26.9.08
Brandos costumes, brando futuro.
Somos uma população envelhecida porque nascemos velhos. Há populações cujas estatísticas as dão como mais envelhecidas, mas é pura ilusão que cálculos, números, estudos e percentagens nos transmitem. Veneramos os anciãos e esquecemo-nos de dar a mão aos mais novos. Pior, parece que os obrigamos a pensar e a agir como as gerações passadas. Ainda pior, temos dificuldade em acolher os que pensam e agem de maneira diferente da nossa, a mesma dos nossos avós. Não questionamos e temos relutância em conviver com quem o faz. Não somos inquietos, rejeitamos a inquietação e refugiamo-nos na placidez e quietude dos actos e do pensamento. Temos terror em errarmos e falta-nos coragem para enfrentarmos e lidarmos com o que é novo. O pavor de falhar tolhe-nos os movimentos e as decisões, e deixa-nos invariavelmente no mesmo lugar. E normalmente não conseguimos esconder um sorriso mordaz quando alguém erra, entre um murmurar eu bem te avisei, vibrando com uma vitória assente na falha de alguém. A vitória dos derrotados que não conseguem escapar ao sentimento de inveja de quem falha, recomeça e sucede. O queixume invade-nos e entranha-se na alma, inquinando quase tudo o que vem lá de dentro. O verbo que norteia as nossas vidas é o verbo aceitar. Damos os mesmos passos de quem segue à nossa frente por não nos atrevermos a ultrapassá-lo. O início preferido das nossas frases é no meu tempo, ou sou do tempo. Pensamos hoje como pensávamos no passado, agiremos amanhã como agimos hoje. Baixamos sempre a fasquia e vangloriamo-nos quando a passamos, esquecendo-nos que a passámos mas continuamos na mediocridade. Tinha curiosidade em ouvir a explicação de um antropólogo sobre desde quando e as razões de sermos assim. Porque Afonso pensava por ele e tinha convicções inabaláveis, cometendo a heresia de questionar e desafiar gerações anteriores. Era inquieto e idealista mas abraçou uma causa, não se ficando pela conversa numa qualquer ameia do castelo. Aqui neste país de brandos costumes, brando pensamento e branda coragem, os jovens só são bons depois de chegarem a velhos e alguns velhos só são bons depois de mortos. Fazemos das amarras grilhetas e parece que só sabemos lançar as âncoras, nunca recolhê-las. Reclamamos mudança mas jamais abdicamos de fazer as coisas da maneira como sempre as fizemos. E teremos o futuro que merecemos. Um futuro como nós. Brando, como gostamos e achamos bem. Brando.
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10 comentários:
Magnífico texto, Mike! Mas de quem é que está a falar? :-D
P.S.1: Se, por acaso, pretendia retratar o povo português – houve lances em que suspeitei que sim, mas a referência ao Afonso relançou a dúvida – quero dizer-lhe que há um português-sozinho e um português-no-meio-de-outros-portugueses. O primeiro é empreendedor, activo, corajoso, amigável e imaginativo. O segundo é passivo, linfático e descrente. Por que é que é assim? Eu acho sempre que não há orquestra sem maestro. E que o maestro tem de inspirar (não impor) respeito aos elementos da orquestra, sendo melhor e sabendo mais da peça musical do que todos eles. Mas talvez não seja nada disto.
P.S.2: Agora deu-me para falar assim, Mike, em sentidos figurados. São fases. :-)
Luísa, direi que concordo em parte consigo. A outra parte, a não concordante, é aquela que me diz que não adianta falar de líderes em sentido abstrato, ou figurado. Em sentido figurado, diria que há muito tempo que temos vindo a nivelar por baixo. E o primeiro português de que fala, normalmente vai-se embora. Talvez seja uma fase... ;-)
Belíssimo texto.
:-)
Simpatia sua, Fugidia. :-)
Obrigado.
Um belo texto, Mike. Também acho que há dois portugueses antagónicos, e gostava muito de saber as razões do fenómeno. Para simplificar, diria que esses dois espécimes nacionais são o português no seu país e o português num país estrangeiro. Ou seja: talvez se todos emigrássemos nos curássemos dos nossos males endémicos...
Lá volta a conversa dos frangos...
Não lhe dizia, Ana? ;-)
Obrigado. :-)
Belo texto, realmente. E eu creio ter a resposta às dúvidas das Senhoras: o que nos caracteriza mais não é, ao contrário do que Unamuno disse dos Espanhóis, a Inveja. É o medo de passar por lorpas. Lá fora, ninguém nos conhece, podemos aplicar-nos. Cá, temos de passar por espertos, dizendo que nada vale a pena e entrando no bota-abaixo referido ao esforço alheio. Se alguém louva outro num grupo, nas costas do debatido, logo é tido por inocente. É um fado!
Abraço
Caro Paulo, a sua resposta e explicação às senhoras, elucidou-me também a mim. Sagaz, esse ponto de vista. Caso para dizer maldito fado, então. E dele passei a gostar ainda menos.
Obrigado e um abraço.
Notável caro Mike, fantástico texto, infelizmente, em certo sentido... Um abraço
Grato, Samuel. Infelizmente, sim...
Um abraço.
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