29.10.07

África XVII. E por falar nos flagelados do vento-leste...

... aqueles a quem o poeta caboverdiano Ovídio Martins presta homenagem, gente da sua terra e gente que, por essa África fora sorri na probreza e da pobreza, e da vida dura de quem nasce flagelado pelos ventos, habituada que está a ter as costas voltadas e não os braços abertos, numa África abandonada quando não é cobiçada... eles são assim, os flagelados do vento-leste...

Eles são os flagelados do Vento-Leste!
A seu favor não houve campanhas de solidariedade
não se abriram os lares para os abrigar
e não houve braços estendidos fraternalmente
São os flagelados do Vento-Leste!
O mar transmitiu-lhes a sua preserverança
aprenderam com o vento o bailar na desgraça
as cabras ensinaram-lhes a comer pedras para não perecerem
São os flagelados do Vento-Leste!
Morrem e ressuscitam todos os anos
para desespero dos que os impedem a caminhada
teimosamente continuam de pé
num desafio aos deuses e aos homens
e as estiagens já não lhes metem medo
porque descobriram a origem das coisas
São os flagelados do Vento-Leste!
Os homens esqueceram-se de lhes chamar irmãos
e as vozes solidárias que têm sempre escutado
são apenas as vozes do mar que lhes salgou o sangue
as vozes do vento que lhes entranhou o ritmo do equilíbrio
e as vozes das suas montanhas
estranha e silenciosamente musicais
Eles são os flagelados do Vento-Leste!

(Adaptado do poema de Ovídio Martins, poeta caboverdiano).

26.10.07

África (XVI). Naquela tarde matei saudades do mar dos flagelados do vento-leste.

O jipe aos solavancos na estrada que mais parecia um caminho de cabras, a caminho de Pedra Lume, uma pequena povoação com meia dúzia de casas. A bruma seca, uma espécie de nevoeiro causado pelo vento quente e seco que transporta as areias do Saara, já se acalmara quando chegámos à porta de casa do José. Mão na buzina, que de tanto gritar já só gemia baixinho, suplicando que lhe déssemos tréguas. Zé, oh Zé, levanta-me esse traseiro da cama. Estás a ouvir Zé? A buzina já não ouvia concerteza, que essa, entretanto já se calara, sucumbindo à nossa teimosia. Aquele malandro ou está na sorna ou está agarrado à patroa. Oh Zé larga lá a patroa, deixa isso para mais logo. Zé, nós vamos aí buscar-te... Não foi preciso, o Zé Lopes apareceu à porta com o bom e velho motor Mercury ao ombro. Então pá? Então o quê? eu ouvia os senhores mas estava a preparar-me. Já se habituara que lhe tocassem à porta para pescar no pequeno barco dele. Temos que passar pela casa do Jaime, e assim fizémos que a partir daquele momento quem comandava era o Zé, homem conhecedor dos mares daquelas paragens e experiente pescador apesar da sua juventude. Pelo caminho combinámos o pagamento, uma parte em dinheiro e outra em peixe. A regra de ouro manter-se-ia naquela tarde: só se pescava para pagar ao Zé e para o nosso jantar, que já estava tudo combinado com o Américo, ele cobrava-nos as bebidas e uma taxa adicional para o serviço, que o peixe com que nos havíamos de deliciar levávamos nós. Os amigos ainda incrédulos mas ansiosos por se fazerem ao mar, mergulhando nas suas profundezas, iam vestindo os fatos de mergulho, calçando as barbatanas, colocando os cinturões de chumbo, enquanto o teco-teco do Zé se afastava vagarosamente da costa. Bóia sinalizadora lançada ao mar, alguns conselhos prácticos e úteis instruções, e os nossos corpos, um a um, abandonaram o barco, mergulhando na escuridão das águas do oceano. Nessa tarde deixei a espingarda de caça submarina a bordo... não me apetecia matar os peixes, apenas matar as muitas saudades do mar, daquele mar imenso, sem fim, que banha a terra dos flagelados do vento-leste, como lhes chama o poeta caboverdiano Ovídio Martins.

25.10.07

Sou um péssimo cidadão. Sou um hipócrita. E o pior é que, se calhar, não sou único.

Hoje amanheci de consciência pesada. Mas já me passou, não que a sinta mais leve, apenas porque passei o peso para trás das costas, que é como quem diz, não penses mais nisso, o que não abona nada em meu favor. O peso da minha consciência matinal tem um nome: ambiente, ou fenómeno ecologia, como lhe queiremos chamar. Um assunto para o qual as pessoas minimamente informadas prestam parte da sua atenção, manifestando legítimas preocupações e, a par da informação e da teoria, procuram ou deviam procurar seguir as boas prácticas. A culpa do peso é da Visão e da sua “edição verde” de hoje... e minha, claro, que a revista mais não fez que avivá-la. No que diz respeito a este assunto sou um péssimo cidadão. Pior, bem pior que os não informados, exactamente por não informados serem. Senão vejamos: o meu carro é a gasolina e de uma cilindrada nefasta para o ambiente; separo o lixo mas há dias em que nem sempre o faço, quando não estou para aí virado ou a pressa desviou a minha atenção para outras paragens; se construísse uma casa na praia ou no campo, uma das minhas últimas prioridades eram os amigos painéis solares; fumo desalmadamente e, asseguro-vos, depois de fumados, deito cigarros na rua... e por aí adiante. E não há desculpa, senão vejamos (dois): os carros híbridos, que já foram espécimes raros, complicados e caros, já não o são. Um Honda Civic híbrido custa 23.500 €, quase menos 2.000 € que um 1.8 a gasolina da mesma marca e modelo. Mas eu preferi o meu 6 cilindros a gasolina. Tenho em casa aquele caixote para separar o lixo mas na verdade, preocupação mesmo a sério é com o bem estar e futuro dos meus filhos, cumprimento dos horários escolares, idas ao pediatra, etc... irónico não? Em relação à casa de campo ou de praia, as prioridades seriam o conforto, o número de quartos, a orientação solar e, esticando o orçamento, a piscina no jardim. Energia?... o bom e velho esquentador ou caldeiras eléctricas. Os cigarros... não tenho vícios, posso ter um?... e faço o quê aos cigarros fumados? ando de cinzeiro portátil no bolso?... e por aí adiante. Pois é, o ambiente está dependente de estratégias e políticas ambientais... pois está. Mas diz respeito a cada um de nós, que nos dizemos sensíveis ao assunto, preocupados e minimamente informados. Assumindo que não sou o único a agir assim, o futuro não se apresenta muito risonho para o dito ambiente. Sou um hipócrita, é o que eu sou... ou será que devia empregar o termo na primeira pessoa do plural?

22.10.07

África (XV). Eu? eu vou para o pontão.

Mesa posta cuidadosamente, as toalhas de um branco imaculado ofereciam-nos um pequeno-almoço farto, um belo mata-bicho, como se diz para aqueles lados. Um sol magnífico, brilhante e radioso, recebeu-nos mal passámos a porta dos quartos. A brisa marítima atenuava a força castigadora do calor que nos empurrara para fora das camas e abria-nos o apetite. Era cedo mas a sala estava já composta, para não dizer cheia. Os amigos organizavam-se, tentando chegar a um consenso sobre como ocupar o dia, ainda reféns de um quotidiano preenchido que nem há vinte e quatro horas fazia parte das suas vidas. Eu ouvindo, divertido, e observando. Cinco minutos bastavam para poder afirmar a pés juntos quem tinha acabado de chegar e quem estava prestes a partir, e não era apenas pela visão da tez morena e dos corpos bronzeados que, tal como o algodão, não enganavam. Podia afirmar, bastando para isso atentar à indumentária dos turistas. As camisas, calções, sandálias e acessórios e relógios de marca dos que tinham acabado de chegar, haviam dado lugar a t-shirts simples, calções de banho e chinelos, ou nem isso, nos que se preparavam para partir, convertidos que estavam à simplicidade daquela terra e daquelas gentes. As senhoras queriam estender-se ao sol, ávidas que estavam de bronzear os corpos; eles na dúvida, uns querendo saber o preço do aluguer das motas de água, outros desejando iniciarem-se no mergulho e outros ainda curiosos sobre como se sairiam no desafio do instável equilíbrio sobre as pranchas de wind surf. Também havia quem quisesse alugar um jipe para dar uma volta à ilha ou dar um passeio a cavalo. O que é que achas Mike? Passei a mão pelo queixo, desviei o olhar lá para fora, através da vidraça, e os meus olhos quedaram-se no envelhecido e gasto pontão de madeira, como um braço do areal que parecia querer abraçar o mar. Desviei o olhar para o horizonte, onde se podiam avistar as pequenas embarcações dos pescadores dirigindo-se a terra. Eu vou para o pontão. Vou assistir à chegada dos pescadores, ao desembarque do atum e à pescaria dos meninos crioulos. E senhoras, mesmo que consigam, e eu tenho algumas dúvidas, antes do meio dia saiam do sol, se querem chegar bronzeadas a Lisboa. E senhores, temos tempo, temos muitas horas durante esta semana para fazermos todas essas outras coisas. E se não as fizermos aqui, podemos fazê-las no Guincho, em Lisboa, na Ericeira ou em Cascais. Relaxem, não se apressem, usufruam, aproveitem para viver cada minuto, não como se do último se tratasse. Eu vou para o pontão, se calhar até encontro o Américo, ele que é cioso do peixe que serve no seu humilde restaurante e que ele próprio gosta de escolher. E depois? vais fazer o quê? Encolhi os ombros e sorri... sei lá, depois logo vejo. E os amigo acharam que depois logo veriam também, juntando-se a mim a caminho do pontão para assistir ao desembarque do atum e à pescaria dos meninos.

20.10.07

África (XIV). Morabeza?... Morabeza não se explica, sente-se, vive-se.

Abrem-se as portas do avião e chega o primeiro choque, que é térmico, o ar quente cá fora, contrastando com o ar condicionado que nos acompanhou durante a viagem. Uma Lisboa cinzenta, tristonha, fria e chuvosa, ficara a duas horas e meia de distância e a descida da escada de apoio, uns quantos degraus que nos separam do asfalto da pista, são suficientes para nos colar as camisas aos corpos. Estão em África, amigos, é o bafo dos trópicos. Mas o céu até está meio encoberto... pois está, mas a humidade deve rondar os 90%. Não era a primeira vez para mim, nem foi a última, mas era a primeira visita de amigos a Cabo Verde... e também não foi a última. Tinham feito questão de terem a minha companhia. É que tu és de lá... não, não sou, eu sou de Angola... isso não interessa, és de África... sem saberem quão perto estavam da verdade, deixei a argumentação para outro momento mais apropriado, que aquela África não era a das minhas raízes mas, sendo África meridional, era minha também. Não tinha sido suficientemente persuasivo quando lhes disse que não precisavam de mim para nada, que não iam visitar nenhuma capital europeia ou algum museu que necessitasse de uma espécie de visita guiada. Mas tanto insistiram (não foi preciso insistirem muito) que lhes disse que sim.
O segundo e o terceiro choque não foram térmicos. As impressões que a vista alcançava eram verbalizadas com uma sinceridade... como dizer?... europeia. Isto é tão desolador, tão pobre, tão árido... mas as pessoas são sorridentes e bem dispostas... Eu calado, deixando-me levar por memórias e por outros sentidos. Uma batida dum batuque aqui, o som estridente dum cavaquinho ali, a voz melodiosa de uma feirante ensaiando uma morna aculá, e o cheiro da terra a ser ocupado progressivamente pelo da marzia, à medida que nos aproximávamos de Santa Maria. Chegados ao hotel, Morabeza de seu nome, alguns dos amigos tranquilizaram-se. Na sua simplicidade, tinha tudo o que um europeu espera de um hotel, mesmo em África... ginásio, salão de jogos, quartos amplos, piscina, aluguer de motas de água, aulas de wind surf e mergulho, etc, etc. A mim bastava-me como ele era... simples e pé na areia, com o mar logo ali, a umas dezenas de metros dos quartos. Um deles não conteve a curiosidade. Porque se chama Morabeza? Hum... Morabeza não tem tradução, não se explica, é como a nossa saudade, mas não é a mesma coisa. Há-de ter algum significado, insistiu, não satisfeito com a resposta. Tem, claro que tem, é uma palavra muito falada em crioulo e que pode querer dizer bem estar, gozar a vida, beleza, boa conversa, ou até nadar no mar, mais ou menos como os brasileiros empregam gostoso. Ah, afinal sempre tem tradução. Não, não disse isso, os caboverdianos dizem que Morabeza não se explica, sente-se, vive-se. Sorri, sabendo que no final da semana que ia começar em terras africanas, eles entenderiam o que era Morabeza. Só não saberiam explicá-la... e continuei a sorrir.

18.10.07

Há males que vêem por bem?

Não gosto dos males que vêem por bem. Gosto mais do bem que vem por bem. Nem tão pouco aprecio quando se escreve direito por linhas tortas, que as linhas devem ser tão direitas quanto a escrita e essa gosto dela direita, rectilínia, sem vacilos, mesmo quando de uma prosa sonhadora se trata. Evito, porque não gosto, do I hate to say I told you so. Se detestamos dizer, porque haveremos de fazê-lo? Para deixarmos claro que tínhamos razão? Devíamo-nos ficar pela sensação de a termos sem necessidade haver de humilharmos o prevericador. E isto tudo porquê? O assunto não é assim tão interessante quanto isso, apesar de ultimamente lhe prestar a atenção pelo facto do meu Banco estar nas bocas de toda a gente e nas manchetes dos jornais e revistas. Meu por dele ser cliente há mais de dezasseis anos e, já agora, por ser accionista, mesmo fazendo parte do lote dos míseros accionistas. As trocas e baldrocas, as situações mal explicadas, os perdões de dívidas, aparentemente indevidos ou à margem da lei que os estatutos do maior Banco privado impôs a si próprio... um sem número de episódios que tem deixado preocupados os grandes accionistas. Acções para cima, acções para baixo, guerras internas pelo poder, e os tubarões, claro, à beira de um ataque de nervos, ou pelo menos com eles em franja. Como estão os meus, mas por razões diferentes. Para eles a questão fundamental é o dinheiro. E a razão deve estar do seu lado, porque, como diz o anúncio, no Banco trata-se de dinheiro. Para mim a questão fundamental é a verdade... ou a mentira, ou a omissão, ou o que elas escondem. Falando de verdade, a verdade é que se não fosse por causa do dinheiro, a omissão, ou a mentira, não conheceriam a luz do dia. Se não fossem os Joes Berardos da praça e outros influentes (leia-se influente$), muitas coisas não se saberiam. Ora bolas, afinal, apesar de não gostar, sempre se escreve direito por linhas tortas... ou se calhar... nem tanto, que em casos como este, a escrita é tão torta como as linhas... quando são os Joes Berardos a escrevê-la, a escrita é sempre torta. E continuo a não gostar dos males que vêem por bem.

17.10.07

Nas tuas mãos.

Das tuas mãos me larguei para dar os primeiros e tímidos passos.
E recebi o afago que me conduziu ao sono.
Das tuas mãos me larguei para dar as primeiras braçadas no mar revolto.
E me larguei, convicto, para dar as primeiras pedaladas.
Das tuas mãos recebi a primeira medalha, celando a primeira vitória.
E recebi a primeira espingarda.
Das tuas mãos recebi os primeiros ensinamentos de como conduzir.

Das tuas mãos recebi muito, mesmo sendo pouco. Por ser uma dádiva.
Por ser uma dádiva, não foi das tuas mãos, antes nas tuas mãos.

Nas tuas mãos aprendi a andar. E adormeci serenamente.
Nas tuas mãos aprendi a nadar. E aprendi a andar de bicicleta.
Nas tuas mãos senti o primeiro sabor da vitória.
E aprendi a caçar e a pescar.
Nas tuas mãos aprendi a conduzir. E a conduzir a minha vida.

Nas tuas mãos aprendi o sentido da vida, quando a morte se preparava para nos separar. E aprendi que a morte não nos separou. Não tive um pai. Tenho um pai. Apenas deixei de o ver.

18.10.2007, comemorando o teu 78º aniversário.

16.10.07

Eu, curioso, sinto-me desapontado.

No virar do novo milénio, 191 líderes mundiais aprovaram unanimemente oito objectivos – os objectivos do milénio – a serem alcançados até 2015. Um desses objectivos, erradicar a probreza e fome extremas, assinala-se hoje, dia 17 de Outubro, Dia da Erradicação da Pobreza. Neste dia, em 1989, Javier Perez de Cuellar, então Secretário Geral da ONU, abraçou oficialmente a causa iniciada, dois anos antes em Paris, pelo padre Joseph Wresinski. O Dia Internacional existe, as estratégias também deverão existir, teorias concebidas, também. A práctica deveria caber a todos, governantes e cidadãos. Eu, curioso por saber que acções serão levadas e efeito a nível nacional e internacional, sinto-me desapontado por não saber que papel me cabe, o que fazer, que passo dar, por onde começar...

15.10.07

Fazes-me bem, filho.

Pai, escolhi gestão, diz-me ele com simplicidade mas orgulhoso, e guardando a melhor notícia para mais tarde. Podia escolher economia, marketing, comunicação (não vás por aí, meu filho), mais uns quantos cursos, desses modernos que não havia no meu tempo e que não decorei, sinal que... sinal que nada, sinal que estou a ficar senil ou que nesta idade se faz um filtro especial que retém apenas o que é relevante. E olha pai, escolhi o ISCTE... a média (15,8) dava para entrar na Nova e no ISEG, mas escolhi o ISCTE. Porquê? Porque conheço lá mais gente, porque estão lá os meus amigos. Fazes bem, filho. Fazes-me bem, filho. E quendo começas as aulas? Para a semana... boa, então ainda dá tempo para “derretermos” uns karts em Palmela, esta semana, em jeito de comemoração.

12.10.07

África (XIII). A aventura inesquecível dos big five.

Alvorada às cinco e meia da manhã, já com o céu iluminado por um sol prestes a dar sinal de vida ao fundo dum horizonte a perder de vista na savana africana, em pleno coração do território Masai. Tempo para um pequeno-almoço furgal e rápido, que o verdadeiro breakfast viria depois, por volta das nove horas. Um Houstous irrepreensível e sorridente esperava-me junto de uma Bedford mal humorada e resingona que não manifestava a mínima vontade de se fazer ao mato, numa manhã em que os objectivos eram ambiciosos. Houstous tinha cismado que não partiríamos de Masai Mara sem me proporcionar o troféu tão desejado que são os big five. Outrora, um caçador que prezasse a sua reputação teria que expor os big five como troféu supremo, nos dias de hoje, o troféu é simbólicamente registado pela máquina fotográfica... e ainda bem que é assim. O troféu é simbólico mas a viagem não se reveste de menor adrenalina que outrora. O meu estimado guia alertou-me para o facto de ser raro conseguir os big five na mesma manhã, principalmente porque os rinocerontes habitam lugares difíceis para automóveis, quanto mais para a preguiçosa Bedford, e os leopardos são animais de uma timidez extrema, ou não fossem eles os príncipes das trevas no reino animal, sempre a coberto de uma vegetação inexpugnável. A teimosia de Houstous foi compensada, para minha felicidade, e nessa manhã, antes de voltar ao lodge, tive o privilégio de ter visto os elefantes, os guardiões da savana, junto ao rio, uma família enorme com os adultos numa atitude protectora em relação às crias, os traiçoeiros búfalos a pastarem serenos mas sempre alerta, leões, a fazerem jus ao título de reis da selva, ainda sonolentos, um rinoceronte solitário (um espécime absolutamente majestoso, com um porte invejável), e um casal de leopardos que, segundo o meu guia, se preparavam para acasalar e, concerteza contrariados pela falta de oportunidade dos humanos que lhes haviam estragado o arranjinho, tornaram-se invisíveis em menos de quinze segundos... o tempo suficiente para a máquina fotográfica registar o momento, alcançando o objectivo dos big five. De volta ao lodge, um guia sorridente e orgulhoso da sua competência e um viajante feliz por ter realizado uma vontade sonhada, desejando que o odor da terra africana se perpertuasse, o pó da savana se acumulasse nas pestanas e o sol, já radioso e impiedoso lhe queimasse a pele, de quem havia vivido uma aventura inesquecível.

11.10.07

Einstein era um génio.

As reflexões de Albert Einstein sobre o que mais tarde o levaram à criação da Teoria da Relatividade começaram quando ele tinha 16 anos. Consta que tudo começou numa carta que o jovem enviou a um tio, na qual juntou alguns trabalhos sobre problemas que ocupavam a sua mente... precoce a bem dizer. Mais tarde, muito mas tarde, Prémio Nobel da Física, eleito uma das personalidades do Século XX, com o seu nome dado a um elemento químico e a uma unidade de massa da fotoquímica, ao pedirem-lhe uma definição a relatividade, resumiu-a assim: “Põe a tua mão no forno durante um minuto e parece uma hora. Senta-te com uma mulher bonita durante um hora e parece um minuto. Isso é relatividade”. Que simplicidade brilhante. O homem era um génio ou não era?

EUA estendem a mão à junta birmanesa.

Este título não me surpreendeu e resume o ponto de vista da diplomacia norte-americana, que defende a possibilidade da actual junta militar continuar a desempenhar um papel no futuro, depois da transição de poder na Birmânia. A Time, na sua edição de 8 de Outubro, ilustrava a capa com um elucidativo “Praying for Burma”, desenvolvendo o título com um pequeno texto que terminava com um esperançoso “but the world is watching”, numa espécie de aviso ao regime ditatorial birmanês. O que me surpreendeu, e vá-se lá saber porque é que ainda caio na armadilha da surpresa nestes casos, foi o projecto de resolução apresentado pelas potências ocidentais ao Conselho de Segurança da ONU, nas quais, claro, se incluem as (maiores) democracias europeias, em que essas grandes nações “lamentam profundamente” mas “não condenam” a repressão dos protestos pró-democracia em Rangum. O projecto apresentado apela à democratização da Birmânia e defende que o processo deverá contar com o apoio de um dos maiores, senão o maior, aliado da ditadura militar – a China. Tens que entender Mike, tu não percebes nada de diplomacia internacional, dos interesses que estão em jogo, principalmente quando uma China está envolvida, afinal há mais coisas muito mais importantes que devem ser acauteladas, não pode haver lugar para ingenuidades, etc, etc, etc. Não, não tenho que, nem devo entender... há coisas que não deviam ter preço e tenho a sensação de que hoje o povo brimanês está a pagar um bem elevado, mas as potências ocidentais também pagarão lá mais para a frente. E a ONU... o que dizer da ONU?... o problema não está apenas nos ditadores... Garry Kasparov tinha razão.

10.10.07

Errare humanum est.

A vida e como vivê-la cantada pelos R.E.M. em Madrid, um concerto que o meu irmão assistiu e se deixou encantar, eu invejando-o, pela Life and how to live it. Neste caso fez-se justiça no All-Time 100 que os editores da Time, Josh Tyrangiel e Alan Light elegeram com apertados critérios de selecção. Sim, constavam Otis Redding, Rolling Stones, Bob Dylan, Jimi Hendrix com o seu Experience, Beatles, David Bowie, Prince, The Clash, The Velvet Underground, U2, PJ Harvey e Nirvana, Miles Davies, Frank Sinatra, Van Morrisson, Muddy Waters, entre outros eternos. Mas não me dei ao trabalho de escutar as explicações que os editores, simpaticamente e muito profissionalmente dão para justificar a presença de Dolly Parton, Eminem e Oasis em detrimento dos Doors e Pink Floyd...

9.10.07

A mão de obra estrangeira subtrai emprego aos portugueses, não é pai? Não minha filha!

Os meus filhos foram, e têm sido, educados a respeitarem os valores da tolerância, assim como das diferenças do ponto de vista social, seja elas religiosas, sexuais, raciais, ou outras. No que diz respeito à diferença racial pouco ou nada poderiam fazer para renegar as origens de uma bisavó de raça negra e uma avó mestiça... omitir ou fingir que a bisavó não existiu já que nem a conheceram pessoalmente, era uma hipótese plausível. Mas, felizmente, que isto de educar às vezes prega-nos algumas partidas, não só não renegam essa diferença racial que as origens lhes impõem, como olham para ela como algo natural, que faz parte da vida deles. Posto isto, e para que não restem dúvidas sobre o que a seguir vai ser escrito, avancemos. Há dias a minha mais velha, menina recém formada a gozar um merecido período de descanso dos estudos, um dolce fare niente que ela teima em fare capoeira, dança, surf, Instituto Espanhol e sei lá mais o quê, colocou-me a questão da mão de obra estrangeira qualificada e não só, em Portugal... talvez preocupada com o que sabe que vai ter que penar para se empregar... Não estranhei a visão dela, comum à maior parte dos portugueses... sim, sei que já perceberam... “é de certa forma, mão de obra que subtrai empregos aos portugueses”... A recém doutora, conhecendo o pragmatismo do pai, não estranhou o rotundo estás completamente enganada minha filha, mas foi incapaz de esconder a sua surpresa face aos dados que lhe fui passando, acrescentando que, para além dos números, havia sempre outras questões em causa e que se prendem com a legítima aspiração do ser humano, a procura da dignidade e da melhoria das condições de vida. Dei-lhe como exemplo a nossa emigração nos anos sessenta. Os dados, ou números, como lhes quisermos chamar são claros. A economia portuguesa, entre 1995 e 2005, teria tido um crescimento negativo se não tivesse recebido o contributo da mão de obra estrangeira, com um aumento de cerca de 1,5% do PIB / per capita. Se não fosse essa mão de obra estrangeira, essa mesmo que olhamos de soslaio porque os nossos empregos vem roubar, a riqueza produzida por cada habitante teria diminuído a um ritmo de cerca de 0,6% ao ano. Ah, afinal as pessoas não sabem essas coisas e não sabem o que dizem, atira-me ela com um sorriso nos lábios, quiçà aliviada sem razões para tal (esta parte resolvi não comentar), enquanto caminhávamos por uma Lisboa que parece contrariar os números oficiais... pois, nesses números não constam os dados do sub-emprego, desemprego e situações de vida dramáticas vividas pelos imigrantes. Mesmo assim ainda lhe atirei à laia de conclusão que os estrangeiros que cá trabalham fazem o trabalho que os portugueses não querem fazer. Ela concordou, acrescentando, hoje já aprendi alguma coisa, pai... amanhã serei eu a aprender, filha. E ainda bem.

8.10.07

Que contrariedade... Agora torço pela Argentina!

Fim-de-semana negro para a modalidade... assim me respondeu um amigo, com a propriedade que a parcialidade de um fã de raguebi lhe confere, a quem mandei um sms depois de assistir com mágoa à derrota da Nova Zelândia às mãos de uma equipa francesa que, não sendo favorita, deu tudo o que tinha e não tinha para ganhar. E assim a melhor equipa do mundo e que nestes momentos encontra também artes e engenho para não saber ganhar e provar porque é considerada A melhor, ficou pelo caminho nos inglórios quartos de final. Antes a Austrália também sucumbira às mãos da Inglaterra, neste caso pés, já que nenhum ensaio foi realizado pelos súbditos de Sua Majestade... pois, mas aprendi que não se ganha nem perde mal, apenas se ganha ou se perde. A África do Sul passou um mau bocado mas não deixou os seus créditos por mãos e pés alheios e é a favorita para esse amigo, mas ontem, cá em casa, eu e o mais velho decidimos por quem vamos torcer... pela Argentina... apesar de termos a noção que estamos a torcer por uma equipa perdedora à partida. Mas gostamos deles, principalmente do fantástico pack avançado, quais formiguinhas incansáveis que não param um minuto e do já famoso e reputado médio de formação... que jogador... um Messi da oval... só por ele, torço pelos “celestes”.

Alguém merecia que Portugal não fosse ao Europeu de Futebol.

Amândio Carvalho, de acordo com o seu currículo que consta no site da Federação Portuguesa de Futebol, tem dedicado toda a sua vida ao desporto e ao futebol em particular, sendo já Vice-Presidente, cargo que ocupa hoje, em 1986, ano que para os mais jovens apenas representa uma participação de Portugal num Campeonato do Mundo, mas para mim, e mais alguns, estou certo, ano a que está associada a “pouca vergonha” de Saltillo. Ontem fui surpreendido por declarações suas, o que me leva a crer que este Vice-Presidente já passou tempo demais no futebol... como o vinho quando começa a passar-se, sabem?... declarações em que este responsável se referia ao castigo aplicado ao Seleccionador e que, afinal de contas, as instâncias desportivas internacionais até tinham sido benevolentes, tendo a pena sido reduzida. Acredita ele que, o facto do murro desferido pelo Scolari (acho que as palavras foram mesmo estas) não ter acertado no jogador adversário talvez tenha contribuído, felizmente, para isso. Fiquei incrédulo, pensei que não estava a ouvir bem, talvez fosse uma rábula dos Gatos Fedorentos... mas não. Era o Vice-Presidente da Federação a falar. O meu filho mais velho, ao meu lado, deu uma gargalhada e acrescentou um sonoro “que palhaço”. Os jogadores, porventura, não merecerão, os adeptos e o povo português também não, mas esta Federação merecia que a Selecção ficasse apeada do Europeu... bem, se calhar não ia mudar nada... é que ainda hoje não se sabe nada do inquérito que a Federação diz que instaurou a Scolari por causa do tal murro que, felizmente, não acertou... assim já nos safamos, pensarão os “chicos-espertos” dirigentes federativos... que tristeza, que probreza de atitude, que exemplo...

4.10.07

Quem diria?... entretanto fale com a sua filha antes que a indústria da beleza fale com ela.

China, Rússia e Índia, três grandes colossos, de populações gigantescas. Talvez por isso, sejam mercados apetecidos pelos principais executivos de produtos de luxo. De acordo com um Global Luxury Survey que me foi dado a conhecer pela revista Time através da sua versão Style & Design, a China é o mercado mais prometedor de todos os mercados emergentes, acreditando-se que o consumo de artigos de luxo ultrapasse os EUA em 2015. Relógios e cosméticos caríssimos, carros de luxo importados numa escala não prevista levam, por exemplo, a Armani a abrir mais 24 lojas no país de Mao, ou que já foi de Mao. Mas a Índia não se fica atrás, não só no desejo de ter marcas marcas caras, como, imagine-se, no consumo. E se a Índia não se fica atrás, a Rússia não dá mostras de se deixar bater nesta inglória(?) disputa, com as previsões a apontar para um crescimento de 15% das vendas de artigos de luxo nos próximos 5 anos. Para a geração dos 30 será uma coisa normal, para mim, que confesso uma sensação porventura deslocada, é estranho. China, Rússia e Índia e consumo de artigos de luxo em alta... quem diria? parece que o passado de Mao, Kruschev, Brejnev e Idira Gandhi foi há tão pouco tempo... entretanto, e porque estamos a falar de artigos de luxo, onde se insere também a indústria da beleza, fale com a sua filha, antes que essa indústria fale com ela... quem diz filha, diz sobrinha, irmã, afilhada, neta...

3.10.07

O problema não está apenas nos ditadores...

Altamente utópica, no meu ponto de vista, ainda sim merecedora de reflexão e, quem sabe, também merecedora de uma tentativa para a pôr em práctica, a visão de Garry Kasparov, ex-campeão mundial de xadrez durante mais de 20 anos, actualmente Chairman do United Civil Front, um grupo de democratas activistas com sede na Rússia (calculo sem vida muito fácil). Propõe Kasparov, a elaboração de uma Carta Magna global que previna, controle e trace as fronteiras para o que considera ser um comportamento promíscuo nas relações entre nações. E baseado em quê? em que teoria? Baseado numa observação objectiva assente no facto de, quando as democracias convivem com ditadores (e por vezes de uma forma delicodoce, acrescento eu), os piores regimes do mundo podem assassinar impunemente. Kasparov não é subtil no seu artigo, arremessando o seu discurso para as Nações Unidas. Mas não se fica por apontar o dedo, apresenta soluções e relembra que não é a construir muros isolando as populações de regimes autoritários que se leva a água ao (bom) moinho, referindo as consequências positivas e as reformas que o investimento e os incentivos proporcionaram a vários países de Leste na sua adesão à União Europeia, tornando-se países com mais e melhor esperança. Winston Churchill não era um teórico e no seu famoso discurso no Missouri em 1946 alertava já as recém fundadas Nações Unidas para o seu papel que deveria ser um exercício que fosse para além da retórica. Ele, Kasparov, insurge-se contra a hipocrisia, quando os líderes do chamado “mundo livre” (livre de quê?) promovem a democracia ao mesmo tempo que tratam os líderes dos regimes mais autoritários em plano de igualdade... Eu também. E estou de acordo com ele, quando diz que ainda se está a tempo de reconhecer a falha e enveredar por um, senão melhor (isso só o futuro dirá), novo caminho.

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