1.8.07

Boxe contra a violência? Ou como tirar (alguns) meninos da rua.

Hoje em dia poucos ou nenhum desporto há que não degenere em negócio. Mas concentremo-nos na essência e olhemos para o boxe como um desporto que, como os demais, se mantém como tal até entrar na via da alta competição e no que ela representa para os atletas, patrocinadores, managers, etc. Um desporto mal amado. Sendo um apaixonado da nobre arte, é óbvio que discordo da relação de repulsa que o boxe causa na maior parte das pessoas, mas percebo-a. Como entendo a relação semelhante que se estabeleceu entre o futebol e o râguebi. É inquestionável que o primeiro é paixão e beleza e o segundo é olhado com desconfiança e considerado violento pela maior parte das pessoas que se dizem interessadas pelo desporto. A vida tem destas coisas e não adianta não aceitá-las. As coisas que não entendemos ou nos causam repulsa numa primeira sensação mantêm-nos ignorantes em relação a elas. Mas que raio, como é possível considerar-se um desporto quando se vê apenas uma peleia entre duas pessoas (reparem que a palavra desportistas já não tem cabimento nesta abordagem), que se degladeiam furiosamente sem uma razão aparente? Que coisa primitiva! Quem pensa assim é, porventura, mais tolerante perante uma peleia não menos agressiva por um palmo de terra ou por um mero engano no trânsito. Nesse caso sim, já existirão razões que legitimam a violência. A verdade é que até prova em contrário, é admitido cientificamente que existe uma predisposição inata para a violência. Thomas Hobbes definiu a violência como algo que faz parte da natureza do Homem e assinalou três causas principais de contenda: competição, difidência e glória. A primeira leva o Homem a ser violento pelo ganho; a segunda pela insegurança; a terceira pela reputação. A violência faz parte do nosso quotidiano, em alguns casos indirectamente, noutros, bem mais dramáticos, directamente. Existem muitos relatos e histórias que nos levam a crer que no boxe profissional os atletas são muitas vezes usados ao invés de tirarem partido do desporto que praticam. Mas esse não é o boxe, que apesar de gostar de assistir, poderá ser considerado como um instrumento contra violência. Refiro-me, antes, ao boxe praticado por puro amadorismo e paixão. Em clubes de bairro anónimos e humildes, sem ar condicionado no Verão e aquecimento no Inverno, com equipamento gasto e balneários onde nem sempre corre água quente e onde os traseiros se sentam em bancos de madeira desconfortáveis. Refiro-me ao boxe ministrado por treinadores que merecem o nosso respeito, devotos à sua arte e aos seus jovens pupilos, interessados em fazer evoluir atletas e, acima de tudo, em formar melhores homens. Jovens delinquentes que chegam ao ginásio pelas priores razões e passado algum tempo vão, progressivamente, afastando-se dos trilhos do mal, enveredando pelo caminho do bem.
É normal que o boxe, tal como ele é conotado, exerça um chamamento superior junto dos delinquentes, dos arruaceiros, dos meninos da rua. Até onde a minha memória me possa levar, não me recordo de personalidades históricas que, com um passado de arruaceiros ou a roçar a delinquência, tenham projectado, por exemplo o golfe, o ténis ou a natação, como outras o fizeram com o boxe. Mas a experiência diz-me que muitos desses jovens são, efectivamente, recuperáveis. Parte do trabalho é facilitado porque esses jovens chegam, voluntariamente, ao boxe e pelas piores razões. Movidos pela vontade de se tornarem mais fortes, mais ferozes, de se tornarem mais habilitados para surrarem implacavelmente o próximo e de afirmarem a sua liderança na rua. Mas o boxe, aquele que ainda é desporto, esse mesmo que passou a figurar nos desportos olímpicos na 23ª Olimpíada no ano 688 a.C. e que ainda hoje se mantem como tal, exerce neles uma influência benigna, reforçando-lhes os índices de confiança e, a par disso, incutindo-lhes valores nobres que contribuem para os tornar melhores meninos, melhores homens. Camaradagem, calma, reflexão, desenvolvimento da capacidade de escutar, aprender a distinguir o “bem” do “mal” e a descarregar as raivas e as frustações em local próprio. E muita, muita disciplina.
Dir-me-ão que isso são valores que todos os desportos procuram incutir aos seus praticantes. É certo. Mas também é certo que nas sociedades modernas, em que os níveis de violência alastram de dia para dia, não me parece inteligente que não se aproveite a oportunidade de usar o boxe como instrumento contra a violência e usá-lo em proveito dos irradicados, dos que se colocaram ou foram colocados à margem da sociedade. É só uma questão de abdicarmos de alguns preconceitos e termos vontade de sermos úteis, porque os meninos da rua, esses chegam até nós. Pela parte que me toca, depois de tirar a gravata (há já uns meses que não a uso) e substituir o fato (idem) pelas ligaduras e pelas luvas, duas a três vezes por semana, dou-me satisfeito se um, basta um, em cada dez desses jovens, se tornar um homem melhor.

1 comentário:

CPrice disse...

.. e assim se dismistificam ideias .. e se .. ajuda? .. :)

Gostei.