Abrem-se as portas do avião e chega o primeiro choque, que é térmico, o ar quente cá fora, contrastando com o ar condicionado que nos acompanhou durante a viagem. Uma Lisboa cinzenta, tristonha, fria e chuvosa, ficara a duas horas e meia de distância e a descida da escada de apoio, uns quantos degraus que nos separam do asfalto da pista, são suficientes para nos colar as camisas aos corpos. Estão em África, amigos, é o bafo dos trópicos. Mas o céu até está meio encoberto... pois está, mas a humidade deve rondar os 90%. Não era a primeira vez para mim, nem foi a última, mas era a primeira visita de amigos a Cabo Verde... e também não foi a última. Tinham feito questão de terem a minha companhia. É que tu és de lá... não, não sou, eu sou de Angola... isso não interessa, és de África... sem saberem quão perto estavam da verdade, deixei a argumentação para outro momento mais apropriado, que aquela África não era a das minhas raízes mas, sendo África meridional, era minha também. Não tinha sido suficientemente persuasivo quando lhes disse que não precisavam de mim para nada, que não iam visitar nenhuma capital europeia ou algum museu que necessitasse de uma espécie de visita guiada. Mas tanto insistiram (não foi preciso insistirem muito) que lhes disse que sim.
O segundo e o terceiro choque não foram térmicos. As impressões que a vista alcançava eram verbalizadas com uma sinceridade... como dizer?... europeia. Isto é tão desolador, tão pobre, tão árido... mas as pessoas são sorridentes e bem dispostas... Eu calado, deixando-me levar por memórias e por outros sentidos. Uma batida dum batuque aqui, o som estridente dum cavaquinho ali, a voz melodiosa de uma feirante ensaiando uma morna aculá, e o cheiro da terra a ser ocupado progressivamente pelo da marzia, à medida que nos aproximávamos de Santa Maria. Chegados ao hotel, Morabeza de seu nome, alguns dos amigos tranquilizaram-se. Na sua simplicidade, tinha tudo o que um europeu espera de um hotel, mesmo em África... ginásio, salão de jogos, quartos amplos, piscina, aluguer de motas de água, aulas de wind surf e mergulho, etc, etc. A mim bastava-me como ele era... simples e pé na areia, com o mar logo ali, a umas dezenas de metros dos quartos. Um deles não conteve a curiosidade. Porque se chama Morabeza? Hum... Morabeza não tem tradução, não se explica, é como a nossa saudade, mas não é a mesma coisa. Há-de ter algum significado, insistiu, não satisfeito com a resposta. Tem, claro que tem, é uma palavra muito falada em crioulo e que pode querer dizer bem estar, gozar a vida, beleza, boa conversa, ou até nadar no mar, mais ou menos como os brasileiros empregam gostoso. Ah, afinal sempre tem tradução. Não, não disse isso, os caboverdianos dizem que Morabeza não se explica, sente-se, vive-se. Sorri, sabendo que no final da semana que ia começar em terras africanas, eles entenderiam o que era Morabeza. Só não saberiam explicá-la... e continuei a sorrir.
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1 comentário:
.. :)
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