15.6.08

Uma lição de bem estar com a vida.

Quem comigo lida de perto sabe que gosto de desportos motorizados, gosto de corridas de carros, de motos e de ralis, quer se tratem de pequenos troféus, quer sejam corridas ao mais alto nível, especialmente estas, como por exemplo a Fórmula 1 ou o Moto GP. E sempre que posso, gosto de as ver ao vivo, de ouvir o barulho ensurdecedor dos motores em alta rotação, o cheiro da borracha queimada, da gasolina, as ultrapassagens feitas no limite e com mestria ou a tensão da velocidade. Desde a minha adolescência que acompanho o desporto motorizado e as carreiras dos seus principais protagonistas. Hoje, em casa e no silêncio, e porque não admitir, na paz? que a ausência dos filhos me proporcionou, acompanhei duas provas do WTCC, com carros aparentemente, só aparentemente, idênticos aos que circulam nas ruas, e assisti à primeira vitória desta temporada de um piloto que se chama Alex Zanardi. Se me senti emocionado com a sua saída do carro, já no padock, e com a sua comemoração, confesso que comovido fiquei durante a conferência de imprensa que habitualmente se segue ao final das provas. O Alex Zanardi tem quarenta e um anos e tornou-se famoso nos EUA por ter sido bi-campeão na Fórmula Cart, o equivalente à nossa Fórmula 1 europeia. Há sete anos atrás, numa corrida aziaga, foi protagonista de um acidente terrível de que me lembro bem, por estar a assistir à prova pela televisão. O resultado foi nefasto para um piloto prometedor e ainda com uma carreira que se adivinhava brilhante, tendo-lhe sido amputadas as duas pernas acima do joelho. O simpático Zanardi, admirado e acarinhado por todos os que fazem parte do universo das corridas, esteve à beira da morte. O diagnóstico foi cauteloso, mas pouco depois, quando a vida deixara de estar em perigo, soube-se que com a ajuda de próteses, voltaria a andar. Com um automóvel especialmente preparado para ele, também se concluiu que poderia voltar a conduzir. Mas competir? e a um nível de exigência elevado? Creio que só mesmo ele acreditava. Hoje vi-o sair do carro, exultando pela primeira vitória desta época, apoiado em duas muletas e arrastando-se, quase tropeçando, antes dos merecidos e emocionados abraços da equipa. Seguiu-se a conferência de imprensa e, revelando um humor contagiante, começou por dizer que estava na posição que mais lhe convinha. Sentado. A sala explodiu em gargalhadas. E foi comovente ouvi-lo fazer o retrato da prova, que para ele é sempre difícil por tudo ter que fazer com as mãos. Acelerar, travar, embraiar, conduzir. Por isso é que de vez em quando vocês vêem os piscas ligados, os faróis a acenderem-se ou o limpa-pára brisas accionado invloluntariamente... é que eu por vezes atrapalho-me. E as gargalhadas voltaram a soar na sala, sob uma comoção difícil de explicar. Já no fim, um repórter comentou que ele era um exemplo de espírito de sacrifício e de vontade de viver, em jeito de pergunta e afirmação. O Zanardi sorriu, e com uma simplicidade quase atroz de tão genuína, respondeu-lhe que não, que era apenas um homem simples e feliz, com uma família fantástica, e que se sentia abençoado por fazer o que gostava na vida. Apenas me faltam as duas pernas, mas já me habituei a isso, e pelos vistos não constitui impedimento para vencer, terminou ele, sorrindo, e deixando primeiro a sala em silêncio, antes de irromperem os aplausos. Que lição, pensei eu para com os meus botões.

17 comentários:

fugidia disse...

Sim, Mike, são estas as grandes lições de vida.
E tanto podemos aprender com os outros como connosco próprios. Basta querermos.
O prémio? É tornarmo-nos Grandes e Inteiros.

Anónimo disse...

Fugidia, no caso do Alex Zanardi, inteiro é difícil... (risos)
(pelo que vi hoje, creio que ele se riria, nem lugar a perdão por esta piada haveria)

fugidia disse...

:-)
Inteiro, sim, Mike, ainda que sem pernas :-)

Não gosto nada deste tipo de comentários que vou fazer (por me parecerem sempre muito piegas - risos), mas abro uma excepção: creio que ao ler o seu post emocionei-me não só com a situação descrita mas, sobretudo, com a sua própria emoção, Mike.
:-)

Anónimo disse...

Ai ai ai... querem ver? (risos)
Faça como o Zanardi, menina, sorria. Essa é a lição, devemos sorrir da vida e para a vida, que ela retribui. Sempre. :)
Intuição de cota (mais risos).

fugidia disse...

Ó Mister, é o que mais faço na vida: sorrir. Desde que nasci, segundo dizem, e ainda que me vá emocionando pelo meio...
:-)))

Anónimo disse...

Ah, assim, sim. :)

ana v. disse...

Posso acrescentar mais um sorriso emocionado (igualmente cota) a esta conversa?
:)

ana v. disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Anónimo disse...

Pode e deve, Ana. Assim já são dois sorrisos emocionados... (risada)

ana v. disse...

Apague um deles, Mike, que assim é emoção a mais! ;)

O Réprobo disse...

Meu Caro Mike,
a superação desportiva de deficiências é sempre um factor de comoção. Postei em tempos sobre aquele atleta sul-africano que corre com umas próteses e tem nível competitivo não já com os deficientes, senão com os atletas de alta competição sem handicaps, mas cuja compita com estes é contestada por beneficiar de auxílios mecânicos!!!!!!!!

Na Formula 1 lembro o regresso de Lauda depois de muito queimado, mas claro ue este caso tem outra relevância.

E a capacidade de brincar com a própria desgraça fez-me lembrar o daquele professor universitário mericano condenado por uma leucemia, que vem transmitindo mensagens positivíssimas e fazendo rir as audiências das piadas que conta, com uma excepção - quando apresentou a Mulher como "a minha Viúva".
Abraço

Anónimo disse...

Lembro-me bem do caso do Nikki Lauda, Caro Réprobo. Chegou mesmo a receber a extremunção e semanas depois lá estava ele a alinhar no G.P. de Monza. Esse episódio que me conta é que desconhecia. Louvável!
Um abraço.

-JÚLIA MOURA LOPES- disse...

ontem não consegui concentrar-me para ler o seu texto.

hoje acabei lendo-o,deixando-me com o coração a bater mais rápido.

há gente muito bonita!...

beijinho por esta partilha

Cristina Ribeiro disse...

Este relato lembrou-me, mais uma vez, porque procuro tê-la sempre presente, a frase " não te queixes por não teres sapatos, porque a teu lado está alguém que não tem pés".
No espaço de dois meses houve, na família mais próxima, dois casos de coragem e vontade de vencer a adversidade que me deixaram espantada com a força que cada um pode ter guardada dentro de si.

Anónimo disse...

De nada, Júlia. Gosto desta história do Alex Zanardi. :)

Cristina, sempre fui educado a olhar para o lado... há sempre quem esteja pior e é daí que normalmente vêem as maiores lições de vida.

Luísa A. disse...

Estes exemplos também me impressionam, Mike. Revelam uma determinação comovedora – que não sei onde se vai buscar – que não emana só do desejo de sobreviver, mas da vontade de, mesmo em circunstâncias tão adversas, dar um sentido à vida, procurando uma realização pessoal. São exemplos de uma extraordinária dignidade humana.

Anónimo disse...

São assim como diz, Luísa. Sem dúvida.

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