6.7.08

Rua Haddock Lobo, São Paulo, Brasil.


O episódio ocorreu há cerca de quatro anos. Trabalho concluído, prestes a voltarmos a Lisboa, decidi convidar o director criativo para almoçar num dos meus restaurantes preferidos de São Paulo. Vamos ao Gero, propus-lhe de uma forma inopinada, quando o relógio indicava que a hora de almoço se aproximava. Ele, sendo a sua primeira visita a uma das maiores metrópoles do mundo, aceitou o convite e concordou com a sugestão. À porta do Gero, antes de entrarmos, parou, segurou-me o braço, pensativo, e não se conteve. Olha lá, já viste como estou vestido? Calças de ganga (eram daquelas propositadamente rasgadas), t-shirt e ténis. E daí? E daí como? só podes estar a gozar, eu não estou para passar vergonhas. Eu não estava muito melhor vestido que ele mas não usei tal argumento. Cala-te (disse outra coisa mas não vem ao caso, nem é bonita de se repetir em público) e anda daí, respondi-lhe eu, já atravessando a porta. O Gero é um típico restaurante frequentado por executivos à hora de almoço, com uma cozinha requintada e um serviço exemplar. Recebeu-nos à porta o maitre, simpatiquíssimo, e fazendo as perguntas da praxe depois de nos cumprimentar e nos dar as boas vindas. Não, não temos reserva. Muito bem, tem preferência pela mesa? Não tínhamos e esperámos pelo empregado que entretanto tinha sido chamado para nos acompanhar. O maitre reconheceu-me de outros almoços com o meu ex-patrão brasileiro, passara-se cerca de um ano. Em amena cavaqueira, comentei com ele as dúvidas do meu colega, que me olhou de sobrolho franzido. Ele dirige-se ao director criativo com um sorriso e diz-lhe que esse tipo de questões não se colocavam no Gero e que se estávamos ali é porque tínhamos bom gosto e podíamos pagar, só isso importava. Não há melhor maneira de começar o almoço, diz-me o meu companheiro de refeição enquanto nos encaminhávamos para a mesa. Pois não, pensei, mas espera até começarmos a comer. Não me lembro o que almoçámos, só me recordo que foi uma excelente refeição e, para além disso, num boníssimo restaurante. Só que desta vez não me surpreendi.

19 comentários:

fugidia disse...

Meu querido Mike,
acredito que sim, que a resposta e o atendimento seriam (e são) sempre esse, independentemente da roupa.
Mas subsiste a dúvida, não lhe parece? É que o Mister era conhecido, não era?...
(risos provocadores)
:-)

-JÚLIA MOURA LOPES- disse...

Olhe, Mike os meus pais viram Miguel Torga ser impedido de entrar no restaurante Espadeiro em Vila Real e se não tivessem intervido, ele não entrava mesmo, já se ia embora, com as galochas e o capote à alentejana, pouco se importando!!

Tenho histórias engraçadas e bizarras dessas.

Às vezs os critérios deixam a desejar...

Um amigo meu que estava de calções "virou-se para o empregado e disse : "desculpe, eu estou bem vestido, estou é pouco vestido!" (hoje é figura publica e muito afectada)
Eu olhei `para as mesas e achei-me despida, vestido de alcinha,acabada de vir da praia,, as senhoras de colares, os homens enfardados...

Lina Arroja (GJ) disse...

A isto chama-se tirar o melhor partido da situação. Como diz um amigo meu arquitecto "assumimos descontraidamente algo nunca visto!"

ana v. disse...

Mais um restaurante a anotar, Mike. Fica guardado para uma visita a S. Paulo que deverá ser ainda este ano, espero.
:)

Anónimo disse...

Fugidia, creio que a questão não é essa... a postura é que é diferente e apesar de haver limites, quem recebe sabe avaliar a pessoa que está à sua frente mesmo que esteja de havaianas... :)

Pois, Júlia, como eu a entendo... mas a menina de vestido de alcinha, acabada de vir da praia, é maldade... um desassossego para os homens e uma irritação para as senhoras... irra, que não faz a coisa por menos... (risos)

Grande Jóia, :)
De repente pareceu-me que faltava um "que" na frase, mas sou eu a desconversar, não ligue... (risos)

Ana, o Gero recomendo para almoçar. :)

Cristina Ribeiro disse...

Lembrou-me um triste episódio passado num café de Braga- tido como "de culto", é certo-,mas onde as coisas já mudaram muito, felizmente!
Quando um amigo alemão, professor na Universidade do Minho, quis lá entrar, barraram-no, porque estava de sandálias...

Anónimo disse...

Um café de "vulgo" portanto, Cristina... ;)
Nunca passei por isso, mas se tivesse passado acho que nunca mais punha lá as minhas sandálias...

Lina Arroja (GJ) disse...

Mike,aí é que está o segredo da frase. Aqui vai o que :)
"Algo nunca visto" ( o que não lembraria aos mais sensatos)
"Assumir descontraidamente" (não tentar esconder o que sabemos que não está bem). Ficará sempre melhor uma meia porta assumida descontraidamente do que uma suposta janela envergonhada:)

-JÚLIA MOURA LOPES- disse...

ainda não saiu de S. Paulo, catrino?

O Réprobo disse...

Meu Caro Mike,
que outra coisa se poderia esperar de um restaurante sito na Rua Haddock Lobo (do mar), nome evoctivo do meu tintinesco mestre de Ética?
No mais devo dizer que a atenção demasiada à farpela faz sempre sorrir, mas que deve haver inteira liberdade de cada um impor as fatiotas que queira. É sempre apontado o exemplo edifivante de Wellington, então primeiro-ministro, que deu meia volta, como militar obediente, quando o porteiro do club o impediu de nele cear, dado não envergar trajo de noite.
Só frequentar quem nos queira como estamos, sem nos impormos, é o contraponto da tal postura aberta que tão bem enalteceu.
Abraço

Anónimo disse...

Grande Jóia, concordo com a meia porta assumida descontraidamente. :)

Júlia, há quanto tempo não ouvia catrino e sempre pela boca da família paterna, gente de Trás-os-Montes... :)

Não conhecia o exemplo, de enaltecer, de Wellington, caro Réprobo. Mas registo com um sorriso.
Um abraço.

ana v. disse...

Um catrino será da família da nau catrineta?
(pergunta inocente...)

-JÚLIA MOURA LOPES- disse...

E eu a pensar que não conhecia a palavras!!!

a minha familia paterna é transmontana e foi lá que aprendi "catrino"
Ana "catancho" é primo do "catancho" :-)

ana v. disse...

Júlia querida, importas-te de falar português????
;)

Luísa A. disse...

Folgo em saber que há desses estaminés tão bons e requintados, quanto despretensiosos. Este seria um excelente atractivo, apenas empalidecido pelo que nos separa – a imensidão atlântica – e pelo facto do Mike não recordar o menu. Isso é grave, porque eu recordo tudo o que comi (ou bebi) em todos os restaurantes afamados a que já fui… e que já ultrapassam, certamente, a meia dúzia! ;-)

-JÚLIA MOURA LOPES- disse...

Querida Ana, já sei que és muiiiiiiiiito urbana.

estou espantada é com as sandálias do Mike!!

ana v. disse...

Nada disso, Júlia. A minha infância foi passada no campo. Há muitos vocábulos do Ribatejo que podia dizer-te e ficarias tão a zero como eu com os catrinos e os catanchos!
Beijinhos

Mike, desculpe a invasão...

Anónimo disse...

A invasão é bem vinda. Conhecimento e aprendizagem não ocupam lugar... :)

-JÚLIA MOURA LOPES- disse...

:-)

Ribatejana? Não sabia! :-)

isto deve ser da idade, ando a reviver estes regionalismos apreendidos em férias e a achar imensa graça.

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