28.9.08

O conhecimento é uma porta aberta ao proveito.

O diálogo passa-se em casa de uma família rica, entre a dona da casa e patroa, e a empregada.

Entendo que a senhora devia dar-me um aumento. Mereço um aumento.
Ora, porquê?
Porque passo melhor a ferro que a senhora. Aliás, a senhora nem sabe passar a ferro.
Como? Quem te disse isso?
O seu marido.
?!?!?!
E cozinho melhor que a senhora. A bem dizer, a senhora nem sabe cozinhar.
O que estás para aí a dizer? Quem te disse isso?
O seu marido.
?!?!?!
E sei tratar da casa melhor que a senhora.
Também foi o meu marido que te disse isso?
Foi! E sou melhor cama que a senhora.
Esse malvado! Pilantra desavergonhado! E tu não passas de uma cachorra, de uma vagabunda. Vais para o olho da rua. Foi ele que te disse isso?
Não. Foi o motorista.
Quanto queres de aumento?

27.9.08

Gosto do silêncio das palavras lidas.

Mas gosto de as ouvir quando as leio.

26.9.08

Bom fim-de-semana e boa semana.

Brandos costumes, brando futuro.

Somos uma população envelhecida porque nascemos velhos. Há populações cujas estatísticas as dão como mais envelhecidas, mas é pura ilusão que cálculos, números, estudos e percentagens nos transmitem. Veneramos os anciãos e esquecemo-nos de dar a mão aos mais novos. Pior, parece que os obrigamos a pensar e a agir como as gerações passadas. Ainda pior, temos dificuldade em acolher os que pensam e agem de maneira diferente da nossa, a mesma dos nossos avós. Não questionamos e temos relutância em conviver com quem o faz. Não somos inquietos, rejeitamos a inquietação e refugiamo-nos na placidez e quietude dos actos e do pensamento. Temos terror em errarmos e falta-nos coragem para enfrentarmos e lidarmos com o que é novo. O pavor de falhar tolhe-nos os movimentos e as decisões, e deixa-nos invariavelmente no mesmo lugar. E normalmente não conseguimos esconder um sorriso mordaz quando alguém erra, entre um murmurar eu bem te avisei, vibrando com uma vitória assente na falha de alguém. A vitória dos derrotados que não conseguem escapar ao sentimento de inveja de quem falha, recomeça e sucede. O queixume invade-nos e entranha-se na alma, inquinando quase tudo o que vem lá de dentro. O verbo que norteia as nossas vidas é o verbo aceitar. Damos os mesmos passos de quem segue à nossa frente por não nos atrevermos a ultrapassá-lo. O início preferido das nossas frases é no meu tempo, ou sou do tempo. Pensamos hoje como pensávamos no passado, agiremos amanhã como agimos hoje. Baixamos sempre a fasquia e vangloriamo-nos quando a passamos, esquecendo-nos que a passámos mas continuamos na mediocridade. Tinha curiosidade em ouvir a explicação de um antropólogo sobre desde quando e as razões de sermos assim. Porque Afonso pensava por ele e tinha convicções inabaláveis, cometendo a heresia de questionar e desafiar gerações anteriores. Era inquieto e idealista mas abraçou uma causa, não se ficando pela conversa numa qualquer ameia do castelo. Aqui neste país de brandos costumes, brando pensamento e branda coragem, os jovens só são bons depois de chegarem a velhos e alguns velhos só são bons depois de mortos. Fazemos das amarras grilhetas e parece que só sabemos lançar as âncoras, nunca recolhê-las. Reclamamos mudança mas jamais abdicamos de fazer as coisas da maneira como sempre as fizemos. E teremos o futuro que merecemos. Um futuro como nós. Brando, como gostamos e achamos bem. Brando.

25.9.08

Ganhar ou perder, eis a questão.

O Mercador de Veneza acompanhou-me nestes últimos dias, devorados por trabalho intenso e inúmeras reuniões, que só uma gestão rigorosa de agendas evitou o desgoverno. Inconscientemente ou não, fiz-me acompanhar pela polémica comédia de Shaskespeare em que o cristão e bem intencionado António é vítima do agiota e vilão Shylock. Se por um lado escolhi o Mercador de Veneza como companhia, por outro lado a célebre frase Ser ou não ser, eis questão, imortalizada pela Tragédia de Hamlet, teimava em permanecer ancorada no meu íntimo. O lado oculto do dramaturgo e poeta inglês sempre me fascinou. Independentemente do talento, competência e porque não genialidade, dessa figura ímpar e quiçá uma das mais influentes da cultura ocidental, a minha faceta mais preversa e obscura leva-me a ceder a impulsos sombrios, considerando em certa medida, exemplar o aproveitamento por parte dos súbditos de Sua Magestade da figura de William Shakespeare em prol da cultura britânica. Algo idêntico ao nosso Vinho do Porto, desprezado pelos portugueses até os ingleses o tornarem famoso, o que me fez pensar que o meu lado preverso também foi moldado pelos contornos sombrios da História. É que as obras e a reputação do autor do Mercador de Veneza, criadas no século XVI, só foram aclamadas e idolatradas três séculos depois, em especial no Romantismo. Mesmo quando algumas das suas obras faziam sucesso em Londres no século XVII, Shakespeare não conseguiu mais do que ser considerado um simples cavalheiro de Stratford. Não existem originais, tanto quanto se sabe até à data, nem mesmo em Stratford-upon-Avon, sua terra natal, onde cresceu e constituiu família, não se podendo afirmar e provar que o génio os tenha escrito ou, indo mais longe, soubesse sequer escrever. Consta que as filhas eram analfabetas e mesmo tendo em conta o século que se vivia, a minha compreensão tem limites. O mistério adensa-se após a sua ida para Londres e a única certeza que parece pairar, para além da obra de valor inestimável, é o facto de Shakespeare se ter tornado num arguto e bem sucedido homem de negócios, originalmente ligado ao teatro como empresário, mas alargando os seus investimentos em imóveis e terras. Também parece certo que Shakespeare não resistiu a tentações pouco abonatórias de um carácter exemplar, tendo sido acusado de fuga aos impostos ou de negociante de produtos escondidos durante um período de escassez de alimentos. O pouco que conheço do poeta e dramaturgo mostra-me uma pessoa sagaz, curiosa e de ampla visão, principalmente para época em que viveu, para além de um profundo conhecedor do ser humano, ou não pudéssemos nós identificar na sua obra reis, rainhas, príncipes, cortesãos, ministros, soldados, donos de estalagens, mulheres do povo, mercenários, actores, padres, escroques ou mágicos, tendo até desprezado as fronteiras nacionais nas suas peças e nos seus dramas, que decorrem na Dinamarca, em cidades italianas, na Grécia e Roma antigas. Reli o célebre verso citado por Hamlet e entreti-me a deslê-lo, como apregoa Mário Quintana, sob a óptica dos negócios, cometendo provavelmente um sacrilégio na perspectiva de quem estudou a fundo Shakespeare, quer do ponto de vista da literatura, quer filosófico. E nessa desleitura imaginei outra frase que poderá ter norteado a sua vida, sem contudo ter sido proferida ou ficado para a História. Ganhar ou perder, eis a questão. Uma questão que faz parte da vida, algo em que Shakespeare pareceu ser igualmente sábio, ele que se reformou com um conforto que a sua obra, na altura, jamais lhe poderia ter proporcionado. Não sou tão fundamentalista ou dramático, contento-me em saber que na vida ganha-se e perde-se. E a questão não é matemática ou o balanço estatístico. E o segredo está em nunca desistir de ganhar, mesmo quando se enfrenta uma derrota, ou ter receio em enfrentar uma batalha, caso contrário jamais se poderá vencê-la. E voltei ao Mercador de Veneza mas já sem conseguir evitar o meu lado preverso e sombrio, e desler William no lugar do vilão.

24.9.08

Vou chorar, vou rir, vou chorar, vou rir, vou chorar. Ri-me. Por momentos.

A notícia na rádio esta manhã dava conta de um desacato entre gangs rivais na outra margem, ali para os lados da Baixa da Banheira. Percebi o alcance da pergunta do jornalista, já que o assunto está na ordem do dia, quando colocou a questão se seria um acto isolado ou algo diferente. Mas o comandante da Corporação (não sei ao certo qual, mas sendo certo que não era dos Bombeiros) deu mostras de não a ter entendido. Mal a pergunta foi feita pensei para com os meus botões não respondas, dá uma resposta evasiva ou que não te comprometa a ti e à investigação. Só que a tentação era muita e a fama estava ali à mão de semear, mesmo tratando-se de dois ou três minutos. A resposta surgiu de imediato e com firmeza, esbatendo-se e tornando-se titubeante de seguida. Foi concerteza um acto isolado, responde o comandante. Isto foi um ajuste de contas, um assunto mal esclarecido, ou por esclarecer, entre gangs. Quer dizer, ainda não conhecemos o móbil, mas houve de certeza um móbil qualquer que motivou o desacato. Um móbil qualquer? Em regra geral há um móbil. Acho eu. A não ser que se trate de um demente ou alguém com perturbações mentais, e mesmo assim julgo que se poderá dizer que o móbil continua a existir. Nós somos pródigos em julgar, dizer mal, falar do que não sabemos em concreto, culpabilizar sistemas ou, neste caso revoltarmo-nos com a Justiça. E no saco da Justiça cabem juízes, advogados, leis, ministros, secretários de estado, etc. Se um comandante de uma Corporação, que não é de Bombeiros, afirma publicamente o que eu ouvi, estou para imaginar como um caso ou processo como este chegará às mãos de um juiz. Imagino o chefe das forças policiais dizer que nós cá fizemos o nosso trabalho e até prendemos uns quantos malandros, agora é com os tribunais e com os juízes. E a seguir também consigo imaginar a população revoltada porque aos salafrários foi dada ordem de soltura. E de quem é a culpa? Da justiça, ora. De quem mais poderia ser. Ou do juiz que foi tolerante e amigo dos malfeitores. Hoje, e porque estava bem disposto, resolvi rir-me da incompetência. Por momentos, que logo a seguir lembrei-me do caso Maddy. Talvez uma coisa não tenha a ver com outra. Talvez. Mas parei de rir.

23.9.08

We will not go far enough.

Encontrei uma Londres submersa numa névoa de descrença e cepticismo relativamente à economia e ao futuro. Incertezas semeadas por uma visão liberal de um capitalismo selvagem, mas atraente e sedutor. Ao almoço dei comigo a pensar como podem ser felizes pessoas que comem pequenas sandwiches em pão de forma com mais alface dentro que o resto que lá estava. Ao almoço, dizia eu, falavamos descontraidamente sobre o início do ano lectivo cá e lá, não conseguindo evitar comparações entre as duas realidades. Cá, as filas nas livrarias para encomendar os livros escolares, os stocks esgotados, as não-respostas às perguntas mais elementares, a ausência de resposta aos emails enviados para os endereços que prontamente nos foram indicados, os telefonemas não atendidos, a indiferença de quem atende, como se de gelados se tratasse. Lá, apenas o início de mais um ano lectivo, sem que isso constitua preocupação, consternação ou crispação aos envolvidos, sejam pais ou alunos. E dei também comigo a pensar, verbalizando em silêncio apenas para mim e em inglês, we won’t go far enough, mate.

Sucessora de Golda Meir?

A minha simpatia pelo Estado Judeu é confessada, pública e conhecida por quem lida de perto comigo. Uma simpatia que vem de trás, tão de trás que nem me lembro quando começou. Influência familiar? Com toda a certeza e posso levantar o dedo acusador ao meu pai. A simpatia pelo Estado Judeu não é maior que a admiração pelo povo de Israel. E sinto ambas, simpatia e admiração, por Tzipi Livni que, tudo aponta, se prepara para ser uma ilustre sucessora de uma grande estadista contemporânea. Golda Meir. Pelo que tenho lido, mais o que se tem escrito lá por fora, a senhora Livni tem demonstrado uma firmeza que a sensatez não abala, antes enriquece e legitima, principalmente em assuntos delicados, como é o caso do Estado Palestiniano. Junte-se à firmeza e bom senso, coragem, intuição e sensibilidade femininas, e acredito que o povo judeu que parece já se ter rendido a esta mulher de 50 anos, presidente do Kadima e Ministro dos Negócios Estrangeiros, lhe dará os votos que a tornarão primeiro ministro de Israel. Exprime-se bem, é culta, descontraída, as suas ideias são claras e é directa e sem rodeios, como a maioria dos estadistas judeus. É uma pessoa reservada e simples, mãe de dois filhos e casada com um publicitário. Mesmo correndo o risco de ser acusado de superficialidade, não resisto a acrescentar que ainda por cima a acho bonita e atraente. E agrada-me a alcunha “Mrs. Clean”.

22.9.08

“Haja ou não deusas, delas somos servos”.* Ou decerto sucumbiríamos à tentação de ser.




* Deslido do Livro do Desassossego (nem de propósito), de Fernando Pessoa.

21.9.08

Hipocrisia tem mais um sinónimo: proposta.

Já li matérias muito interessantes e muitíssimo bem escritas sobre o assunto, mas também já tive a oportunidade de confessar que o mesmo não me suscita qualquer tipo de interesse. O assunto é o divórcio e a proposta de lei que me dei ao trabalho de averiguar para não dizer mais nenhum disparate para além dos que a seguir possam ser ditos. Mas não foi por me ter colocado ao corrente do conteúdo da proposta que a minha opinião mudou sobre este assunto. Este texto poderia resumir-se ao título que escolhi. Tudo não passa de uma grande hipocrisia. O casamento é celebrado por um contrato antes mesmo de ser assinado pelas partes que nele participam. Como acontece, por exemplo, numa empresa ou numa sociedade. Quando uma das partes não deseja fazer parte do projecto o que se faz? Dá-se por findo o contrato. Não me parece que haja grandes diferenças no que diz respeito ao casamento. Quando uma das partes não quer continuar casada o que deve fazer é divorciar-se. Poupem-me os que têm a intenção de me dizer que não é assim tão simples, ou de me falar sobre outras coisas muito importantes, sejam elas os filhos, se os houver, ou bens materiais. Quem não quer manter-se casado deve ter liberdade para se divorciar de imediato. Os filhos e os bens materiais são fenómenos que estão, tanto quanto sei, enquadrados na lei. Quer se queira, quer não, neste caso são assuntos que devem ser tratados à parte. Uma proposta de lei para defender os mais desprotegidos? E quem são eles? Serão também os que se fazem passar por coitados no momento do divórcio? Serão os filhos? Não me parece. Esses, se não foram verdadeiramente e genuinamente protegidos até ao divórcio, não o serão com propostas de lei. O Estado é hipócrita porque só manifesta o seu interesse pelo fenómeno quando se fala de divórcio, não antes ou durante o casamento. E as leis para defender os interesses e os lesados já existem. Há lugar a falar de valores? Que valores? Os que já se abandonaram ou não foram seguidos durante o casamento? Não façamos confusão. Uma coisa é desejar ou decidir estar num casamento de corpo e alma independentemente das vicissitudes que ele representa. Outra é não querer permanecer casado. Quando isso acontece, nada mais há a fazer que divorciar-se e poder fazê-lo rapidamente. O divórcio litigioso é uma hipocrisia legal, com contornos que adivinho obscuros, sustentados em cedências de outrora, do Estado ao Vaticano. O assunto mais importante a debater não é o divórcio. É o casamento. No divórcio aparecem muitos advogados, conselheiros matrimoniais, legisladores e psicólogos gurus. E antes das pessoas, jovens na sua maioria, casarem? Não são precisos. Basta a experiência e em muitos casos o exemplo ou o conselho dos pais. Que casaram há 20 ou 30 anos atrás, noutros tempos, com outras realidades e mentalidades. Vamos aos valores outras vez? Quem consegue garantir que o exemplo de um casamento hipócrita, envolvido em mentira, falta de respeito e adultério seja seguido pela geração seguinte? Por isso continuo a dizer que o mais importante é discutir-se o casamento, não o divórcio. Não sou dos que afirmam nunca ter sido hipócrita, mas neste caso não contem comigo.

16.9.08

Vou só ali comprar cigarros.

Muito trabalho (e ainda bem), algumas viagens em trabalho (de lazer seriam bem melhores) e uma total e arreliadora falta de inspiração tinha que dar nisto. A porta fica entreaberta já que vou só ali comprar cigarros. Mas conto fazer as visitas que a saudável solidão e quietude proporcionarem.

12.9.08

Não estejas assim.

Ele não te merecia. Como pode um homem abandonar uma mulher como tu? Esses cabelos ruivos, esse ar gracioso, esse corpo deslumbrante. Não estejas assim. Rasga essa carta e esquece-o, mas mantém-te nas laranjas para não engordares e estragar essa magnífica silhueta. Queremos que continues bonita.

11.9.08

Bom fim-de-semana.

Como te entendo...

Lá foi ela, faz hoje uma semana. Há uns meses atrás, depois de um breve estágio numa reputada produtora de audiovisuais, implicou que seria lá que gostaria de continuar a estagiar, de continuar a aprender, pelas palavras dela. Implicou, batalhou e conseguiu a bolsa de estudo que lhe deu acesso ao regresso a Barcelona. O dinheiro é à conta, consta que o quarto é pequenito mas as outras jovens com quem partilha a casa que é boa, arejada e bem situada, têm uma onda porreira. É perto do Paseo de Gracia? Pasaje, pai, estou na Catalunha, teima ela em corrigir-me na tentativa de aperfeiçoamento do seu catalão arrevesado. Na segunda-feira começa no batente como produtora executiva. Apenas a mim me confessou que se se desse bem por lá, talvez por lá ficasse. Sei porque só a mim o fez, porque sabe como o pai pensa. Diz que adora Lisboa, mas... eu sei filha, não precisas de me dizer mais nada, logo a mim. Irei visitar-te. Seria sempre um prazer, mas em Barcelona ele é redobrado. E já agora, acho que é este Inverno que vamos descer as pistas de Baquera-Beret.

Bem vindo, Paulo.

Bolachas, ou bolacheiros, manequins de plástico sem cabelo e quimonos com bordados. Claro que o Paulo se diz sensibilizado e manifesta a sua gratidão, sendo um moço de esmerada educação. A propósito do por nós ansiado regresso ao batente cibernético, achei que, também a propósito, devia por-lhe à disposição um andaime que tinha guardado para este dia especial. Bem vindo, Paulo, dizem elas em côro.

10.9.08

Grandes empresários, um belo governo e um país excêntrico.

A história passa-se em ambiente familiar, num tom descontraído que se vai tornando denso e sério à medida que o tempo passa. O pai, trabalhador assalariado de classe média, comenta que no próximo fim-de-semana vai jogar um dinheiro considerável no Euromilhões. Imaginam-se projectos e discutem-se sonhos que não passam apenas disso. Um fazia isto, outro fazia aquilo, um gastava ali, outro aculá. A voz da mãe soa na sala, seguindo-se um silêncio sepulcral. Primeiro dirigindo-se ao pai, dizendo-lhe que não concorda nada com o disparate de se gastar o dinheiro que não têm, depois mandando os filhos levantarem a mesa que a vida deles não era vida de ricos. Palavra puxa palavra, entre marido e mulher, que os filhos não tugiram nem mugiram e trataram de pôr em prática a palavra obediência. A poeira assenta, a telenovela começa e os filhos abeiram-se do pai, retomando a conversa. Vais mesmo jogar pai? Claro que vou, sou lá homem para perder uma oportunidade destas. E vamos ficar ricos? Se nos sair o Euromilhões. Ah, podemos mesmo ficar ricos. Claro. A conversa continua e o ânimo não esmorece, antes pelo contrário, com o número das excentricidades a tomar conta daquelas cabecinhas criativas. Os ses já nem constam do dicionário quando se vão deitar. Nessa semana foi um ver se te avias. Ele foi roupa nova, sapatos novos, telemóveis novos. Foi sem mãos a medir, é o que foi. Chega o fim-de-semana e nem restou a esperança de mais um jackpot, que o prémio saira a uns franceses. Mas em casa dos Silvas não se passou a viver à grande e à francesa, foi um descalabro. Por contarem com o ovo... aí mesmo. Instalou-se o drama. Esta história podia ter outros protagonistas sem que a essência do seu conteúdo fosse alterada. Também podia ser contada com o governo e o apoio que agora se prevê aos concelhos da Região do Oeste, porque o novo aeroporto já não vai ser construído na Ota. Só que com um fim diferente porque haverá muitos milhões para apoiar e subsidiar, porque há muitos milhões de eleitores. Um fim diferente mas conhecido por todos, porque nós é que vamos pagar. Afinal somos ricos e não sabíamos, só não entendo porque continua a faltar dinheiro para outras (muitas) coisas mais importantes. Qualquer dia não fechar uma escola é que será considerada uma excentricidade.

A notícia do apoio previsto foi ouvida por mim na rádio à meia-noite. Se entendi mal, esta história fica sem efeito e peço desculpa pelo mal entendido.

9.9.08

Uma carga de trabalhos

O sentido genérico da palavra trabalho, tal como hoje lhe é atribuído, teve início no século XIV e pode ser resumido como "aplicação das forças e faculdades (talentos e habilidades) humanas para alcançar um determinado fim". Com a especialidade das actividades humanas, imposta pela pela evolução cultural e especialmente pela Revolução Industrial, a palavra trabalho tem hoje uma série de diferentes significados. Na Idade Média, ao trabalho era associado um significado mais simples e directo: actividades físicas produzidas pelos trabalhadores em geral, fossem eles camponeses, artesãos, agricultores ou pedreiros. Nos tempos actuais devem incluir-se os publicitários. Contudo não deixa de ser curioso que em tempos idos havia um instrumento de tortura constituído por três paus (tri paliu) e que, originalmente, trabalhar significava ser torturado no tripaliu, um vocábulo do latim onde a palavra trabalho tem a sua origem. Pelo menos a mim ajudou-me a explicar porque é que passado tanto tempo (vários séculos) às vezes há dias em que nos metemos numa carga de trabalhos. Ou seja, o tripaliu fustiga-nos sem dó, nem piedade. O lado bom é que se nos metemos, havemos de sair. Ó tripaliu acalma-te lá um bocado que quero ir para casa.

8.9.08

Palavras ditas e palavras ouvidas.

A propósito de uma conversa com uma pessoa amiga de férias nos EUA e actualmente em Miami a pegar ondas de me fazer inveja, fiquei a pensar nas palavras que são ditas e como são ouvidas. O que fazemos, não direi que é mais importante mas conta mais do que o que dizemos. Não sei se Jacques de La Palisse (consta que também se pode escrever La Palice) o disse, mas num universo de adultos a afirmação pode ser considerada uma grande palissada, pelo consenso gerado. O que fazemos é um suporte mais real para uma avaliação do que somos como pessoas. Há, contudo, palavras ditas por nós que, mediante as circunstâncias e tendo em conta o interlocutor ou o momento vivido, soam bem. Palavras ditas que até nós gostamos de ouvir, pelo impacto positivo que têm também em quem as ouve. Palavras que contribuem para, nem que seja por momentos, formar uma opinião da pessoa que as profere. Opinião positiva, claro. Palavras ditas no momento certo, às pessoas certas, no local adequado, palavras genuínas, verdadeiras e que dão som a um sentimento que nada tem de leviano ou oportunista. É a essas palavras ditas que me refiro, não a outras que têm consequências idênticas e que, mesmo não se tratando de mentiras, lhes falta genuinidade no seu conteúdo. Consideremos também, não as palavras soltas, descontraídas e agradáveis, mas as que em si encerram solenidade e compromisso, mesmo que ditas de uma forma descontraída, solta e soando agradavelmente. Depois há as palavras ouvidas. Dei por mim a fazer um exercício curioso sobre as palavras ditas e as palavras ouvidas. Exactamente as mesmas mas em tempos diferentes. As mesmas palavras que antes foram ditas e saboreadas quando ouvidas, e depois, passado algum tempo, desejamos não ouvi-las. O impacto que elas geram e, acima de tudo, a gestão e o comportamento adoptado depois de as ouvirmos revelam muito de nós. Porque aí deixam apenas de ser palavras para passarem a ser fazer. Porque deixam de ser palavras apenas e porque o verbo dizer é substituído pelo verbo agir. Boas férias amigo. E não te esqueças que há palavras que ouvimos e gostamos de ouvir, num determinado momento, mas elas não mudam quando as ouvimos de novo, mesmo não desejando escutá-las, quando o momento é outro. O que importa é o que fazemos depois de as ouvir.

Gosto de morangos.

2.9.08

Há qualquer coisa que me está a escapar.

Há dias, num debate profissional em que o rumo e o foco da discussão se estavam a perder, coisa em que os publicitários por vezes são pródigos, foi abordado o tema dos sete pecados mortais, ou capitais, já que a pena preconizada é essa mesmo, capital. São eles a gula, a avareza, a luxúria, a ira, a preguiça, a vaidade e o orgulho. Sete pecados capitais que mais não são que uma classificação usada nos primeiros ensinamentos do catolicismo, com o propósito de educar e proteger os crentes, apesar de, tanto quanto sei, não haver nenhum registo de nenhum deles na Bíblia Sagrada. E da minha pesquisa posterior me ter conduzido até um monge grego que terá escrito uma lista de oito pecados e não sete, incluindo a melancolia como um dos crimes cuja pena seria também capital. Confesso que sorri, concluindo que nem tanto ao mar nem tanto à terra. Tomás de Aquino deve ter achado o mesmo e os oito passaram novamente a sete. Mas vamos ao que interessa, que já estou a perder-me. Não consta que haja nenhum registo na Bíblia mas a Igreja Católica seleccionou e classificou dois tipos de pecados. Os perdoáveis, sem necessidade do sacramento da confissão e os capitais, merecedores de condenação, deixando de fazer alusão à palavra capital, o que faz todo o sentido. Já este ano, o Vaticano divulgou uma lista de novos pecados merecedores de condenção, a juntar aos ditos capitais. A manipulação genética, o uso de drogas, a desigualdade social e a poluição ambiental estão entre eles. Reapareceu o sorriso, só que desta vez carregado de um sarcasmo silencioso, como o dos inocentes, por verificar que a Igreja, por vezes, também cai em tentação. Neste caso a tentação inglória e vã de se mostrar moderna e actual. A meu ver, numa perspectiva de leigo, a Bíblia tem razão e a Igreja não, quando, sensatamente, não menciona os sete pecados outrora considerados capitais. Porquê? Porque ou há alguma coisa que me está a escapar ou então há uma leitura subtil que não sou capaz de fazer a alguns deles. A gula e a manipulação genética são pecados e a traição não? A vaidade e a poluição ambiental são pecados e a mentira não? O orgulho e a desigualdade social são pecados e o homicídio premeditado não? Como levo a sério o que o Vaticano diz, definitivamente há qualquer coisa que me está a escapar.

1.9.08

Eu também talvez seja de Darfour.

Sou leitor assíduo e desta vez, não me perguntem porquê, li o post duas vezes. No Combustões, um post explosivo em conteúdo e magnífico na forma. Revi-me em ambas as vertentes de um texto que explica quase tudo, até porque o lixo do Império de pés de barro, acrescento eu, sente como sente e jamais sentirá de outra forma, para o bem e para o mal. Também perdoei e, ao contrário do autor de tão incisivo e extraordinário texto, a maior parte das vezes preciso que me lembrem. A vida para nós teve que continuar, sem nostalgia, franzindo o sobrolho à autocomiseração, lidando mal com a pena e esperando sempre muito pouco ou nada em troca, muito menos de uma Pátria patranha, que sempre se acostumou a tratar alguns filhos como enteados. Talvez também seja de Darfour, com as devidas proporções que reconheço no bom senso do Combustões e num texto, não me canso de dizer, contundente e excelente. Parabéns ao autor.

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