19.7.07
Vou ter saudades suas, D. Esmeralda.
Confesso que hesitei muito em trazer este tema para aqui. A vida alheia à alheia pertence e esta é uma vida alheia anónima, o que me pareceu merecedora de ainda mais respeito. Mas como há grandes e exemplares lições de vida, que por serem anónimas nos escapam a todos, e esta é uma delas, resolvi partilhá-la com os desconversadores. A D. Esmeralda (o nome é fictício por razões óbvias) disse-me, a semana passada, que eu era uma benção para ela. Ela não mostrou um ar muito crédulo quando lhe respondi que eu achava o contrário, que ela é que era uma benção para mim. A D. Esmeralda está acamada e apesar de ter recebido a notícia que terá alta em breve, o que para muitos seria uma boa notícia mas que para ela não foi tão boa assim, não tem muitas esperanças de que o seu corpo com mais de 70 anos não passe da cama do hospital para a cama de casa, uma casa que já conheço, sem nunca lá ter estado, pelas descrições minuciosas que ela me fez. Também não é difícil, com menos de 40m2 ao todo... A D. Esmeralda é viúva, uma mulher culta e que deve ter ter sido muito bonita, daquelas mulheres belas, com inúmeros pretendentes. Tem 3 filhos e 5 netos. Se ela o diz com indisfaçável orgulho é porque é verdade e não encontro razões para duvidar. Só que nunca os vi. Vivem longe e têm a sua vida dizia-me ela há dias. E não devem conhecer o brilho que os olhos dela têm quando fala deles, pensei eu. A D. Esmeralda fala-me dos projectos que tem, para ela, para os filhos e para os netos, mas desconhece os projectos que eles deveriam ter para ela. Diz-me a D. Esmeralda que reza em silêncio todos os dias por eles e di-lo com tal convicção que quase oiço as suas palavras no silêncio das preces. As nossas conversas são sempre envoltas num tom de optimismo, com muitos risos e cumplicidade à mistura. A D. Esmeralda não tem muitas razões para estar feliz só que ninguém dá conta disso, nem mesmo ela, para bem dos seus (devem ser poucos) pecados. Considera-se uma privilegiada. E eu também, por usufruir da sua companhia quando lhe sirvo o lanche e me sento à sua cabeceira, junto a uma das camas do IPO. Já tenho saudades suas, D. Esmeralda.
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8 comentários:
.. e por vezes é tão fácil no riso cúmplice e no brilho dos olhos deixar escoar todo o sofrimento da solidão ..
e por outras vezes, poucas, é fácil ficar de olhos brilhantes por outras razões .. como agora, ao reler este pedaço "seu" ..
(bom dia)
Boa tarde, once
É assim como diz, e como sempre bem.
:)
retire o "como sempre" e eu concordo de novo .. :)
Esta moça deve ser "antes quebrar que torcer..."
É assim como diz, e bem.
(risos, muitos risos)
e de onde me conhecerá a exa, pergunto-me .. (mais risos)
assim sim ;)
once in a while, as palavras traem-na apesar de dizer que transparente não é. De lado nenhum, direi eu desconversando, mas com pena minha, acrescentarei, com esperança. ;)
e quem é que quer esconder o que quer que seja .. repetitiva? também .. :)
Ninguém, exa. Ninguém ;)
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