28.6.10

Regresso à terra.

Não posso dizer que conheci a “nova” Luanda. Voltei lá trinta e cinco anos depois e estive muito pouco tempo. Luanda intrigou-me. Não consigo deixar de desapontar todos os que me questionam, emocionadamente, sobre este meu regresso a Angola. E sei que decepcionarei os que me lerão. Lembro-me bem do dia em que cheguei, de madrugada, sobrevoando uma cidade já acordada e em ebulição, com as avenidas repletas de carros, em filas intermináveis. Não senti nervoso miudinho, pelos eriçados nos braços, ou o coração a bater descompassadamente. Atravessei a cidade sem que ponta de emoção se apoderasse de mim, apesar do meu sentido de observação estar anormalmente apurado. Não fiquei abalado com a manifesta falta de cuidado das ruas, passeios e canteiros, mas chocou-me o estado de preservação (ou falta dela) dos prédios. É isso, concluí depois de pouco tempo, o problema está na vertical, não na horizontal, o que nos choca são os prédios, não o que os nossos olhos vêem nas ruas. A minha estadia foi de trabalho, muito trabalho e pouco, quase nenhum lazer. A influência que esse aspecto tem na nossa apreciação é considerável ou mesmo decisiva. Estou certo que voltarei mais vezes e nesses regressos procurarei dosear o tempo dedicado ao trabalho e ao lazer. Mas querem mesmo que vos diga o que senti em Luanda? Senti que tinha chegado a uma cidade onde estão acontecer coisas, onde se sente vida, onde um optimismo inexplicável, transmitido por uma população jovem, nos invade. Sim, é isso, porquê procurar mais palavras bonitas? Estou certo que Luanda é uma cidade que, actualmente, tem tudo para chocar "culturas europeias", mas senti que as coisas estão a acontecer. Ao contrário da cidade que me acolheu quando regressei, que, mais do que nunca, me pareceu suspensa. Suspensa no tempo, nas decisões não tomadas, no optimismo eternamente adiado, suspensa num fado que gostamos e de que não queremos vermo-nos livres. Suspensa, sem que nenhum de nós saiba explicar porquê. Foi esse o sentimento que ficou neste meu regresso à terra de lá e, já agora, à terra de cá. Não sei se voltarei a escrever sobre este meu primeiro regresso à terra. África, Angola, Luanda, não se descrevem em palavras como a Europa, França e Paris, por exemplo. Quem lá viveu sabe do que estou a falar. Creio que preciso de reviver mais Luanda para poder escrever sobre ela. E, já agora, ir ao Lobito, essa sim, a minha terra. Ah, quase me esquecia, irei formalizar o meu pedido de nacionalidade angolana.

13 comentários:

Dulce Braga disse...

Mike
Não há como descrever com palavras...é isso mesmo!
Requerer a nacionalidade angolana é algo que venho amdurecendo também.

Bacouca disse...

Mike,
Adorei ler a sua descrição de sentimentos ao regressar à terra onde nascemos e de onde saimos jovens mas com horizontes rasgados. Não se fala de África, Angola, Luanda,simplesmente. Em África tudo é sempre outra coisa, já dizia o Mia Couto!
Porquê o requerer a nacionalidade? Nunca tinha pensado nisso...
Um xi apertado

Lina Arroja (GJ) disse...

Estou com os olhos no relógio e sem tempo para escrever o que gostaria. Vou voltar mais tarde, embora assim de repente o que mais me alertou foi o seu coração ao largo na ida e apertado na chegada.:-)

Mike disse...

Dulce,

A menina é uma das pessoas que me entende... estava certo disso. Quanto à nacionalidade, confesso que não há, para já, uma componente emocional agregada a isso, apenas prática que os pedidos de visto não são coisa fácil.

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Bacouca,

É mesmo outra coisa que não se explica. Quanto à nacionalidade, como expliquei à Dulce, trata-se mais de uma coisa funcional... pelo menos para já. ;-)
Um xi.

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GJ,

Cá a espero, depois de tirar os olhos do relógio. ;-)
Pois esse seu comentário sobre o coração dá que pensar... mas foi mesmo assim que senti.

fugidia disse...

Pedir nacionalidade?!
(suspiro)
O que é que eu faço com este diabinho sénior, senhores?!

Mike disse...

Peça também a nacionalidade, menina Fugidia. (risos)

Luísa A. disse...

Não me decepciona nada, Mike. Pelo que conheço de si e vou sabendo de Luanda, esperava esse tipo de reacção: de desgosto com o que vê – ou, simplesmente, de não reconhecimento. Mas de entusiasmo com a vitalidade e o futuro que pressente. Presumo que mantenha as duas nacionalidades. Não sei quantas é possível acumular…

Mike disse...

Luísa,

Antes assim. É que as pessoas têm mesmo ficado desapontadas com o que conto. Quanto às nacionalidades, sim. A intenção é ter duas. :-)

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GJ,

Vou já ao seu sítio! Estou curioso para ver o tamanho das mangas. (risos)
A sua apreciação está correcta, nessa abordagem de passado e futuro, Colega. :-)

Patti disse...

Sigo um blog desde o seu início, o 'Cheiro a Pólvora' do jornalista Luís Castro, que quando esteve em Angola recentemente nas eleições, falou disso mesmo, da reconstrução que esse país carrega no momento. E ele é um dos habitué de Angola, tanto em períodos de guerra, como fora dela.
Falou muitíssimo da mudança, não só em Luanda como por todo o país.

Lina Arroja (GJ) disse...

Mike, ontem pensei que não tinha conseguido comentar, daí a insistência...porque gaga, até à data, eu não sou! ;D

ana v. disse...

Hummm... já estou a mesmo a ver os planos para ir virar frangos em Luanda um dia destes... engano-me?

Mike disse...

Ok, GJ... gaga é coisa que nunca achei que a GJ fosse. ;-)

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Hum... frangos acho que não, Ana. A concorrência é enorme. Mas... é caso para se pensar... ;-)

Mike disse...

Patti,

Vou espreitar o "Cheiro a Pólvora". O que me diz no seu comentário adivinha afinidades sobre o tema e sobre o que se vive naquela terra. Obrigado. :-)