30.7.07

Não há bons ditadores. Mas há uns melhores que outros.

There are no good dictators. But some are better than others. The best dictators permit freedom of expression, rule of law and economic growth, creating a democratic-minded middle class that eventually pushes them aside. Think South Korea. The worst dictators, by contrast, grind down civil society, breeding poverty and sectarian hatred and pulverizing all the institutions from which liberalism might grow. The worst dictators eventually leave too, but when they do, all hell breaks lose. Think Iraq.

How to Deal with Dictators
By PETER BEINART

De repente, e mesmo depois de ter lido o artigo (sinceramente acho que devem poupar a paciência para outras coisas), dei comigo a pensar, olha que se calhar uma daquelas “ditaduras melhores que as outras” até não são assim tão más, quiçà até melhores que algumas democracias...
Fez-me lembrar uma história, que porventura conto aqui com algum despropósito e que me foi contada em S. Paulo. Dizia-me então alguém que na América Latina, se as ditaduras forem “suaves” até são preferíveis às democracias. Ora essa, porquê? Porque roubar todos roubam mas se estiverem 20 anos no poder roubam com mais calma, o povo sente menos e o país não sai tão penalizado. Se souberem que vão a votos dali a 4 anos é o ver se te avias...
Já na altura não convencido pensei, pensamentos encobertos sob a frase “é um ponto de vista”, deixem-me estar e ficar com a boa e velha democracia. Assim, como assim, não vá o diabo tecê-las...

África (III). O céu é azul?

Acreditem que já vi o pôr do sol muitas vezes e em muitos locais. Há três coisas que contribuem para se ter visto o pôr do sol muitas vezes e em muitos locais. Gostar de o ver, viajar e ter entrado nos “entas” (se a primeira permissa estiver coberta, o passar dos anos ajuda à quantidade). Lembro-me das minhas primas, nos idos anos 70 quando os meus pais nos traziam à Metrópole nas férias escolares, me levarem a ver o magnífico pôr do sol do Guincho ou das Azenhas do Mar. Depois, pelo meu pé, vi outros, de Viana do Castelo a Sagres. A primeira coisa que me dei conta foi que aqui, para verem um pôr do sol bonito, as pessoas rumam em direcção ao mar. Também o vi em Brighton (nesse dia ele estava lá para se pôr), em Mombassa, em Copacabana, em Búzios e em Jericoacoara (dizem que é o mais belo do Brasil). Em Punta del Este e na foz do Rio da Prata. Em Pedra Lume, na Ilha do Sal (mais bonito que em Santa Maria), em Agadir e em Havana. No Lobito, em Moçâmedes (magnífico) e em Luanda. E noutros locais recôndidos de que não me recordo agora e se não me lembro é porque estavam destinados ao esquecimento. Em África, as pessoas quando querem ver o mais belo pôr do sol rumam à savana, ao mato como lá se diz.
Lá no mato, uma tarde quando o sol se pôs, o meu pai, era eu um adolescente orgulhoso por ser seu fiel escudeiro nas caçadas à perdiz, e por me sentir já mais homem que os outros, convidou-me a fazer um exercício simples. Vira-te para ali, para onde o sol se está a pôr e olha para horizonte, que me pareceu infidável nessa tarde. Tens que esperar até que ele desapareça por completo. Assim fiz, pacientemente. Agora, sem tirar os olhos do céu, vira a cabeça para trás até onde conseguires.

Céu? Qual céu? O céu não é azul? Nesse dia não. Nem só um pedaço de azul, todo vermelho.
Por experiência própria fiquei a saber que assim é, e não só na África onde estão as minhas raízes. O mais belo de todos, um que deixou todo o céu ainda mais vermelho, vi-o na região Masai, algures onde o Quénia e a Tanzânia perdem a noção das suas fronteiras concebidas pelo Homem e onde a natureza juntou as terras de Mara e do Serengueti.

29.7.07

Vamos de férias. Mãe sofre...

Eu era daquelas pessoas que fazia a mala 2 horas antes de viajar. 2 horas? talvez menos... e esquecia-me de muitas coisas que afinal não faziam falta. Era mas já não sou.
A mais nova hesita, pois claro, já é uma senhorinha e tem aquelas dúvidas que todas as senhoras têm. Pelo sim, pelo não, leva roupa a mais. Pai, não posso saber hoje o que vou querer vestir amanhã, certo? Certo, filha. Duas malas chegarão? A esperança é a última coisa a perder-se... O mais novo “engana-se” distraindo-o. Leva-se a conversa para o bodyboard e para as ondas que vão ser apanhadas e metade dos brinquedos que nunca seriam brincados ficam em casa. Não é assim tão simples mas com paciência e imaginação (sei lá se vai haver ondas), a coisa compõe-se, o petiz fica convencido e a mala consegue fechar-se. A mais velha tem dúvidas sobre quando lá irá aparecer, como ela diz. E levas amigas? Não sei ainda pai. Se calhar é melhor levar roupa de cama a contar com mais alguém. Acho que sim, pai. Acha... vou considerar a resposta como válida, ai vou, vou. Eu vou contigo pai, diz o mais velho. E vai mais algum amigo? Não pai, o Mike está lá em baixo com os pais. Ah, ok... Quer dizer, pai, talvez ele lá fique em casa uma ou outra noite... Talvez? Muito bem, não farei mais perguntas, já me habituei ao talvez. Está quase tudo. Só falta a farmácia, os benurons e os brufens da vida, o xarope para a tosse, mais o repelente, não me posso esquecer do repelente, as gotas para os olhos, mais o quê? mais um montão de coisas que agora não me lembro.
Uff, como mãe sofre, pensei eu enquanto procurava as aspirinas... para mim.

Boas férias para quem ainda as não teve, que vou desconversar com os filhotes para outras paragens, a partir de dia 1.

África (II). Ir ao banho ou dar um mergulho?

De África ficaram-me tantas memórias. Memórias que o tempo, demolidor como só ele sabe, se encarregará de apagar. Mas há algumas que creio sair vencedor desse duelo com ele. O mar é uma delas. O mar que banha África Ocidental é o mesmo que acaricia as areias que pisamos nas praias deste nosso Portugal. Chamam-lhe Atlântico, para mim é simplesmente mar. Lá, como cá, também muda de cor, umas vezes azul, outras vezes em tons de verde, umas vezes transparente e cristalino, outras turvo e ameaçador, e outras há ainda em que até parece que é feito de prata. O mar lá também namora e tem arrufos com a lua e manifesta o seu desamor com marés impiedosas, quando ela é devassa sob o seu olhar romântico. Então porque é que eu o acho diferente? Porque é que o acho maior? Porque é que por estas paragens parece que o mar tem fim, mesmo quando toca o céu, tornando a linha do horizonte real? Lá não, a linha permanece imaginária.
Diz-se que em África, quando uma pessoa não tem sonhos e se aproxima do mar, quando se afasta leva com ela uma mão cheia deles. Em África, naquela onde estão as minhas raízes, não há Verão nem Inverno, o mar faz parte das nossas vidas o ano inteiro e todo o dia, mesmo quando a noite chega. Lá não se diz vamos ao banho, lá diz-se vamos dar um mergulho. Lá não se diz vamos passear pela praia, que cá usamos da mesma maneira quando vamos passear ao jardim ou pelo campo. Lá diz-se vamos ver o mar. Também se passeia pela praia, mas vamos lá para o ver. O mar lá é quente, aqui é frio. Lá parece que nos convida e acolhe, aqui olha-nos desconfiado e frívolo. O mar lá não é melhor nem pior que aqui, apenas diferente. E como as diferenças são tão grandes...
Talvez por isso eu o ache maior.

27.7.07

Parabéns, filho.

12º Ano. Ano de dúvidas, ano de decisões, ano de trabalho e estudo e, sim eu sei, muitas noitadas (sem ser a estudar) até que a madrugada trouxesse o dia (risos), olhadas com desconfiança e alguma apreensão por este pai.
ISCTE era a meta. Economia? Gestão? Marketing? Agora é contigo, meu filho, que os 18,5 da Matemática te deixam a difícil(?), mas serena decisão de poderes escolher.
As decisões que se tomam na vida, aquelas difíceis, aquelas que nos fazem perder o sono, aquelas que nos deixam angustiados e nos fazem mais homens, só o tempo nos mostra se estavam certas ou erradas. A minha revelou-se certa. Não por sorte. Sorte tenho por te ter como filho. E orgulho.
Mas, pelo sim, pelo não, vê lá se equilibras essas noitadas... (risos).
Continua a ser um bom menino que assim bom homem serás.
Parabéns, filho.
E agora, há que comemorar. Este não vai lá com caracóis, nem conhece a Bica do Sapato (mantém-te assim enquanto eu pagar as contas). :)
Espera-nos um belo bife no Tico-Tico com tudo a que tens direito, aqui mesmo ao lado.

25.7.07

Eu Carolina, a escritora.

Ontem, passava eu os olhos pelo jornal à hora de almoço sem fazer o mínimo esforço para o ler, mesmo as letras garrafais, aquelas grandes a que dão o nome de títulos, quando uma reportagem no âmbito do muito na berra processo do Apito Dourado fez com que o passar de olhos abrandasse o ritmo a que se tinha imposto por sua única e exclusiva vontade, já sem o meu controle, eu que sou o dono dos olhos por isso devia ter algum voto na matéria acerca da velocidade com que eles passam por aquelas avenidas desinteressantes a que alguns jornais dão o nome de parágrafos.
Sentado no meu canto, com o privilégio de ter só para mim uma mesa para quatro com três cadeiras vazias a fazerem-me companhia, tratei de decidir sobre as duas opções de leitura, ou melhor, de passar os olhos, que me eram simpaticamente oferecidas pelo senhor João. Tem aqui a Bola e o Correio da Manha. Não, não me esqueci do til, apenas escrevo da forma mais fiel possível a maneira como o nome desse jornal diário foi pronunciado pelo senhor João. E não pensem que ele também se esquecera desse sinal que serve para nasalar a vogal a que se sobrepõe. Se o Campeonato já tivesse começado, se fosse segunda-feira, se o Sporting tivesse jogado no dia anterior... Eram muitos ses, muitos sinais, demasiados, por isso havia que segui-los e, preconceitos para trás das costas, pré-juízos atirados às urtigas e aí vou eu em direcção ao Correio da Manha. As hipóteses de arrependimento eram nulas já que sabia ao que ia e tinha perfeita consciência do que me esperava. Achava eu...
Da Dra. Maria José Morgado havia pouco por onde passar os olhos, mas fiquei a saber que as comadres se zangaram, comadres não, as irmãs. Fiquei a saber mas não cheguei a perceber porquê. Isto tudo para chegar onde? A uma parte da entrevista da irmã famosa, a Carolina, a escritora de um best seller, onde a senhora dizia que “as intimidações têm sido feitas verbalmente, nunca por telefone”. Sem evitar o meu sarcasmo, dei-me logo por contente por ter decidido vestir, nessa manhã, uma camisa em vez de uma t-shirt. Assim o dito sarcasmo ficou-se entre mim e os meus botões, meus não, dela. Depois pensei, espera aí Mike, estás a rir-te de quê? isto ainda está a léguas do troce, troce, troce tudo para a isquerda, controla a rotunda ali à frente, há-dem ver que a gente vamos lá chegar e mais os portantos e os prontos. E vais ver, meu otário, que a Carolina se referia a mensagens escritas, aquelas que tu também mandas do telemóvel. Não percebes nada. Olhei em meu redor e encolhi-me, meio envergonhado por ter parodiado, mesmo que com os meus botõs, ainda assim com a sensação estranha de ter olhares inquisidores sobre o meu sarcasmo despropositado.
Livra... dei corda solta aos olhos e deixei que o passar deles sobre o jornal retornassem à velocidade inicial.

Nós, eternos incompetentes.

O embaixador de Portugal no Brasil, Francisco Seixas da Costa, pediu esclarecimentos à operadora de cabo Sky Brasil pela substituição da RTP Internacional pela SIC, noticiava, há dias, o Diário Digital. Seixas da Costa, em carta enviada ao presidente da Sky Brasil, saúda a iniciativa de incluir a programação da SIC, "abrindo caminho a uma televisão privada portuguesa de elevado mérito", mas simultaneamente considera, "da maior gravidade que isso seja feito em detrimento do canal público português, no qual o Estado Português faz, desde há mais de uma década, um considerável investimento".

A típica incompetência portuguesa (o embaixador será o menos ou nada culpado, fazendo apenas o trabalho que lhe está destinado)... Fazem um "considerável investimento" mas não souberam acautelar os interesses do canal público português, deixando-o na mãos do líder de Pay TV Digital da América Latina, que, como uma qualquer entidade privada, tem poder e legitimidade para decidir o que fazer da sua vida. E vá lá, vá lá, que mantiveram um canal português. Até ver.

24.7.07

Só se vive uma vez.

Esta é uma história supostamente verídica que se passou em tempos idos, a quem nós, os primos mais chegados, chamamos, com toda a propriedade, lenda.
Partiu dela a primeira carta. Na missiva dava conta do profundo e sincero pesar pela morte de seu pai, que com ele vivia numa França longínqua, para onde tinham partido, como tantos outros, fugindo de uma miséria injusta, em busca de um qualquer trabalho e, acima de tudo, de uma dignidade que aqui sentiam inalcansável. Uma prima dela tinha sido o arauto da má nova. Sem nunca confidenciarem um ao outro os seus sentimentos, trocaram correspondência amiúde ao longo de muitos anos, vivendo naquele frenesim da espera do carteiro, dos envelopes abertos à pressa e das repetidas leituras em silêncio. Ele num desassossego e ela em sobressalto. Não conseguiam evitá-lo, nem tão pouco queriam, que aquele frenesim só deles alimentava-lhes o coração tal como o sangue que lhes corria nas veias. Nunca se viram, nem quando ele regressava à sua terra natal para um breve período de férias. Nunca se proporcionou, diz ela hoje, resignada, e com um leve encolher de ombros. Os tempos eram outros, não havia férias todos os anos e quando as havia não abundava o dinheiro para luxos. Nunca se viram mas conheciam-se tão bem que às vezes se julgavam capazes de se descreverem um ao outro, acreditando que se um dia se encontrassem, bastaria a presença dela na Gare de Santa Apolónia para ele a reconhecer de imediato. Que entre mil rapazes saberia a quem acenar, diz ela. Havia de ser o mais bonito, reforça, numa ilusão que a realidade do seu sentir, lhe fez ver quem nunca vira. Ele morreu novo na, agora maldita, França que o acolheu como o seu país só o fez depois de morto. Ela trajou-se de luto para lhe prestar uma última homenagem fúnebre, um luto que se perpetuou porque viúva se sentia sem nunca ter casado. Era um belo homem, diz ela com convicção. Porque é que nunca foi ter com ele? Para quê? estava destinado que seria assim, diz, com o olhar perdido no vazio. Não estava nada, que raio. Eu teria ido.

23.7.07

Bem me parecia...

Uma das coisas que me dá prazer, talvez porque a faça cada vez mais de quando em quando, é sacudir o pó das congas do Bar do Rio, um poiso nocturno onde a música, o ambiente e, claro, as congas, sempre me fizeram sentir “em casa”. As congas são um instrumento de percurssão cubano de origem africana e desconfio que o Congo, ex-colónia Belga, tenha a ver alguma coisa com isso. Mas continuo a chamar-lhes batuques. Caramba, que raio, já alguém ouviu falar em congadas? Mas batucadas estou certo que sim. Desde sempre que àquelas duas lhes chamo, carinhosamente, batuques, esperando retribuir-lhes o prazer que me dão quando as afago. Pura ilusão. Hoje sei que não lhes agrada o termo, pelas marcas que me deixam nas mãos quando, num esquecimento imperdoável, me deixo levar pela música e lhes bato em vez de lhes tocar, como mandam as mais elementares regras. Deve dizer-se vou tocar congas e não, vou bater em congas.
Estou a vê-las, sorridentes ao verem-me chegar, com aquele ar abandonado e desprotegido que homem algum resiste, num momento de sedução maquiavélico. Estamos aqui Mike e morríamos de saudades tuas. Hipócritas, dissimuladas, penso, enquanto atravesso a pista para ir ao seu encontro, num acto de inegável masoquismo. Há uns tempos, estava este “conguero” desajeitado entregue ao tal prazer que a dor lhe infligia, chegou um grupo de conhecidos que traziam consigo amigos. Um desses amigos, Mr Vanity, aproximou-se rodeado de um séquito digno de se ver, a ponto de ter sentido uma vaga de ciúmes nas “minhas” congas. Sempre gostei de congas, acho que até tenho jeito para lhes arrear (ui, ui, ui, isto começa mal, pensei eu), e mais uns quantos elogios a si próprio, empolgando e deixando curioso o tal séquito. Fait vos jeux monsieur, pensei, afastando-me e dando-lhe o lugar, dizendo-lhe be my guest, o que deixou desagradadas as congas para gáudio das outras damas que o acompanhavam. Ainda principiei, inocentemente, a dar-lhe umas dicas para que fosse mais fácil e rápido a Mr. Vanity ir “buscar” os sons graves e agudos e tentando lembrar-lhe que isto das congas tem muito a ver com experiência e intuição, ou melhor, ouvido. Nem a meio cheguei. Sim, eu sei, atira-me ele com o queixo levantado e um sorriso “pepsodent” emoldurando os dentes perfeitamente alinhados.
Lancei um olhar de despedida (à congas, claro) e dirigi-me para a outra ponta da pista, tendo o balcão de um dos bares como destino. Fiquei a observar Mr. Vanity, sorridente, durante uns minutos, aqueles que a vodka tónica durou, não pelo seu virtuosismo, antes antecipando o seu “day after”. Estou a vê-lo, de manhã, a fazer uma ténue tentativa para segurar a embalagem de Guronsan (abri-la nem pensar) e os esgares provocados pela dor infligida, sem misericórdia, pelas minhas queridas amigas. Não, meu palerma vaidoso, não foste picado por nenhum bicho, nem as tuas mãos estão sujas. Estão mesmo inchadas e o escuro que vês nas palmas e nos nós dos dedos é mesmo sangue pisado (neste caso leia-se sangue batido). Olha lá, ó vaidade, tu não és amiga nem te dás com uns moços chamados neurónios, pois não? Bem me parecia.

22.7.07

Desconversa, é o que isto é...

Tenho uma profunda e inconfessável admiração por quem escreve bem, bastando para isso os meus critérios e o meu gosto pessoal. Admiro ainda mais quem escreve assente numa base conceptual. O gosto pela leitura foi-me incutido pelos meus queridos pais. O meu gosto pela escrita é antigo mas aumenta na proporção dos anos que por mim vão passando. Ao contrário de Gabriel García Márquez que, diz ele, nunca fez nada diferente de escrever, igualmente não tenho vocação nem mérito de narrador (és mentiroso Gabriel). Também ignoro por completo as leis da composição dramática (continuas a mentir Gabriel) e se me meti nisto é porque confio na luz do muito que li na vida (desta vez estamos de acordo, senhor Prémio Nobel). E, acrescento eu, por alguns desinfelizes de juízo que, once in a while, contribuem para que a minha designorância aumente em igual proporção aos tais anos que por mim vão passando. Apeteceu-me desconversar, num momento de sinceridade.

Africa minha (I)

África é onde estão as minhas raízes. O meu pai vai desculpar-me (esteja ele onde estiver, estará concerteza mais em paz que eu) e entender que a árvore genealógica não é para aqui chamada. Contudo devo acrescentar que nada tenho a esconder da minha costela trasmontana, apesar de isso não alterar em nada o que sinto sobre onde estão as minhas raízes. Elas estão lá longe, naquele imenso continente negro, algures numa cidade do litoral desconhecida, num país conhecido, Angola.
Comecei a pensar em escrever estes, vou chamar-lhes relatos, em resposta a um desafio de alguém que nunca lá esteve e que gostaria muito de ter estado. Tenho apenas uma certeza, a de que vou desapontar essa pessoa, porque de África se escreveu muito e bem, se fotografou muito e bem também, e se filmou igualmente bem. Mas se há terra onde os sentidos têm sentido e ganham a sua dimensão superlativa, ela é aquela onde as minhas raízes estão. Mesmo assim, como não sou homem para me ficar e me encolher perante um desafio (ah, quantas vezes me “estripei”, Senhor), resolvi meter mãos à obra.
Este não é o primeiro relato e é a primeira e será a última vez que o título é África minha. Por várias razões, porque o acho “batido”, déjà vue e, principalmente, gostaria que passasse a ser também vossa, de quem desconversa.
Ainda não decidi quantos relatos vão ser, mas será de sentidos que se falará e serão forçosamente curtos. Se os achar entediantes, porque jamais deixarei que sejam “lamechas”, ficarão, como outros, na gaveta que creio chamar-se disco rígido (será assim?). Depois se verá. Mas por enquanto ainda é apenas uma ideia que será alvo de amadurecimento. Estavam à espera de quê? De lançar um desafio, com um briefing demasiado abrangente e quererem a campanha para amanhã? Esqueçam, que Roma e Pavia não se fizeram num dia.

20.7.07

Lewis Hamilton tão eficaz como o Tiago Monteiro?

Foi por me lembrar, e comentar com o meu filho, um anúncio inesquecível da Folha de S. Paulo (acho que foi premiado em Cannes) que nasceu este título. Para os mais esquecidos, ou mais novos, relembro que o dito anúncio (um spot de televisão de baixíssimo custo de produção) relatava uma personalidade histórica fantástica, atribuindo-lhe, legitimamente, grandes feitos e préstimos elevados à nação. A personalidade era, nem mais nem menos que... Adolf Hitler. O resumo da história, ou melhor, a ideia (por sinal brilhante) era mais ou menos a seguinte: há muitas maneiras de tratar e dar as notícias. Michael Shumacher bateu praticamente todos os recordes que havia para bater, tornando, a meu ver, alguns imbatíveis. Mas houve um que não conseguiu bater e que pertence ao Tiago: ser o rookie com mais Grandes Prémios terminados na Fórmula 1. Até agora, o mais que badalado Lewis Hamilton terminou-os todos e com distinção. Poderíamos dizer que está no bom caminho e que se afigura como um piloto tão eficaz como o Tiago Monteiro. Mas ainda tem muito que penar para ser como ele. E já neste fim-de-semana.

Obrigado, filha.

Não consigo disfarçar o orgulho de ter uma filha licenciada. É uma sensação estranha, parece que nasceu ontem. Ela é uma daquelas meninas que, sem saberem (também não tinham que saber), contribuem para que um pai se sinta bem com ele próprio. Como não quero que ela se iluda, a minha prenda de fim de curso vai ser um CD do Sérgio Godinho onde conste a música Hoje é o primeiro dia do resto da tua vida. Bom, talvez se juntem uns trocos para ela fazer a tal viagem que tanto anseia (mas tem que ser pela Europa). Obrigado filha por me fazeres sentir um bom pai. Obrigado filha por me fazeres sentir um homem melhor. E já agora, porque não, obrigado filha por o teu curso só me ter custado cerca de €9.500 (entre propinas, material escolar, equipamento, etc). É que tu fizeste o teu papel ao conseguires a média para entrar numa faculdade do Estado e em Lisboa e nunca perdeste nenhum ano. Já o Estado...
Aos pais que um dia lá chegarão (filhos na faculdade) desejo a mesma sorte que eu tive. Paguei o mínimo possível (e acho que o mínimo foi muito) e o que paguei é, incomparavelmente, menor que a alegria que tive e que a boa sensação que ainda tenho. Agora (mais daqui a pouco) vamos comemorar, que se faz tarde, com caracóis a uma tasca que eu conheço e onde eles são uma delícia (ela pensa que a vou levar à Bica do Sapato, que até nem gosto).

19.7.07

Porquê pai?

Dei conta que estava a falar comigo, sentado no banco de trás do carro, porque a frase começou com pai, seguindo-se algumas palavras ininteligíveis, a última acabava em “ar”. Mantive-me calado mas atento. De novo, pai, qualquer coisa “ar”. Tira a chucha meu filho senão não te entendo. Tirou e recomeçou a frase. Elas, elas, elas... Espreitei pelo espelho retrovisor e reparei que tinha o olhar fixo no céu. Elas, elas... à procura da palavra certa que, momentaneamente, se tinha evaporado. As nuvens estão a andar, disse ele com um sorriso mais radioso que o dia. E não é que estavam mesmo? Porquê pai? Estão a ser empurradas pelo vento. Porquê pai? Porque são amigos e gostam de brincar os dois. Como eu e a Matilde e o Quico? Sim, como vocês. E porque é que os amigos gostam de brincar? Esta conversa só vai acabar na escola. E assim foi. Começou tão bem o meu dia, nesse dia...

Vou ter saudades suas, D. Esmeralda.

Confesso que hesitei muito em trazer este tema para aqui. A vida alheia à alheia pertence e esta é uma vida alheia anónima, o que me pareceu merecedora de ainda mais respeito. Mas como há grandes e exemplares lições de vida, que por serem anónimas nos escapam a todos, e esta é uma delas, resolvi partilhá-la com os desconversadores. A D. Esmeralda (o nome é fictício por razões óbvias) disse-me, a semana passada, que eu era uma benção para ela. Ela não mostrou um ar muito crédulo quando lhe respondi que eu achava o contrário, que ela é que era uma benção para mim. A D. Esmeralda está acamada e apesar de ter recebido a notícia que terá alta em breve, o que para muitos seria uma boa notícia mas que para ela não foi tão boa assim, não tem muitas esperanças de que o seu corpo com mais de 70 anos não passe da cama do hospital para a cama de casa, uma casa que já conheço, sem nunca lá ter estado, pelas descrições minuciosas que ela me fez. Também não é difícil, com menos de 40m2 ao todo... A D. Esmeralda é viúva, uma mulher culta e que deve ter ter sido muito bonita, daquelas mulheres belas, com inúmeros pretendentes. Tem 3 filhos e 5 netos. Se ela o diz com indisfaçável orgulho é porque é verdade e não encontro razões para duvidar. Só que nunca os vi. Vivem longe e têm a sua vida dizia-me ela há dias. E não devem conhecer o brilho que os olhos dela têm quando fala deles, pensei eu. A D. Esmeralda fala-me dos projectos que tem, para ela, para os filhos e para os netos, mas desconhece os projectos que eles deveriam ter para ela. Diz-me a D. Esmeralda que reza em silêncio todos os dias por eles e di-lo com tal convicção que quase oiço as suas palavras no silêncio das preces. As nossas conversas são sempre envoltas num tom de optimismo, com muitos risos e cumplicidade à mistura. A D. Esmeralda não tem muitas razões para estar feliz só que ninguém dá conta disso, nem mesmo ela, para bem dos seus (devem ser poucos) pecados. Considera-se uma privilegiada. E eu também, por usufruir da sua companhia quando lhe sirvo o lanche e me sento à sua cabeceira, junto a uma das camas do IPO. Já tenho saudades suas, D. Esmeralda.

Há quem devesse ter atravessado aqueles portões

A Selecção Nacional de Râguebi tem planeada, inserindo-se no seu programa de preparação para o Campeonato do Mundo que terá lugar em França, em Setembro, uma curta temporada na Escola de Fuzileiros, em Vale do Zebro. Não sei se a iniciativa partiu do próprio seleccionador (Tomás Morais) que muito prezo e admiro e a quem o râguebi nacional deverá estar reconhecido. Lembro-me dele, bem mais pequeno, quando acompanhava o irmão Nuno aos jogos, esse sim, um velho conhecido de outras andanças quando ambos disputávamos a oval. Ele talonador do Dramático de Cascais (e da Selecção Nacional) e eu ponta esquerda do S. Miguel. Mas não me admirava nada que a ideia tivesse partido do Tomás, que já deu provas de ser um líder por excelência e um exímio “manobrador” da moral dos seus atletas. A Escola de Fuzileiros conheço-a bem, já que lá me foi “imposta” uma bóina azul ferrete (ainda a tenho) que simbolizava a passagem de Cadete a Fuzileiro por mérito próprio. Ou muitas coisas mudaram, e muito, o que não me parece, ou outros locais haveria com melhores condições para o estágio. Mas uma coisa deve manter-se inalterada: lá preparam-se guerreiros. E o Tomás deve saber. Como também deve conhecer, os dizeres que a Porta de Armas ostenta e dá a ler a quem passa por aqueles portões. A Pátria Honrai que a Pátria Vos Contempla. As nossas selecções de futebol dos mais jovens deveriam ter atravessado aqueles portões...

18.7.07

Hey Joe

Hey Joe, where you goin' with that gun in your hand?
Hey Joe, I said where you goin' with that gun in your hand?
I'm goin down to shoot my baby,
you know I caught her messin' 'round with another man.
(...)
Para alguns já não era segredo, para outros vai deixar de o ser. Hey Joe é uma das minhas músicas preferidas. Conheço inúmeras versões de muitas bandas e músicos. A minha preferida é a do autor, gravada ao vivo a 18 de Outubro de 1966 no famoso Olympia Theater, em Paris e há boa e velha maneira: Jimi Hendrix na guitarra (e na voz), Noel Redding no baixo e Mitch Mitchell na bateria.
Mas não é com essa que vos deixo, quiçà demasiado “raw”, e sim com uma versão (também ao vivo) em que 3 talentosos músicos (mais o fantástico trompetista) - Nick Cave (voz), Charlie Haden (contrabaixo) e Toots Thielemans (harmónica) dão uma expressão única a Hey Joe com o seu virtuosismo.


http://www.youtube.com/watch?v=mmuGAP8iCuM

Parabéns a você... Senhor Nelson.

Desde Março deste ano, após uma decisão controversa para alguns e apenas difícil mas serena para mim, que me tenho dedicado a coisas que têm tornado a minha vida muito gratificante. Nem poderei dizer que fossem coisas das quais sentia saudade porque, na verdade, já me tinha esquecido do bom que elas podem fazer por nós. Ler é, indubitavelmente, uma delas. Com tempo para seleccionar os livros, escolhê-los criteriosamente e entregar-me à leitura sem pressas, antes me deliciando por vezes com os conteúdos históricos e outras vezes com a riqueza das narrativas, o envolvimento das histórias e o talento dos escribas. Há uma semana atrás, quando finalmente e por manifesta ignorância da minha parte, consegui resolver um problema que considerava técnico mas era somente humano e meu, e reiniciei a Desconversa, principiei a leitura de Longo Caminho para a Liberdade, a autobiografia da personalidade pública que mais admiro e quase venero. Nesse Longo Caminho um elevado e sublime exemplo de vida sobrepõe-se à exemplar referência política, retratada num texto admirável com um perfume poético, onde um homem simples coloca a si próprio uma missão por muitos considerada impossível mas que tornou possível o milagre da reconciliação de uma nação: libertar ao mesmo tempo o oprimido e o opressor. Parabéns Nelson Mandela pelo teu 89º aniversário neste dia de 18 de Julho de 2007. Se há pessoas que deviam ser eternas este senhor é uma delas. O homem não será mas os seus ensinamentos, a sua vida e o seu exemplo de carácter e coragem serão. Espero eu, para bem de todos e das gerações vindouras em todo o mundo, não só na África do Sul.

17.7.07

Touché!

Habituei-me a tirar partido e a usufruir do tempo que o trajecto diário entre escolas e casa nos impõe, com o trânsito uns dias colaborante, mas na maior parte das vezes impondo-nos uma rotina desesperante. Os culpados dessa boa nova foram, e continuam a ser, os meus 2 filhos mais novos. Aproveitamos para conversar muitas vezes e sucumbimos à discussão grande parte delas. Mas rimo-nos as vezes suficientes. Numa dessas viagens, a mais velha dos mais novos enveredou por um caminho, também ele habitual, sendo filha de pais divorciados: tirar proveito dessa condição. Não me recordo qual o tema que serviu de mote ao debate mas jamais me esquecerei do que ela, uma menina de 9 anos, me disse e que quase deu, eficaz e implacavelmente, por finalizado o diálogo. Também me lembro que durante a conversa entre nós, fiz uso (na altura achei que, não só era apropriado como poderia contribuir para a tornar construtiva) do facto de muitos colegas serem, tal como ela, filhos de pais divorciados. Igualmente me recordo de tentar fazer-lhe ver, interessada e preocupadamente, os lados positivos da questão, seguindo os conselhos de muitos psicólogos. Bom, mas o que interessa foi o que ela, a certa altura, me disse quando estava eu exactamente nessa fase da conversa, essa dos lados positivos. “Pois, está bem pai, mas eu e o mano não vos pedimos (aqui ela incluíu, numa mostra de maturidade que eu pensava não existir, a mãe) nada dessas “coisas positivas”. Vocês é que decidiram separar-se, nós estávamos muito bem como estávamos e passávamos bem sem as tais “coisas”. Touché! Ou melhor, à boa maneira portuguesa, toma lá e vai buscá-la. O meu papel de pai, ou pelo menos como eu o vejo e encaro, impeliu-me a continuar a conversa, também já não me lembro com que argumentos. Mas lembro-me bem que me sentia em nítida infrioridade. Porventura nesse final de tarde não fui capaz de esconder a tristeza que chegou de braço dado com a preocupação. Bem no final do dia estava reservada mais uma lição a um homem que se considera um bom pai (seja lá o que isso signifique). E dada pela mesma menina que, atenta à tal tristeza (logo desde pequenas mostram que têm o atributo da atenção mais apurado que nós homens), aproveitou o momento a sós quando me aprestava para lhe dar o beijo de boas noites, já ela deitada, para me dizer algumas coisas de que me lembro bem. Como também me lembro muito bem que nessa noite me deitei e adormeci bem mais tranquilo, já com a tristeza a deambular por outras paragens que não as minhas. Uma coisa é certa, daí em diante passei a ter muito mais cuidado com o que digo, principalmente a ela. Por mais informado que esteja, por mais livros e artigos que leia sobre o assunto. Livra, que lições, logo duas, que eu, um pai babado (onde é que já li isto?), levei nesse dia... Abençoada menina.

Não encontro nada para elogiar nesta corja.

Quem o disse, de acordo com Baptista Bastos na sua crónica habitual no Jornal de Negócios, foi Manuel da Fonseca, um grande escritor português que costumava dizer que viver no salazarismo não só lhes roubava a alegria (estou a citar e era muito novo na altura, por isso achei por bem substituir o “nos” pelo “lhes”) mas também os obrigava à vulgaridade de dizer mal do regime, constantemente e sem tréguas. “Corja” era uma palavra de que se servia para qualificar não só os politicos que governavam o país, como os maus escritores, maus jornalistas, maus cineastas, maus artistas. Para Manuel da Fonseca um “mau” era todo aquele que não se comprometia com o seu tempo e rejeitava os testamentos legados, numa continuidade de ordem ética que explicava a razão estética. Nesse artigo, Baptista Bastos relembra o processo que o regime instaurou a Aquilino Ribeiro por ofensas à magistratura, uma história sórdida que deu origem a um escândalo que indignou a Europa intelectual. E aviva-nos a memória de um Portugal esquizofrénico de que falou Eduardo Cortesão e que não é uma fantasia mesmo nos dias que correm. E fala-nos de uma geração que saiu da vida com o funesto desgosto de ter percebido que não havia saída. Menciona a célebre frase “Roma não paga a traidores”, que o procônsul Servílio Cipião proferiu acerca dos assassinos de Viriato, referindo-se a ela como uma lenda já que a realidade é outra: os traidores são compensados. Baptista Bastos deambula, eloquentemente, por um passado recente, trazendo-nos até a um presente em que os valores e princípios mais nobres são constantemente substituídos pela práctica de um subhumanismo, banalização da impiedade e conversão em normalidade o que é aberração. E termina assim: “há dias, no restaurante onde costumo almoçar às sextas-feiras com um grupo de amigos, escritores e jornalistas, perguntei ao ministro Mário Lino: então onde é que está o socialismo? na gaveta! exclamou, sorridente e cheio de júbilo”.
Caímos na armadilha funcionalista e tecnológica que, afinal, apenas tem beneficiado o grande capital monopolista e as estratégias financeiras internacionais. Nada disto nos é dito e esclarecido. Até por uma "Esquerda", que ajuda a cimentar o muro da "modernidade", que nos obriga a mudar de perspectiva, de vida e até de sonhos, sem nada opor em troca. Para a classe dirigente não há alternativa. Ele está em crer no contrário. Eu também!

16.7.07

Ora bolas

Na quinta-feira deitei-me tarde porque Portugal jogava com o Chile. Estava em causa a passagem aos quartos de final do Campeonato do Mundo dos sub-20, no México (maldito fuso horário). Confesso que não tinha muitas expectativas e que a esperança de ver um bom jogo não era muita, e a de ver Portugal ganhar era ainda menor, mas o meu filho ia ver o jogo e achei que era uma oportunidade de estar com ele, num momento de “gajos”. As expectativas, infelizmente, confirmaram-se nas duas vertentes, desportiva e nacionalista. O jogo foi medíocre e Portugal perdeu 1-0 com toda a justiça. Se os miúdos tivessem perdido por mais não era de espantar. Acresce o facto de, mesmo no fim do jogo, ter sido (eu e os provavelmente milhões de pessoas que assistiam por esse mundo fora) brindado com absurdas, impróprias e lamentáveis cenas de indisciplina por parte de alguns jogadores portugueses (leia-se miúdos). Ora bolas, perco um bom par de horas de sono e descanso para isto, para esta vergonha. No dia seguinte o caso era, legitimamente, tema de notícia. A meio da tarde oiço na rádio que a Federação Portuguesa de Futebol (o organismo máximo que tutela o futebol em Portugal) tinha emitido um comunicado. Que o comportamento dos jogadores teria consequências e não passaria impune (até aqui tudo bem) e que a Federação agiria em conformidade assim que fosse divulgado o relatório da arbitragem ao jogo (agora tudo mal). Agir depois da divulgação do relatório? Estão à espera de quê? Não terão visto como eu e os outros milhões o que se passou? As cenas são cristalinas e foram passadas exaustivamente na televisão. O relatório vai ter influência na punição? A minha mãe perguntaria o que é que o traseiro tem a ver com as calças. Um castigo não deveria ter a ver com o outro. A Federação deveria agir independentemente do relatório do árbitro e de acordo com as suas próprias regras disciplinares (deve tê-las, presumo).
Ora bolas, que belo exemplo para uns miúdos que precisavam de um valente puxão de orelhas, de uma punição exemplar e sem piedade!

14.7.07

Muito prazer, miss Whinehouse.

Amy foi-me apresentada por um amigo. A voz dela, claro.

O jazz está nas suas origens musicais (e ainda bem). Amy tem uma voz melodiosa e arrastada, sofrida, que contrasta com a batida da (boa) música e essa tem o condão de nos fazer bater o pé no chão e a palma no primeiro tampo de mesa que estiver à mão. Vou-me fartar dela de tanto a ouvir. Ou talvez não.


http://www.youtube.com/watch?v=LD5sahXoj0U



13.7.07

Reclamar de barriga cheia.

Aprendi a dizer isto quando vivi em S. Paulo entre 2001 e 2003, numa gratificante experiência profissional e inesquecível e enriquecedora experiência de vida. Hoje dei por mim a dizer em silêncio essa mesma frase, quando me senti um ingrato para com a vida, contudo mudei de azimute de imediato, aplicando a mais elementar teoria: olhar para copo e achar que estava meio cheio em vez de o considerar meio vazio. O mar estava flat e eu que tinha um desejo enorme de esgrimir forças com as ondas do oceano, quase decidi não pôr a prancha na água. Ah, espera aí, não estão boas ondas para mim mas estão para o Pedro (o mais novo). E a alegria dele fez-me esquecer que o mar estava flat. Logo a seguir, que com o Pedro é assim mesmo, pensei como aquele miúdo me tira do sério de tão irrequieto e travesso como só ele sabe ser. Os meus pensamentos ainda não se tinham concluído e dei por mim a pensar que se ele estivesse doente seria bem pior. Depois veio a hora do almoço. Outra complicação, parece que se alimenta do ar a raça do garoto. E eu, responsavelmente, a tentar impingir-lhe comida decente. Caramba, logo hoje que o Pedro está todo feliz por não ter ido à escola e ter o privilégio de ir apanhar ondas com o pai, vamo-nos chatear? Não, claro que não! Tentei que ele dormisse a sesta. Sem sucesso. A birra avizinhava-se, andava por ali a rondar. Mas e se ele dormir a sesta mais tarde, em casa, não será melhor para ambos? Wise decision... Está ali no quarto, parece um santo que não é. Hoje não vou mais reclamar porque, na verdade, sei que estaria a fazê-lo de barriga cheia. Amanhã não sei, mas espero ter a presença de espírito e o bom senso de mudar de azimute como fiz hoje.

12.7.07

“A society that burns books... will eventually burn its people.” Heinrich Heine, poeta alemão do sec. XIX/

Conhecia esta frase célebre, não porque tenha lido uma sequer obra do seu autor, mas pela pior das razões: o recrudescimento do fundamentalismo nacionalista da alemanha nazi. Reli-a quando visitava o site oficial de Aushwitz num momento descontraído e satisfazendo a curiosidade do meu filho mais velho sobre a envolvente histórica do mais famoso campo de exterminação. Cerca de 2 dias depois fui confrontado com a notícia do fecho de mais uma escola em Portugal, notícia acompanhada pelas legítimas manifestações de repúdio da população local. As razões apontadas oficialmente são sempre as mesmas e para muitos são lógicas, fazem sentido. Devo estar a ficar velho. Há coisas que tenho dificuldade em entender e, pior, há outras que me recuso sequer a fazer um esforço para entender. A escola é um valor inestimável da sociedade. É como um bom livro. A escola não é apenas um local de instrução e educação, um local onde se inicia o ritual do conhecimento. A escola é um ponto congregador, de união das sociedades locais. Ao fecho de mais uma escola corresponderá, invariavelmente, um êxodo que, por menor que seja, será sempre uma perda para uma população local e não necessariamente um ganho para a outra. As razões para se fecharem escolas são as mesmas para não se fecharem empresas deficitárias. Sim, eu sei, a força dos votos e mais outras que também são lógicas e farão sentido. É que aquela escola tinha alocado um professor para apenas 4 alunos. E daí? É que não havia professores para aquela escola. Como assim se há professores desempregados? Onde é que está a lógica disto? Uma sociedade que queima livros, eventualmente, um dia, queimará o seu próprio povo. E uma sociedade que deixa que os seus governantes fechem escolas? Seppuku!

Onde é que isto vai parar?

A França é, hoje em dia, o maior produtor agrícola da Europa Ocidental. É a 6ª nação mais rica do planeta em termos de PIB-Nominal e a 7ª em termos de PIB-PPC (Paridade do Poder de Compra). Em resumo, é uma das nações da elite mundial. Um artigo recente do Le Monde baseado nos serviços de estatística do Min. da Agricultura francês deu-me que pensar. 77% do revenu (dos proveitos) dos agricultores franceses vêem de subsídios públicos, acrescendo o facto de cerca de 55% das ajudas não estarem directamente ligadas à produção. Fiquei incrédulo. Se eles são ricos e as coisas se passam dessa maneira, não consegui evitar a pergunta: onde é que isto vai parar? Vivemos num mundo de ficção.

What do you think this is?

Foi esta a pergunta que a Rainha Elizabete II atirou a Annie Leibovitz, a famosa fotógrafa americana que se notabilizou pela especialidade dos retratos e cuja marca registada é a colaboração íntima entre o retratado e a retratista. Mesmo que, por razões óbvias, a colaboração não tenha sido tão íntima como é suposto, a Annie deveria saber que "aquilo" era a coroa da rainha. Devia querer fazer um retrato diferente ou com um cunho muito especial. Bateu na porta errada. Rainha é rainha, que diabo. Estou mesmo a vê-la a pedir ao Papa para vestir umas jeans ou ao Bin Laden para ir para a sessão fotográfica vestido à surfista.

Sou um ignorante

Pensava eu, que dificilmente sobrevivo sem o Google ou o u-tube (dei-me imediatamente conta que "sobrevivo" é forte de mais e descabido), que esses 2 colossos eram considerados como 2 dos melhores websites do mundo. Pois recentemente dei conta (aqui entra a Time outra vez, mas é a mesma) que só um desses websites figura na lista dos 50 Melhores de 2007 e, salvo o erro, na 46ª posição do ranking. A curiosidade matou o gato mas não me matou a mim e, àparte os sempre discutíveis critérios de nomeação, pude constatar que na lista há uns sites muito bons, muito bons mesmo. Sou um ignorante, portanto. Mas quem não é? Alguém escreveu algures que todos nós somos ignorantes, só que uns numas coisas, outros noutras.

11.7.07

Carácter, visão, ou "apenas" diplomacia?

Sou um admirador confesso de Henry Kissinger, muito tendo contribuído para isso a leitura do denso e interminável Diplomacia cujo ex-Secretário de Estado Americano é autor. Esta semana "tropecei" na Time (não é uma das minhas leituras preferidas) por culpa exclusiva de um artigo assinado por Alexander Brenner e que nos dá conta da mais recente das múltiplas visitas do outrora político norte-americano à China, uma país que o homem visitou mais de 50 vezes desde que, no distante ano de 1971 e em segredo, Zhuo Enlai concebeu, patrocinou e concretizou o encontro entre Nixon e Mao (olha que dois, para não dizer três ou mesmo quatro). Nesse artigo, Brenner dá-nos conta da admiração que os chineses, principalmente os jovens, têm por Kissinger. Que ele foi um político carismático e em certa medida decisivo; que ele foi (talvez ainda seja) um académico brilhante; que ele seja uma personalidade mundial incontornável e um homem de negócios arguto e bem sucedido, não restam dúvidas a muita gente minimamente informada. Agora que, principalmente os jovens chineses lhe atribuam sex-appeal, o considerem como uma das pessoas com um alto grau de comprometimento com o seu país (com base nas suas mais de 50 visitas à China, as últimas de negócios) e o venerem, até eu, um confesso admirador, fiquei perplexo, para não dizer que achei estranho. Passado o lado emocional da reflexão, fiz apelo do sempre útil pragmatismo e concluí que não era tão estranho assim. "Na cama que fizeres, nela te deitarás" e ele fê-la e continua a fazê-la bem. Concerteza não por causa dos lindos olhos dos chineses e sim para os os deixar de olhos em bico, apesar de em bico já serem. Não sei se é verdade, mas diz quem sabe que é para aquelas paragens que está o futuro e será daquelas paragens que o mundo será "governado". O brilhante, carismático mas obscuro Henry deve saber e deve usar, como poucos e como sempre soube, o seu carácter, visão ou apenas as artes diplomáticas de que ele é mestre. Aumentou a minha admiração por um dos mais sacanas e obscuros políticos do século XX.

Arquivo do blog