19.9.07
África (XII). A teoria (e a práctica) da batata (que ficou por explicar).
Samarra vestida e apertada até ao último botão, gola puxada para cima, gorro montanhês na cabeça e passa-montanha no bolso, não fosse o cacimbo apertar durante a viagem feita no robusto, barulhento e lento Willys, sem portas nem janelas que se fechassem, quanto mais chaufage que os aquecesse durante os 150 quilómetros que os esperavam. Tempo para uma breve despedida da mãe e do irmão que não conseguia esconder um olhar de inveja. O sol já se tinha posto e o pai, que gostava de conduzir de noite, levantou a cabeça para o céu carregado, prenúncio de uma viagem molhada. Sem chuva normalmente chegavam ao Balombo, onde dormiam em casa do tio Doro (na realidade o nome do tio era Teodoro), por volta das nove da noite, mas com chuva, mesmo que fosse a molha-tolos, não chegariam antes das onze. Poucas horas de sono até à alvorada sem despertador que a dormida era de portadas abertas e o sol não pedia licença para entrar. Nessas manhãs, lá no mato, até o velho e rabugento galo se enervava, tal era a madrugadora azáfama, mesmo antes dele afinar as cordas vocais para o cantar matinal. Rebolava-se a rir com a cara do pobre galo, de bico baixo e ramelas ainda nos olhos, quando uns sonoros pontapés na capoeira o faziam erguer da cama de palha na companhia de meia dúzia de damas que também alvoroçadas com as biqueiradas, cacarejavam loucas, ainda só um pedacinho do sol que se erguia se vislumbrava no horizonte a perder de vista. Sorriu quando o pai, depois de mirar o céu, desviou o olhar para ele. Estão duas batatas no jipe, pai. O sorriso retribuído pelo pai foi recebido com o orgulho de um rapaz feito homem, que os preparativos da caça eram responsabilidade sua e nunca, jamais, se poderia esquecer desse detalhe. Nessa noite era quase certo que dariam uso a pelo menos uma delas porque o limpa pára-brisas não era fiável e se a chuva se tornasse chuvada ou intempérie, a batata cortada ao meio e esfregada no vidro faria o seu efeito. Prontos para a aventura, que na cabeça dele a viagem tinha esse nome. Só faltava prender os cinturões um ao outro que cintos de segurança só os vira nos aviões, não fosse ele adormecer, terminando borda fora numa curva mais apertada. A chuva, ameaçadora, acabaria por chegar nessa noite, escura e sombria, iluminando o sorriso feliz do rapaz.
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3 comentários:
.. e é de sorriso que termino esta leitura .. parabéns mike .. de novo !
Grato, once. ;)
É só para rectificar o nome do meu Pai: Deodoro Faria e não Teodoro...
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