14.11.10

O business e a vida.

Entre cenários de crise em que os gestores são postos à prova, num equilíbrio por vezes instável entre convicções, princípios e deveres; entre reuniões com interlocutores a quem os números tornam implacáveis personagens; entre viagens em que mesmo acompanhados, a solidão se mantém como fiel companhia; entre tudo isso, tive o privilégio de conhecer melhor o Otto. Já o conhecia mas mal me lembrava dele. Depois da última reunião e antes de apanhar o voo de regresso a Lisboa, fui até casa do Otto. Um lugar simples mas impressionante. Mas não foi esse lugar, ou mesmo a história da vida dele e da sua família, que me deixaram a pensar. Foi o que ouvi dele, pouco antes de me despedir do lugar, e já na rua enquanto acendia um cigarro e esperava que um táxi passasse e me levasse ao aeroporto. Dizia o Otto, de uma forma serena, que a maior parte dos pais não conhece os seus filhos. Ele, que privou com a filha durante anos, os últimos dos quais muito difíceis, e até que os campos de extermínio de Auschwitz e Bergen-Belsen fizessem, dramaticamente, parte das suas vidas, só soubera quem era a sua filha Anne depois de ler o diário que durante anos, e depois da sua morte, recusara sempre ler. “For me, it was a revelation. There, was revealed a completely different Anne to the child that I had lost. I had no idea of the depths of her thoughts and feelings.” O business levou-me, uma vez mais, a Amsterdão e foi o business que me levou até casa do desconhecido pai da menina eterna que escreveu um famoso diário. O business transportou-me, (ou devolveu-me?), desta vez e sem que ambos tivéssemos previsto, para a vida real. Tão cedo não esquecerei as palavras do Otto. Logo eu, que sou pai de quatro filhos.

11 comentários:

sum disse...

Entrada em grande :) Já estava com saudades.:) Quem tem filhos tem uma sensibilidade extrema a determinados assuntos. Essa é que é essa

Mike disse...

Para ser honesto, não posso afirmar que se trate de um regresso. (Sei lá eu quando aqui voltarei). ;-)
Obrigado, Sum. :-)

Lina Arroja (GJ) disse...

E o inverso também dá que pensar, Mike. Quantos de nós conhecemos verdadeiramente os nossos pais?
É curioso como nos apercebemos dessas realidades no momento em que nos tornamos avós e nos vemos como a geração mais velha. Aí olhamos para os filhos adultos e questionamos o que sabemos deles, o que eles sabem de nós e o que gostariamos de ter sabido dos nossos pais. E olhamos para os pequenitos na esperança de lhes passarmos um pouco daquilo que ninguém sabe.

Mike disse...

Sábias palavras as suas, GJ. Que merecem, simplesmente, e sem vacilo, a minha concordância. Estamos tantas vezes envolvidos e absorvidos com outras "prioridades" que nos esquecemos dessas realidades.

Dulce Braga disse...

Ouvi uma frase muito semmelhante a essa de um professor de meu filho caçula, quando me espantei ao saber de um determinado comportamento dele no colégio. Não foi fácil, mas foi importante para o resto de nossa convivencia.

fugidia disse...

E nós?; quando verdadeiramente sabemos quem somos?
Eu ando a aprender tanta coisa nova de mim, céus!
:-)))

Mike disse...

Dulce,

É assim mesmo. As palavras do pai da Anne Frank, transmitidas através de um vídeo na casa-museu (acho que ele nunca concordou que se chamasse assim) deixaram-me a pensar e a questionar uma série de coisas.
Gostei de a ver por aqui. :-)

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Fugidia,

Será que saberemos verdadeiramente um dia? ;-)

Luísa A. disse...

O «generation gap» é uma realidade, Mike. Há sempre uma vaga incompreensão, até pela diferença de valores e planos de vida. Talvez por isso seja tão decisiva a confiança. Se confiamos, não precisamos de compreender profundamente o que nunca estará ao nosso alcance senão parcialmente. :-)
P.S.1: Não é um regresso, Mike, porque, pelos vistos, nunca houve uma partida. A blogosfera vai-se frequentando mais ou menos, ao sabor dos apetites, certo? ;-)))
P.S.2: Mas não gostamos dessas ausências que nunca mais acabam! :-S

Mike disse...

Estou quase, quase a concordar consigo, Luísa. Só que... como dizer?... pronto, está bem, aceito a "base-confiança". ;-)
p.s. 1 e p.s. 2 - afinal em que ficamos, senhora? (risos)

ana v. disse...

Olha quem voltou!
:-)
É só até ao próximo fim-de-semana ou tencionas ficar mais uns tempinhos, hein?

mike disse...

Nem eu sei, Ana. ;-D
É um prazer ver-te por aqui. :-)