1.7.10

Esperança (ou a falta dela).

Ainda sobre Luanda, apesar de ter dito que não haveria muito mais a dizer sobre a minha breve estadia nessa imensa e desordenada metrópole africana. Em Luanda vê-se e convive-se com a pobreza. Uma pobreza visível e assumida que, inevitavelmente, nos incomoda e faz-nos pensar. Diferente da nossa, que é uma pobreza envergonhada, complexada e escondida, a acreditar nos últimos estudos que apontam para números preocupantes que revelam o facto de 50% dos portugueses viverem abaixo ou no limiar da probreza. Dizia-me há tempos alguém que divide o tempo lá fora e cá dentro, que quando chega a Portugal, não fosse o desejo de estar com a família, iria de imediato das “chegadas” para as “partidas” sem sair do aeroporto, por sentir o país cada vez mais deprimido e depressivo. Mas voltemos a Luanda e aos seus habitantes. Porque se riem eles e se mostram optimistas se são na sua maioria pobres e enfrentam problemas básicos, muitos deles para nós já há muito ultrapassados? Creio, e não encontro outra razão, que é por terem esperança, viverem com ela. E esperança, ou a falta dela, não tem a ver apenas com pobreza, pois não? É caso para dizer que a pobreza é quase toda igual, mas esperança, uns têm-na e outros perderam-na ou vivem o sentimento de estarem a perdê-la (não sei o que é pior). Talvez tivesse sido, também isso, que me fez sentir estar numa cidade onde as coisas estão a acontecer e se vive um clima de optimismo, apesar de tudo.

A imagem foi escolhida em agradecimento à GJ, autora do texto "Pontos de encontro".

14 comentários:

fugidia disse...

Mas Mister, esperança tem de ter a haver com alguma coisa, não acha? Dizer só que se tem ou não se tem não lhe parece demasiado... simplista?

Curiosamente, ao lê-lo, lembrei-me da alegoria da caverna ;-)

Catarina disse...

Diz-se que a esperança é a última a morrer. Mas, se não tivéssemos esperança, valeria a pena viver?

Patti disse...

Porque se riem eles? Não sei. E sinceramente também nunca compreendi.
Mas noutros países pobres do Hemisfério Sul, o mesmo se passa. Estudos feitos revelam que o clima, o calor, o sol sempre muito presente neste lado do mundo conduz as suas energias para isso mesmo, para um bem-estar aparente na cara dos homens.

Lina Arroja (GJ) disse...

Ter esperança significa também acreditar que é possivel. Acontece em situações extremas e é isso que nos leva a continuar. Situações extremas existem na pobreza, na doença, na desgraça e provavelmente em muitas outras.
Em Angola ou Luanda, país e cidade que não conheço, existem todas as mencionadas, seguramente também, a esperança de conseguir melhor. Esse sentimento pode mover multidões para alguns e continuar na mesma para outros. A vantagem dum país jovem a recuperar dos destroços e com recursos é acreditar que a esperança está ao alcance de um braço. Por isso, Mike, eles riem e nós choramos.:-)

PS: Gostei muito que tenha gostado do "Pontos de Encontro".
Abraço. :)

Bacouca disse...

Mike,
A alegria da esperança foi algo que felizmente me ficou entranhado nos poros pela terra vermelha de África!
Mas agora falando a sério: penso que o clima tem muita influência como a grandeza de um país onde não existe horizontes. Já saí de lá há mais de 35 anos e ainda hoje quando sou apresentada a alguém e depois de uns minutos de conversa é seguro que dizem logo: não nasceu em Portugal. As pessoas que estiveram em Angola ou Moçambique trazem algo de diferente e isso não tem nada a ver com a facilidade de vida que lá tiveram. Além do clima e da grandeza de espaço, é a mentalidade aberta, o não ter preconceitos,a não mesquinhez de pensamento.
Acho que é no filme "Out of Africa" que a Mery pergunta do comboio ao Robert: como se chama? E ele responde: aqui não interessa o nome.
Um xi patricio!!!

Lina Arroja (GJ) disse...

Bacouca, o clima influencia a boa disposicao. Nao e o elemento principal,penso eu que vivi anos num pais frio como a Canada, onde nao faltava abertura de espiriro, largueza de horizontes e espirito de equipa. Ha medida que me fui instalando por ca, o optimismo tem de ser altamente alimentado. :))

PS: o teclado nao permite melhor ...

Lina Arroja (GJ) disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Lina Arroja (GJ) disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Catarina disse...

Ainda há dias me diziam o mesmo: as pessoas de África (nomeadamente Angola e Moçambique) têm uma mentalidade muito mais aberta.

fugidia disse...

(a propósito, o Papa actual disse que a verdadeira pobreza é a falta de esperança :-) )


Se pensarmos na forma como vivemos, sobretudo no denominado mundo ocidental, facilmente constatamos que a tecnologia alcançou tal desenvolvimento que o conforto e a tranquilidade que nos rodeia, paradoxalmente, deram azo a que a esperança (tal como a «humanidade» dos seres humanos, aliás) se vá perdendo, cada vez mais, a favor de um tecnicismo rigoroso e racional.
E de repente, parece que voltamos para o pesadelo da caverna, com a agravante de que sabemos o que está para além dela: tudo temos, tudo possuímos, tudo já foi alcançado mas... afinal, tudo falta e quase nada, na verdade, se conseguiu...

Nem de propósito, vi esta semana uma reportagem na televisão em que a jornalista entrevistou e acompanhou o dia-a-dia de um adolescente moçambicano de 13 anos, transformado em pai dos seus quatro (salvo erro) irmãos, labutando sem parar, procurando a sua (e a dos seus) sobrevivência, dia após dia.
No fim, perguntou-lhe a jornalista o que mais desejava ele.
Houve três segundos em que se percebeu que ele ia partilhar connosco o seu segredo mais íntimo mas depressa serenou e, sorrindo, respondeu apenas «nada; está tudo bem, assim».
Está tudo bem, assim.
:-)

fugidia disse...

Só mais uma coisita (hoje não falo: escrevo pelos cotovelos ,-) ): acriança não tem uma ampla perspectiva de futuro, entretém-se com o seu presente e preocupa-se muito pouco (e em geral apenas fantasia) com o futuro.
O ser humano adulto já se preocupa verdadeiramente com o futuro. E só ele poderá sentir a profunda dimensão da esperança. Se conseguir.

Mike disse...

Fugidia,

Mas senhorita, nós estamos de acordo, sabia? E não acho que esteja a ser demasiado simplista, mas apenas... como direi? simples e sem complicar muito? (risos)
Hum... a alegoria da caverna... tem sempre que haver uma explicação, não é menina Fugidia? :-))

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Catarina,

Tem toda a razão. Mas sabe que no outro dia pensava com os meus botões que, ao contrário da muitas pessoas que conheço, eu não queria ter 20 anos e saber o que sei hoje... queria ter 65 e saber apenas o que saberei nessa altura. :-))

E essa coisa da mentalidade tem que se lhe diga, Catarina. É uma coisa que vai passando de geração para geração, mesmo sem que as novas gerações (leia-se nossas crias) tenham lá vivido. :-)

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Patti,

Acho que mais importante que compreender é constatar e conviver com pessoas e povos que continuam a rir. Creio que o clima tem um papel sim, mas como diz a GJ algures, não explica tudo, não é presidentA? :-)

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GJ,

E respondo o quê ao seu comentário? Nada. No further comments, Mate. :-)

p.s. - acho que nunca saberá quanto. :-D

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Bacouca,

E pronto! outro comentário que não precisa ser comentado. Foi tudo dito :-)
Um xi, patrícia.

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Fugidia,

Aprecio (a sério), a sua capacidade de síntese. (riso abafado)
Não escreve nada pelos cotovelos, isso é impressão sua. (muitos risos)
Mas olhe que gostei de a ler, menina. Está tudo bem. Assim. :-))

Olhe, percebo perfeitamente o que diz sobre adultos Vs crianças e esperança, futuro, etc. Mas a esperança é uma coisa que também se passa e depois se materializa nas crianças de outras formas, não concorda?

Luísa A. disse...

Mike, julgo que há também o factor do desconhecimento de outras realidades. É provável que esses angolanos que riem nunca tenham conhecido uma situação diferente, senão talvez a ainda pior da guerra civil. Nós, por cá, já vivemos francamente melhor. Eles têm a esperança e até a expectativa de passar a «cavalos». Nós já descemos à condição de «burros». A nossa depressão é tristeza, não desesperança… digo eu! ;-)

Mike disse...

Aceito a sua tese, Luísa. Inclusive a da tristeza. :-(