Pai... Sim... Deves-me 4 gelados. Essa agora... porquê? Porque antes deste gelado o mano comeu 4. E depois? Depois, deves-me 4 gelados.
Não estou a perceber a lógica. Estás, mas não queres mostrar que estás a perceber. A sério. Paaaiii, sabes bem o quero dizer. Percebo a tua lógica, que não tem muita lógica. Deves-me 4 gelados e pronto! Vamos com calma menina, agora não me lembro e também não interessa, mas de certeza que quando o teu irmão comeu os outros gelados, tu ficaste a ganhar alguma coisa. Pode até ser, mas não eram gelados. Mas ganhaste. Já te disse que sim e quando te lembrares o que eu ganhei dizes-me e ficas a dever isso ao mano. Quer dizer, eu é que tenho que me lembrar e para ficar a dever a alguém. Alguém não, ao teu filho. Sim, ao meu filho, mas fico a perder na mesma. Quando se deve a um filho nunca se fica a perder. Quem te ensinou isso? A avó. Qual avó? A avó Maria. A avó Maria só te ensina coisas bonitas. Eu sei. Isso quer dizer que concordas, certo? Concordo sim. Então repete a seguir a mim: devo 4 gelados à minha filha.
...
Então? não ouviste? repete lá. Repito o quê? Paaaiiii. Não ouvi, estou a conduzir e tenho que ir concentrado no trânsito. A mãe ouve-me sempre, mesmo quando está a conduzir. Porque não vai tão concentrada como eu.
Estás a querer dizer que ela conduz pior que tu? Não, não disse isso.
Mas era o que querias dizer, vou-lhe contar. E o que é que ganhas com isso?
Ela fica a achar que sou uma aliada dela. Mas assim perdes o teu aliado que te compra gelados às escondidas da mãe. Os pais são aliados dos filhos para sempre. Os pais só podem ser aliados se os filhos derem provas que merecem. Esta tirada soou-lhe ineficiente. Mesmo que concorde contigo, mas olha que vou perguntar à mãe e a avó Maria se é mesmo assim, achas que eu não mereço que sejas meu aliado? Mereces, claro que sim, tens sido uma linda menina. Então repete lá comigo. Repito o quê? Devo 4 gelados à minha filha. Devo 4 gelados à minha filha. Vês? Não foi difícil. Ela ainda se dava ao luxo de ser complacente na vitória. Pois não, mas não concordo com isso. Agora é tarde para chorar sobre leite derramado. Ainda hesitou mas depois de breves segundos de silêncio não resistiu e avançou com a pergunta para a qual estava quase certo sobre qual seria a resposta. E quem te ensinou isso? A avó Maria. Disseram os dois em uníssono, sendo interrompidos, pela primeira vez, pelo mais novo que se mantinha em silêncio desde que a viagem tinha começado. A avó Maria é minha amiga. Pois é filhote. Mas é mais minha amiga que tua. Agora ela tinha apontado as suas energias, quais baterias anti-aéreas certeiras prontas para devastar outros céus. Não, não é! É! Não é! É! Não é! Meninos, parem com isso, é amiga dos dois. Ele achou que o tom de voz não tinha soado com a firmeza que se impunha e os seus temores revelaram-se acertados já que a discussão continuou. Estavam quase a chegar a casa.
Mesmo assim resolveu intervir, jurando a si próprio que seria a última vez. Porque é que não perguntam a avó Maria de quem é que ela gosta mais ou é mais amiga? O mais novo remeteu-se ao silêncio mas ela não desarmou. Para quê? eu já sei a resposta, ela vai dizer que gosta dos dois da mesma maneira. E sabes porquê? Porque as avós não podem gostar mais de um neto que de outro. Ou será porque ela gosta mesmo dos dois, da mesma maneira? e sente que é amiga dos dois de igual forma. Isso nunca se saberá, só ela é que sabe e nunca irá dizer a ninguém. Estás a querer dizer-me que a avó Maria não diz a verdade? Não, não, eu não disse isso. Agora ele sentia-se outra vez na mó de cima perante o vacilo da convencida e surpreendida filha, que revelava um embaraço impossível de esconder. A avó Maria diz sempre a verdade. O mais novo voltou para ajudar à festa. Cala-te! o que é que tu percebes disso? Percebo que a avó Maria diz sempre a verdade e vou-lhe contar que tu achas que não. Isso é mentira! Eu não disse nada disso e ela nunca acreditaria nisso, e se lhe disseres vais-te arrepender. O tom de voz revelava uma menina desesperada e a dar sinais de estar prestes a perder a clareza de raciocínio até então demostrada. Filha, estás a ir longe de mais. Vocês estão a irritar-me. Não, nós estamos a conversar. Tu é que estás irritada porque gostas de ter sempre razão e agora não tens. O mais novo não desarmava e não estava a ajudar. A tua irmã não está irritada, só está um bocado empolgada e não vale a pena desafiá-la mais. Ele achou que havia que deitar água na fervura. Estou irritada sim! Era ele a deitar água na fervura e a filha a levantar o lume. Pronto, está bem, estás irritada, mas não vale a pena continuares assim. Vês pai? Ela está mesmo irritada. Era ela a levantar o lume e agora o irmão a acender outro bico do fogão. Chega! Sabiam que estavam a esticar a corda, pelo menos ela tinha a perfeita noção disso e o desejo de evitarem a tempestade imperou. Ele logo se arrependeu de ter levantado a voz. Os pais levantam a voz para sentirem que controlam uma situação que, na realidade, já fugiu ao seu controlo. Teria sido o caso? Apenas achara que tinha chegado o momento de exercer a sua autoridade de pai. A palavra autoridade não lhe soou simpática nos seus pensamentos. Também não é para ser, autoridade nunca se faz acompanhar pela simpatia. Ela tinha amuado, cruzado os braços e, de cara fechada, olhava para nada e ninguém através do vidro da janela, com o olhar perdido no vazio. O irmão, de queixo levantado e sorriso desafiador, olhava pelo canto do olho castanho escuro para irmã, sentindo que hoje tinha ganho uma batalha. Uff, o portão da garagem estava, finalmente, a abrir-se. Há 2 anos atrás era bem mais fácil, quando o silêncio do mais novo era “comprado” com um chupa ou uma mão (cheia) de sugos...
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2 comentários:
.. :) eles crescem .. argumentam e contra argumentam com uma audácia invejável e por norma, quase quase sempre, com uma sinceridade sem limite .. testando limites ? também .. :)boa previsão esta ;)
Gostei .. muito!
Uns ossinhos duros de roer, por vezes... :)
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