Uma das coisas que me dá prazer, talvez porque a faça cada vez mais de quando em quando, é sacudir o pó das congas do Bar do Rio, um poiso nocturno onde a música, o ambiente e, claro, as congas, sempre me fizeram sentir “em casa”. As congas são um instrumento de percurssão cubano de origem africana e desconfio que o Congo, ex-colónia Belga, tenha a ver alguma coisa com isso. Mas continuo a chamar-lhes batuques. Caramba, que raio, já alguém ouviu falar em congadas? Mas batucadas estou certo que sim. Desde sempre que àquelas duas lhes chamo, carinhosamente, batuques, esperando retribuir-lhes o prazer que me dão quando as afago. Pura ilusão. Hoje sei que não lhes agrada o termo, pelas marcas que me deixam nas mãos quando, num esquecimento imperdoável, me deixo levar pela música e lhes bato em vez de lhes tocar, como mandam as mais elementares regras. Deve dizer-se vou tocar congas e não, vou bater em congas.
Estou a vê-las, sorridentes ao verem-me chegar, com aquele ar abandonado e desprotegido que homem algum resiste, num momento de sedução maquiavélico. Estamos aqui Mike e morríamos de saudades tuas. Hipócritas, dissimuladas, penso, enquanto atravesso a pista para ir ao seu encontro, num acto de inegável masoquismo. Há uns tempos, estava este “conguero” desajeitado entregue ao tal prazer que a dor lhe infligia, chegou um grupo de conhecidos que traziam consigo amigos. Um desses amigos, Mr Vanity, aproximou-se rodeado de um séquito digno de se ver, a ponto de ter sentido uma vaga de ciúmes nas “minhas” congas. Sempre gostei de congas, acho que até tenho jeito para lhes arrear (ui, ui, ui, isto começa mal, pensei eu), e mais uns quantos elogios a si próprio, empolgando e deixando curioso o tal séquito. Fait vos jeux monsieur, pensei, afastando-me e dando-lhe o lugar, dizendo-lhe be my guest, o que deixou desagradadas as congas para gáudio das outras damas que o acompanhavam. Ainda principiei, inocentemente, a dar-lhe umas dicas para que fosse mais fácil e rápido a Mr. Vanity ir “buscar” os sons graves e agudos e tentando lembrar-lhe que isto das congas tem muito a ver com experiência e intuição, ou melhor, ouvido. Nem a meio cheguei. Sim, eu sei, atira-me ele com o queixo levantado e um sorriso “pepsodent” emoldurando os dentes perfeitamente alinhados.
Lancei um olhar de despedida (à congas, claro) e dirigi-me para a outra ponta da pista, tendo o balcão de um dos bares como destino. Fiquei a observar Mr. Vanity, sorridente, durante uns minutos, aqueles que a vodka tónica durou, não pelo seu virtuosismo, antes antecipando o seu “day after”. Estou a vê-lo, de manhã, a fazer uma ténue tentativa para segurar a embalagem de Guronsan (abri-la nem pensar) e os esgares provocados pela dor infligida, sem misericórdia, pelas minhas queridas amigas. Não, meu palerma vaidoso, não foste picado por nenhum bicho, nem as tuas mãos estão sujas. Estão mesmo inchadas e o escuro que vês nas palmas e nos nós dos dedos é mesmo sangue pisado (neste caso leia-se sangue batido). Olha lá, ó vaidade, tu não és amiga nem te dás com uns moços chamados neurónios, pois não? Bem me parecia.
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2 comentários:
que maldade hein? ;)
mas de facto .. que não andam de braço dado não andam .. (risos)
É que quando a cabeça não pensa, o corpo é que paga... ;)
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