31.7.08

Arrependimento. Sim, não, ou talvez?

A frase da fotografia não é politicamente correcta e é mal vista socialmente. Na sua origem, arrependimento significa, do ponto de vista prático, mudança de atitude. Ou deveria significar, para evitar que a penitência, nas palavras de Freud, se tornasse numa técnica facilitadora do assassínio, tal como os povos bárbaros faziam uso após as suas grandes ondas migradoras, onde espalhavam a morte. Dramatizando a questão, o arrependimento surge depois de pecarmos e impõe-nos, invariavelmente, grandes exigências de carácter moral, mas raramente nos conduz ao que é essencial na moral. A renúncia. Arrependimento, mais que uma palavra, vejo-o como um conceito nem sempre linear e claro, e que, no meu caso, por mais que tente obter outra perspectiva, associo a um acto de contrição, a pesar e a remorso. Na nossa cultura, esse conceito está inquinado por influências religiosas e lembro-me de ter lido, algures, que o arrependimento é a chave que abre todas as fechaduras, ou que Deus fez do arrependimento a virtude dos mortais. Ora bolas, e eu que pensava que a chave que abria as fechaduras era a honestidade e a virtude dos mortais era a verdade, não obstante já ter sido desonesto, comigo e com outros, e já ter mentido. Arrependimento, como o vejo, envolve castigo, uma espécie de auto-flagelação pelos erros cometidos e pressupõe uma firme decisão e consequente prática, de não mais cometer os mesmos erros. Na verdade, de nada serve atormentarmo-nos com uma coisa depois de a termos feito, senão torná-la pior. Ou para que serve o arrependimento se isso não muda nada? Lembrei-me de Picasso, quando afirmou que o que tinha feito já feito não lhe interessava, o que lhe interessava era o que ainda não tinha feito. Errei, casei-me, divorciei-me, errei, fui infeliz, fiz pessoas infelizes, fui injusto, menti. Acertei, amei, fui amado, acertei, fui feliz, fiz pessoas felizes, fui justo, disse a verdade. Vou escrever no presente. Erro, acerto, amo, sou amado, sou feliz, faço pessoas felizes, sou injusto, sou justo, minto, digo a verdade. Arrependimento obriga a olhar e a reflectir sobre os actos passados e sobre os erros cometidos. Pesar, remorso, contrição, castigo. Não sinto e não pratico. Então desta vez serei honesto. Nunca me arrependi de nada e não me arrependo de coisa alguma.

10 comentários:

Anónimo disse...
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Anónimo disse...
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Corine disse...

'Better sorry than safe'

Anónimo disse...

I guess you're right, Corine... :)

-JÚLIA MOURA LOPES- disse...

também não consigo arrepender-me de nada...mesmo daquiles actos que considero erros, eu encontro argumentos, justificações. E deleito-me com as minhas loucuras.

beijinho, Mike

Anónimo disse...

Júlia, :)

ana v. disse...

Mike, o Picasso é um péssimo exemplo... no que toca a relações humanas (amorosas e não só) deveria ter-se arrependido de quase tudo...
:)

Anónimo disse...

Pode até ser, Ana. Mas como o arrependimento é uma coisa pessoal e não ditada por outros... e ele não era homem de olhar para trás... :)

ana v. disse...

Nem de olhar para o lado, Mike... infelizmente para as mulheres que se aproximaram dele. Excelente pintor, mas um ser humano execrável!

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