26.10.07

África (XVI). Naquela tarde matei saudades do mar dos flagelados do vento-leste.

O jipe aos solavancos na estrada que mais parecia um caminho de cabras, a caminho de Pedra Lume, uma pequena povoação com meia dúzia de casas. A bruma seca, uma espécie de nevoeiro causado pelo vento quente e seco que transporta as areias do Saara, já se acalmara quando chegámos à porta de casa do José. Mão na buzina, que de tanto gritar já só gemia baixinho, suplicando que lhe déssemos tréguas. Zé, oh Zé, levanta-me esse traseiro da cama. Estás a ouvir Zé? A buzina já não ouvia concerteza, que essa, entretanto já se calara, sucumbindo à nossa teimosia. Aquele malandro ou está na sorna ou está agarrado à patroa. Oh Zé larga lá a patroa, deixa isso para mais logo. Zé, nós vamos aí buscar-te... Não foi preciso, o Zé Lopes apareceu à porta com o bom e velho motor Mercury ao ombro. Então pá? Então o quê? eu ouvia os senhores mas estava a preparar-me. Já se habituara que lhe tocassem à porta para pescar no pequeno barco dele. Temos que passar pela casa do Jaime, e assim fizémos que a partir daquele momento quem comandava era o Zé, homem conhecedor dos mares daquelas paragens e experiente pescador apesar da sua juventude. Pelo caminho combinámos o pagamento, uma parte em dinheiro e outra em peixe. A regra de ouro manter-se-ia naquela tarde: só se pescava para pagar ao Zé e para o nosso jantar, que já estava tudo combinado com o Américo, ele cobrava-nos as bebidas e uma taxa adicional para o serviço, que o peixe com que nos havíamos de deliciar levávamos nós. Os amigos ainda incrédulos mas ansiosos por se fazerem ao mar, mergulhando nas suas profundezas, iam vestindo os fatos de mergulho, calçando as barbatanas, colocando os cinturões de chumbo, enquanto o teco-teco do Zé se afastava vagarosamente da costa. Bóia sinalizadora lançada ao mar, alguns conselhos prácticos e úteis instruções, e os nossos corpos, um a um, abandonaram o barco, mergulhando na escuridão das águas do oceano. Nessa tarde deixei a espingarda de caça submarina a bordo... não me apetecia matar os peixes, apenas matar as muitas saudades do mar, daquele mar imenso, sem fim, que banha a terra dos flagelados do vento-leste, como lhes chama o poeta caboverdiano Ovídio Martins.

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