17.9.07

Foi Fidel bom para Cuba?

Há uns dias atrás tive o raro privilégio de ser a pessoa a quem foi emprestado o número zero de uma revista recentemente lançada, FP de seu nome (Foreign Policy), dedicada a assuntos de política global, economia e ideias em geral. Àparte a língua brasileira erudita com que são escritos a maior parte dos artigos, que aqui e ali soam... eu diria esquisitos (mas admito que a culpa seja dos meus ouvidos), apreciei ler alguns deles e passar os olhos noutros. Sou fã confesso desse pequeno país caribenho, dos cubanos, do carisma e da atmosfera de Havana, nem tanto do regime, que na adolescência colhia a minha simpatia, culpa do Chê e de Fidel, das suas aventuras, coragem e luta pela liberdade. Comecei por passar os olhos, na diagonal, e detive-me num artigo cujo título, uma pergunta que muitos de nós já colocámos, espicaçou a minha curiosidade, até porque o tempo do verbo ir é usado no pretérito, como que adivinhando o que um dia, que já esteve mais longe, acontecerá a Castro. Foi Fidel bom para Cuba? A resposta era dada no artigo em forma de debate entre dois respeitáveis intelectuais cubanos – Carlos Montaner e Ignacio Ramonet, com o primeiro a defender que não, que Fidel não tinha sido bom para a sua pátria e o segundo a cair em defesa do contrário. Montaner defendia a sua tese desenvolvendo quatro capítulos – O comunismo falhou em Cuba; Os cubanos estão pobres e escravizados; O fim de um triste capítulo e Cuba Livre. Ignacio, por sua vez, cai em defesa de El Comandante e do regime abordando e desenvolvendo diferentes capítulos – O futuro de Cuba está aqui; O invejável percurso de Castro; Vendo a verdade e Viva Fidel. Armei-me em juíz de uma causa que não é minha porque senti a necessidade de responder, apenas para mim, à pergunta que dava início às hostilidades, exigindo a mim próprio um sim ou não, como se não soubesse que a História é pródiga nestas coisas, e “nestas coisas”, há por vezes um talvez sim e um talvez não. Reli um dos capítulos (Cuba Livre), fixei-me em dois ou três parágrafos, peguei no martelo, mandei calar a audiência e proferi a sentença em silêncio: Não. Fidel não foi bom para Cuba. O que diziam esses parágrafos? “Julgar meio século de uma ditadura incompetente segundo as operações que faz às cataratas é um argumento fascista como o que caracterizava os apologistas de Franco: a sua ditadura foi boa porque os espanhóis conseguiram comer três vezes por dia. Argumento também utilizado pelo regime racista sul africano: o apartheid era bom porque os negros não eram tão pobres como os dos países vizinhos. A ditadura de Fidel foi boa porque emprestou médicos ao Terceiro Mundo”. A cegueira ainda não tomou conta de mim e sei reconhecer o que Fidel fez por Cuba, mas sim, conheço bem esse rol de argumentos... que nunca me sensibilizaram. E o bem que se fez não justifica o mal que se faz.

4 comentários:

CPrice disse...

não justifica de facto .. por mais voltas que se dê ..

:) dia bom Mr. Mike

Mike disse...

No caso de Cuba até gostaria que o Fidel e o regime me dessem razões para ter uma visão parcial da questão...

Dia bom para si, miss Once. :)

L. Rodrigues disse...

Tenho para mim que Fidel, a sua longevidade e o regime, são fruto das circunstãncias em que a ilha se viu, a seguir à revolução.

Não é absurdo dizer que os EUA foram desde esse momento a "al-qaeda" de Cuba. Basta contar os planos para assassinar Castro...

Ora, olhando para o que a Al-qaeda provocou nos Estados Unidos em termos de reacção securitária, (patriot act, guantanamo e afins)
Cuba, isolada e ameaçada por um poder desproporcionalmente maior, dificilmente se podia ter tornado um lugar diferente.

Mike disse...

A última (e a terceira) vez que estive em Cuba foi há quase 7 anos e muita coisa pode ter mudado. E nessa visita em que os olhos já não são os mesmos de um mero turista de primeira visita, os meus sentimentos foram paradoxais. Senti a mesma mordaça, quiçà com uma maior revolta sempre calada, mas os sorrisos que vi pareceram-me mais tristes, mais amargurados. Vi mais probreza e senti mais angústia na busca de um emprego. Tudo isso junto mas manteve-se aquele apelo por Havana (mais suja, estragada e descuidada) e pelo povo cubano, e a mesma simpatia mórbida por Fidel de Castro, Chê, a revolução, etc. Dir-te-ei que te entendo, l. rodrigues, mas digo-me não convencido. É que Os EUA não podem ser o bode expiatório para todo o mal.

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