27.3.10
Lido mal com crianças mimadas. Imaginem como me sinto com adultos mimados.
Verão Quente e, se bem me recordo quente, de 75. Depois de pouco mais de um par de meses acampados em casa da minha avó materna, rumámos à Nazaré para uma casa emprestada por primos da minha mãe. A Metrópole decepcionou-nos e eu acho que, verdadeiramente, nunca me cheguei a recompor, entregando-me a umas pazes demoradas e ainda não concluídas, com ela. Nem sei porque comecei por aqui, porque o que me fez voltar a escrever fomos nós, portugueses. Deve ser de estar cansado da crise e, pior ainda, dos portugueses de uma forma geral. Já sei porque comecei por 1975! Hoje lembrei-me duma carta de resposta da minha mãe a uma das primeiras do meu pai que entretanto tinha voltado para Angola, onde se manteve até 1986. Falava ele da tristeza e da pobreza em que tínhamos encontrado os portugueses da Metrópole e de uma melhor vida que precisavam e mereciam. Respondeu-lhe a minha mãe, polidamente, e sabendo-o defensor desse Portugal que encontrámos, que o que os portugueses precisavam não era de dinheiro, era de educação e cultura. E que a pobreza que mais a perturbava era a de espírito. Passados quase trinta e cinco anos, continuo a achar que somos um povo que de tanto ter sido protegido nas últimas décadas, se tornou num adulto mimado. Pior: um adulto que se habituou a que pensassem e agissem por ele. Incapaz de lidar com regras e disciplina, sem rigor, civismo e perigosamente irresponsável. Um adulto preguiçoso, que embirra à mínima contrariedade, com tudo e por tudo e por nada, mas que fica tolhido, sem reacção e sem capacidade de decisão face às questões que tem e deve dar resposta. Esperando sempre que “alguém” decida e resolva por ele. Há que arranjar uma solução para isto, as coisas têm que se resolver são das frazes preferidas desse adulto. Há que, tem que se, devia-se. Talvez por isso ninguém queira ser amigo dele ou poucos o respeitem. Ele próprio tem sérias dificuldades em respeitar-se. O meu conhecido optimismo nunca desceu a níveis tão baixos no que diz respeito à saída da crise em que vivemos. Porque esse adulto somos nós. E nós, está visto, somos o nosso pior inimigo. Lido mal com crianças mimadas. Agora sabem como me sinto com adultos mimados. Generalizei, eu sei, que é uma coisa que não gosto de fazer.
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11 comentários:
Meu caro Mike, sabe que estou genericamente de acordo consigo. Deixe-me só invocar dois factores que talvez permitam compreender esse adulto. E embora compreender não seja perdoar, como diria a Mme de Staël, compreender é, pelo menos… compreender.
1. O português hoje encosta-se. Mas encosta-se porque, no princípio desta década ou no final da passada, houve um Estado que lhe vendeu os falsos benefícios de uma riqueza que não tinha e de um diletantismo a que não podia dar-se ao luxo. Os hábitos de poupança e de trabalho adquirem-se, não são inatos, e o português, que nessa altura os perdeu, terá agora de os readquirir, penosamente.
2. O português não faz, não trabalha, não tem iniciativa. Mas não faz, não trabalha (por sua conta), não tem iniciativa, porque ainda não arranjou jeitos de se libertar da camisa-de-forças que hoje constitui um Estado omnipresente, que é um sorvedouro e um travão poderosíssimo a qualquer iniciativa particular.
O português adulto é muito daquilo que diz, Mike. Mas não é só. E por isso é que está a voltar à triste emigração: porque quer, realmente, fazer alguma coisa da sua vida e aqui não vai lá. :-)
Compreendo perfeitamente a sua atitude, Mike. Vim um ano depois, sem casa, sem mobília, sem nada. Apenas tinha um "canudo" que me serviu sete meses mais tarde. E, a não ser o meu cunhado (que é um dos homens mais generosos que conheço), ninguém nos ajudou, antes nos chamavam "retornados"...
eu penso que os chamados "retornados" mudaram Portugal no pós 25 de Abril, meu pai chegou a escrever sobre isso ,o retornado mostrou o que deve ser um adulto, foi à luta, abriu casas comerciais com nova aragem, fundou novos impérios. o Retornado é conquistador!
sobre mimo, eu sou mimada :-/
É isso: o eldorado que lhe prometeram fizeram com que ele se acomodasse, como quando os fidalgos viviam à sombra do ouro do Brasil.
Esse é um dos componentes da pobreza de espírito de que falava a sua mãe, uma pobreza patética.
Luísa,
O proteccionismo que refiro vem de longe, muito longe. As vistas largas e o verdadeiro interesse de conhecimento do "Império" foram dadas pelo Salazar que nunca pôs os pés nas colónias e afrontou um dos melhores ministros que teve (e que eu admiro), como o professor Adriano Moreira. Como diz a Luísa, voltaremos à emigração pelas piores razões (para Portugal). Se não nos sentimos úteis aqui, vamos para fora. ;-)
...................................
Catarina,
Foi um (raro) desabafo. É que cansa e desilude ser português.
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Júlia,
O retornado, como quase sempre acontece na vida, já estava habituado a ter que fazer por ela. E não tinha muitas alternativas, era uma questão de sobrevivência.
p.s. - é concerteza mimada no bom sentido... e eu disse que não gostava de generalizar. :-)
Cristina,
Não retiro, nem acrescento, sequer uma vírgula ao seu comentário. Neste caso, infelizmente, estamos de novo de acordo. Só o termo fidalguia, que utilizou com toda a propriedade, me escapou.
Bom,
eu queria dizer que nunca gostei da expressão mas, sobretudo, entendo que não me é aplicável.
Não sou «retornada» porque nunca antes tinha vivido em Portugal continental (Europa) quando aqui cheguei em 1977.
Por outro lado, sinto-me (e tenho orgulho em ser) portuguesa e só me recordo que não nasci neste rectângulo quando me perguntam qual é a minha "terra".
Finalmente, acho que independentemente do sítio onde nascemos, o importante mesmo é o que fazemos da nossa vida e de como nos relacionamos com os que nos rodeiam e, quanto a isso, adultos mimados (nesse sentido menos simpático) há, infelizmente, por todo o mundo, Mister.
Mas dado que foi um desabafo e como eu hoje me sinto magnânima, está perdoado, Mister! (risos abafados)
:-D
Fugidia,
A essência do meu post não era um desabafo de um "retornado". Antes um desabafo de um português que nunca teve um sentimento nacionalista, e cujas tréguas com Portugal têm sido demoradas. Há adultos mimados em todo o mundo, é bem verdade. Mas deverá concordar comigo que povos como os japoneses, ingleses, alemães ou holandeses serão bem menos mimados que nós. Quem já conheceu o zero ou esteve abaixo dele, não fica tão facilmente à deriva quando se sente no dez (numa escala de 0 a 100), não é Fugidia? ;-)
(E supera as crises mais facilmente não só porque tem mais dinheiro, mas porque tem uma mentalidade mais forte).
Mike,
Caraças: tiro na mouche!!! Não tenho mais nada a comentar porque subscrevo por baixo do seu post:é exactamente o que eu penso!
Xi
Bacouca, :-)
Um xi.
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