos digo que já tive as duas experi~encias.Numa, fui bibelot e não gostei mesmo nada. Noutra, fui sopeira, trabalhei que nem galega. Senti que estavam a troçar de mim.

Anónimo disse...

Se lhes for dado a escolher, Cristina? As mulheres devem escolher o que é melhor e mais justo para elas. :)

Anónimo disse...

Então a Júlia foi do oito para o oitenta... ;)
E há cada vez menos homens que cheguem a casa e se estiquem no cadeirão a ver o telejornal... acho eu... e se fazem isso é porque... ;)

Cristina Ribeiro disse...

Mike, olhe que, ainda hoje,nem sempre as mulheres podem simplesmente escolher, sem olhar para trás...
Muitas condicionantes ainda, até culturais...

-JÚLIA MOURA LOPES- disse...

pois, habituei-o mal :-)
só que no inicio achei imensa piada :-))até perceber que há limites.
Ainda por cima, fui do 8 para o oitenta, como bem disse.

-JÚLIA MOURA LOPES- disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
-JÚLIA MOURA LOPES- disse...

muitas condicionantes, como diz a Cristina, óbvio.

Anónimo disse...

Estou a perceber... são os homens, as condicionantes, a sociedade... mas nunca as mulheres... não sei se estou totalmente de acordo, devo confessar.

L. Rodrigues disse...

"Há que escolher, não se pode ser exemplar nestas duas grandes vertentes das nossas vidas. "

Discordo. A minha mãe foi uma bibliotecária exemplar e é uma mãe exemplar. Saiu-lhe do corpo, criou 5 filhos. Mas é.

Acho que a questão está colocada do ponto de vista do paradigma actual que equivale o sucesso profissional a uma progressão numa carreira qualquer numa hierarquia qualquer, com estagiários no fundo e CEOs no topo.

Mas há muito mais vida produtiva para além disso. Para mulheres e homens.

Anónimo disse...

Sim, L., a questão está colocada nesse contexto que mencionas. E aproveito para dar os parabéns à tua mãe.

L. Rodrigues disse...

Hoje ela está de parabéns porque a neta mais nova parece ter dito a sua primeira palavra.
Não foi "avó", terá sido "gato".
Mas qualquer avó (ou tio) fica babada com estas coisas.

Anónimo disse...

Está ela e o tio babado, certo? ;)

Corine disse...

sempre ouvi o meu dizer esta frase e nunca tive a certeza de a perceber...acabei por chegar á conclusão que nos tempos que correm se aplica a quase tudo.
não tem a ver com homens, com mulheres ou até com a sua posição enquanto pais. Depende sempre das nossas opções e das condicionantes que advém delas mesmas oque pagamos por cada almoço.

Anónimo disse...

Tem razão, Corine, mas que não os há grátis, ah isso não há. :)

Lina Arroja (GJ) disse...

Os homens de hoje ajudam mais nas tarefas tradicionalmente femininas porque a geração que queimou soutiens assim os ensinou. As mudanças levam tempo, verdade, mas há coisas que serão sempre mais das mulheres que dos homens, pela simples razão de que nenhuma mulher consegue explicar o que significa sentir um ser a crescer dentro do seu ventre, tal como os filhos nunca deixam as mães deixar de o ser. Um homem adulto só aceita a repreensão vinda da sua mãe, tal como para ela, ele será sempre o Manelinho.
E no meio disto tudo, a pessoa a quem mais mentimos na vida é à nossa mãe!
Por muito que as mulheres se esforcem em querer assumir o duplo papel de mães e profissionais, ainda não conseguiram encontrar o equilibrio desejado. Por isso os almoços são, na verdade, caros e muitas vezes indisgestos.

Lina Arroja (GJ) disse...

Mike, as minhas desculpas por um comentário daquele tamanho, mas o tema exigia tempo de antena:)

Anónimo disse...

Grande Jóia, é muito bem vinda. E o tamanho do comentário é directamente proporcional ao conteúdo. :)

Anónimo disse...

Caro Mike
Não resisti a comentar este tema, não para discordar ou concordar, mas para dar opinião, naturalmente fundamentada na minha experiência de vida.
Independentemente do sexo, o que está em causa são as pessoas em si e os paradigmas em que acreditam e sobre os quais vão construindo a sua Vida, não sendo alheia a noção que têm de respeito pela pessoa humana, homem ou mulher.
Sou casado pela 3ª vez ('experiência' não me falta, como vê) e nunca, independentemente da parceira, deixei de ser como sou. Acredito (e pratico) na igualdade de oportunidades, na divisão de responsabilidades e de tarefas, respeitando a única diferença inexorável da maternidade. Acredito que, se fosse possível ao homem gerar filhos, também o teria dividido, à vez. E sei que, apesar dessa força umbilical, qualquer dos meus 5 filhos é tão meu como das suas mães. E não falo no plano biológico. É no afectivo, no emocional. É o laço mais forte que o aço que nos prende uns aos outros, porque, em toda a vida, sempre fui pai e mãe. Com orgulho e com prazer.
Um abraço

Anónimo disse...

Bem vindo, Pedro. Serei telegráfico por querer apenas dizer-lhe que foi um prazer reler as suas palvaras e retribuir-lhe o abraço.

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