31.12.08
Maldita lua, abençoada piscina.
Pensei em escrever que te tinhas acobardado, mas sei que a cobardia é coisa que não habita em ti, coisa que nunca conheceste. A lua intrometeu-se entre nós ao acalmar-te as marés, e nem o vento de levante fez com que o desassossego se apoderasse de ti por um dia que fosse. Deixaste-te embalar pelos sussurros dessa irresistível sedutora e abandonaste-te nos braços que ela te estendeu durante a noite. E não acordaste de manhã. Preferiste entregares-te a uma preguiça que se prolongou pela tarde. Esperei e não resisti. Nem a chuva fria, o vento que desordenava as tuas ondas e as tuas águas geladas impediram que me atirasse a ti, a um mar que, afinal, se esquecera de um desafio. Não conseguiria voltar sem cavalgar uma onda que fosse. E assim foi. Nem acho que tenha vencido um desafio, que acabou por não o ser. Valeu-me a piscina coberta, aquecida e esquecida, que esperava por mim, e que me acolheu na sua água quente e retemperadora. O meu corpo relaxou apenas por instantes, nessa mesma piscina onde fui feliz. Voltaremos a encontrarmo-nos sem que a lua e a sua magia apaziguem as tuas marés, para que as tuas ondas revoltas se abatam sobre mim. E claro que não te guardo rancor. Até breve.
30.12.08
25.12.08
Ouvi-te chamar-me.
Chamaram por mim e não me surpreendi. Conheço bem e conhece-me bem quem o fez. Durante alguns dias estaremos juntos, desafiando-nos mutuamente. Já sinto um rebuliço em mim, aquela inquietação que antecipa o momento em que nos encararemos, num frente a frente tal qual dois pistoleiros do Farwest numa ruela estreita e deserta, sob os olhares escondidos por detrás das frestas das janelas fechadas. Não haverá balas nem fumaça, ou poeira de corpos caídos. Não será numa cidade e muito menos na estreiteza de uma viela. A natureza será testemunha dos duelos que terão lugar. O sol, as nuvens, a chuva e o vento, se fizerem a desfeita de dar à costa, e a areia molhada que me receberá com um afago que não espero sedoso, antes agreste e vigoroso. Quem me chama conhece o protocolo e, estou certo, começará por me lançar, num convite descarado e sem vergonha, a espuma cativante que, como uma sereia sedutora e inebriante, me beijará os pés nus, acenando-me com a inocência de uma ninfa e sussurando-me anda Mike, anda, do que esperas tu? Sorrirei para ela enquanto a brisa fria e salgada me molhará o rosto num derradeiro apelo ao desafio. Sê impiedoso mar, e arremessa as tuas ondas com toda a fúria que trazes nas tuas profundezas. E não contes com a minha complacência, que implacável serei. Ambos sabemos qual é a punição para vacilos e momentos de frouxidão. E também conhecemos o prémio, que mais não é que o sentimento gratificante de estarmos juntos e desafiarmo-nos. Ouvi-te chamar e não me surpreendi. Tinhas saudades minhas? Eu sinto a tua falta.
Arcádia
Sabes, tio, falo uma Língua que ninguém entende aqui na Terra.
Que é como quem diz, lá em casa, acrescentei eu perante os sobrolhos franzidos dos pais. Se calhar és um ser de outra galáxia.
Se calhar, não. Sou um ser de uma galáxia distante que se chama Arcádia, e habito no 11º planeta com os seus dois melhores amigos, o Ricardo “hiperactivo” e o Giuseppe “visionário”.
E o que te trouxe à Terra, arcadiano?
Uma maldita falha técnica na nave, impossível de ser reparada por humanos.
E estás à espera do reboque?
Nem me digas nada, aguardo impacientemente neste vosso planeta de inteligência precária, que os meus amigos me venham ajudar.
E estão a demorar-se porquê?
Ora tio, eles vivem a anos-luz de distância.
Sabes se eles, porventura, gostarão da Terra?
Duvido! Vão querer voltar para Arcádia e para o 11º, onde nos sentimos em casa.
E a conversa continuou, com ele a contar-me como é a vida nessa galáxia distante e nós a ouvirmos interessadamente e com curiosidade histórias de um outro Mundo. Fiquei a saber, entre gargalhadas de ir às lágrimas, e logo no Jantar de Consoada em casa da minha mãe, que o meu sobrinho é um ser que habita noutra galáxia. E fiquei a saber pelo próprio, à mesa e para quem o quis ouvir, ou seja todos nós, pais incluídos. Ó sobrinho, afinal parece que ainda há muita gente que entende a tua Língua Arcadiana. A ver se amanhã não me esqueço de te perguntar como se diz ó caramelo lá tua galáxia.
Que é como quem diz, lá em casa, acrescentei eu perante os sobrolhos franzidos dos pais. Se calhar és um ser de outra galáxia.
Se calhar, não. Sou um ser de uma galáxia distante que se chama Arcádia, e habito no 11º planeta com os seus dois melhores amigos, o Ricardo “hiperactivo” e o Giuseppe “visionário”.
E o que te trouxe à Terra, arcadiano?
Uma maldita falha técnica na nave, impossível de ser reparada por humanos.
E estás à espera do reboque?
Nem me digas nada, aguardo impacientemente neste vosso planeta de inteligência precária, que os meus amigos me venham ajudar.
E estão a demorar-se porquê?
Ora tio, eles vivem a anos-luz de distância.
Sabes se eles, porventura, gostarão da Terra?
Duvido! Vão querer voltar para Arcádia e para o 11º, onde nos sentimos em casa.
E a conversa continuou, com ele a contar-me como é a vida nessa galáxia distante e nós a ouvirmos interessadamente e com curiosidade histórias de um outro Mundo. Fiquei a saber, entre gargalhadas de ir às lágrimas, e logo no Jantar de Consoada em casa da minha mãe, que o meu sobrinho é um ser que habita noutra galáxia. E fiquei a saber pelo próprio, à mesa e para quem o quis ouvir, ou seja todos nós, pais incluídos. Ó sobrinho, afinal parece que ainda há muita gente que entende a tua Língua Arcadiana. A ver se amanhã não me esqueço de te perguntar como se diz ó caramelo lá tua galáxia.
23.12.08
O Natal é uma festa. Bom Natal.
As pessoas parece que param de pensar, mesmo as que já pouco o fazem durante o ano todo. Atiram-se a uma azáfama como quem se atira compulsivamente de uma falésia. Sorrisos, muitos sorrisos que, por mais que tente, não consigo vê-los senão feitos de uma matéria plástica e pouco consistente. E de ocasião momentânea. Os passeios apinhados e as lojas à cunha apesar dos queixumes dos comerciantes. Os automobilistas parecem possuídos e não é de bom senso, antes por um demónio sorridente que se delicia com a época. E supostamente não devia ser ele a regozijar-se com a Quadra. Gastam-se fortunas com quem não se deve e esquecem-se os que mais precisam. Mesas fartas, muita comida que o lixo orgânico, esse glutão, absorverá sem pestanejar. Os remediados fazem-se ricos por dois dias e os pobres sentem-se mais pobres que nos outros dias do ano. Algumas campanhas publicitárias dizem tratar-se da maior festa do ano. Não podia estar mais certa a abordagem. O Natal não passa de uma festa. Os que comigo privam dizem-me todos os anos que o Natal é mais que isso. Já desisti de responder, há algum tempo, que sim, que sei disso, só que não vejo. Mas também já há bastante tempo que assumo tratar-se de um problema meu. Não mudei de lentes por causa disso e habituei-me a viver com esse problema. Hoje vivo-o mais pacificamente, diria desinteressadamente, mas no dia vinte e seis de Dezembro sou um homem novo, aliviado. Os filhos ajudam a atenuar e aprendi a mudar de máscara sem que eles dêem conta. Natal, humildade, despojo, simplicidade, reflexão, solidariedade. Acredito que ainda há quem o viva assim e o pratique. Só que não vejo. Este Natal a minha prenda serão uns óculos novos. Sem muitas expectativas ou acalentando muitas esperanças, pode ser que para o ano veja o Natal de maneira diferente. Feliz Natal a todos os que conseguiram chegar até este parágrafo. E um bom Ano de 2009. Acho que isso é bem mais importante.
Entre desenhos feitos hoje e a escrita posta em dia amanhã.
A minha menina chegou a Lisboa. Lembram-se? a mais velha que estava em Barcelona com uma bolsa de estudo, a trabalhar numa produtora de audiovisuais. Casa cheia. Esta noite tive os quatro à minha volta. Voltei a ter a sensação de viver na Pensão Estrelinha. Amanhã temos um jantar agendado. Eu e ela apenas, para conversarmos os dois, para pormos a escrita em dia que hoje só se fizeram desenhos, para que todos entendessem. A lógica é um bocado como a do Tintin, limitando um pouco mais a faixa etária que em vez de ser dos sete aos sententa e sete, é dos quatro aos quarenta e oito. Mas gostei dos desenhos, gostámos todos, até o caçula, o único que teve direito a prendinha. E sei que gostarei da parte escrita, amanhã. Porquê? Porque há muito que me habituei a gostar do que ela escreve, que é como quem diz, do que a mais velha me diz e conta. Veio pelo Natal e comprou apenas bilhete de vinda. Voltará para Barcelona? Amanhã saberei. Sei que a vontade dela é voltar e não serei eu a desaconselhá-la, antes pelo contrário, que se há alguém que a incentive é este pai, que já viveu em Angola, em Londres, em Cambridge, em Brighton e em São Paulo. Ela já sente Lisboa demasiada pequena apesar de ser apaixonada pela cidade que a viu nascer. Será como quiseres, filha. E como puderes. Mas será. Aqui, em Barcelona, ou noutro lugar qualquer do mundo onde te sintas realizada e feliz.
22.12.08
20.12.08
A poem a day keeps the Devil away. *
Does it?
O Luís de Carvalho, amigo de longa data, acredita que sim e, à sua maneira, explica porquê. Profissão: escritor, carreira: publicitário. Escreve há mais tempo do que ele próprio poderia imaginar. É o seu primeiro livro. Diz ele que a vida é um buraco, uma origem, um túnel de entrada para a saída, um troço para qualquer caminhada, a vida é um buraco para cavar.
E atiras-te logo à poesia pá?, pergunto-lhe a seguir ao abraço do reencontro. Não lhe chames isso que os puristas dirão que é uma heresia. Chama-lhe antes histórias partidas, responde-me num sussurro com um sorriso feliz no rosto.
Belíssimas histórias partidas, é assim que as passei a chamar depois de as ler. E gosto do livro com um buraco no meio. Um pedaço do buraco da vida que já cavaste. Não sou fã de poesia, sou até um pouco avesso, mas delicio-me com histórias partidas, intensas, vividas e desconversadas. Querem ver que é mesmo verdade que a poem a day keeps the Devil away?
* Já está à venda e 10 € é o preço para se tirarem dúvidas sobre a justiça da afirmação.
E atiras-te logo à poesia pá?, pergunto-lhe a seguir ao abraço do reencontro. Não lhe chames isso que os puristas dirão que é uma heresia. Chama-lhe antes histórias partidas, responde-me num sussurro com um sorriso feliz no rosto.
Belíssimas histórias partidas, é assim que as passei a chamar depois de as ler. E gosto do livro com um buraco no meio. Um pedaço do buraco da vida que já cavaste. Não sou fã de poesia, sou até um pouco avesso, mas delicio-me com histórias partidas, intensas, vividas e desconversadas. Querem ver que é mesmo verdade que a poem a day keeps the Devil away?
* Já está à venda e 10 € é o preço para se tirarem dúvidas sobre a justiça da afirmação.
A primeira Lei de Newton.
Pensei em voltar a desconversar trazendo à baila o tema do Natal. Ponderei e desisti. Como disse um dia Picasso, a um grupo de jovens estudantes de pintura, a inspiração é importante mas é ainda mais importante que ao surgir nos apanhe a trabalhar, que é como quem diz ao computador, nesta actividade amadora de postador. Somando a isso o meu conhecido desprendimento em relação ao Natal (estive quase a escrever aversão, mas achei demasiado severo), decerto decidi bem. Retomo a desconversa apenas com o verbo postar, que, como muitas outras actividades, requerem vontade e predisposição, mas também alguma disciplina que acaba, invariavelmente, por se tornar numa rotina boa. Pelo menos para mim tem sido. Tal como ler, pensar, fazer exercício, sexo, rir, acarinhar, conversar, ouvir ou trabalhar, a rotina de postar acaba por não ser muito diferente porque quanto menos se faz, menos se tem vontade de fazer até deixarmos de o fazer, não sentindo falta do que até aí preenchia o nosso quotidiano. Comecei a postar, há quase dois anos, influenciado por quem considero muito bons blogueiros, na altura parceiros de lide na mesma empresa. No princípio senti dificuldade em familiarizar-me com a parte técnica, e ainda hoje não considero essa parte um familiar chegado. De seguida abominei o que escrevi, ainda sem ter coragem para tornar público, e lendo o que de bom e bem se escreve na blogosfera pensei seriamente em nem me aventurar a dar o primeiro passo. Ponderei e não desisti. Porque tinha vontade e senti que precisava, que me ia fazer bem. E como na vida as pessoas não devem pensar em fazer o que gostam, antes aprender a gostar do que fazem, meti mãos à obra e pus-me a desconversar. Hoje desconverso apenas porque gosto, mas sinto que já não preciso. Ultimamente fui invadido por uma inércia jamais sentida, que se prolongou mais do que poderia imaginar. Hoje sei que se tornou inércia, apesar de ter havido inúmeras razões, todas elas válidas, para a pausa a que me impus. E não é que foi essa inércia que me fez voltar a ponderar? Inércia? Estás a ceder à inércia? Logo tu? Desta vez não precisei de ponderar e desisti. De ceder à inércia.
6.12.08
À desconversa com os meus posts.
Uma destas noites dei por mim a reler o que escrevi desde que dei início a este desconversar. Invadiu-me uma súbita sensação de me estar a despedir dos posts. A minha relação com o passado, conhecem-na. Passado, para mim, é apenas uma palavra da Língua Portuguesa, com um significado infinitamente menor que as outras duas que enquadram a vida. Presente e futuro. Olhar para trás ou perder uma hora que seja a pensar no passado, é um dos maiores desperdícios de tempo a que jamais me entreguei. Não guardo cartas, notas ou bilhetes de ninguém que não sejam ou digam respeito ao presente. Nem um. Não tenho fotografias antigas cá em casa, estão todas em casa dos meus pais. Depois dos divórcios, nada me rodeia que pertença ao passado. Nem uma colher de chá. A minha mãe costuma dizer que sou fundamentalista e rimo-nos os dois. Não conheço o significado da palavra nostalgia, quiçá porque nunca lhe dei sequer hipótese que me fosse apresentada. Voltando aos posts antigos. Quando os reli chegou-me um certo odor a naftalina. E não gostei, mesmo tendo mau olfacto. Eles percebem-me porque me conhecem. Novo ano, velhos posts? Nem precisei de lhes perguntar, eles sorriram quando viram o meu olhar, parecendo dizer-me ora, sabes qual é a tecla, Mike. E eu ri-me com eles, sem me rir deles.
Na blogosfera e da blogosfera.
É curiosa, e simultaneamente estranha, esta sensação que muitos de nós já experimentaram, de pausa na blogosfera. Pausa na blogosfera mas não da blogosfera. No princípio a reflexão sobre o que leva à pausa, seguindo-se a conclusão, já esperada, de não haver apenas uma razão, e de não se conseguir afirmar, ou hierarquizar, com certeza, o peso das razões. Depois a sensação estranha de voyeurismo que, sabendo da existência de site meters, desaparece num ápice. Por fim a melhor parte, a da leitura com um grau de afastamento que quando estou envolvido, ou seja, na blogosfera, dificilmente permite. Nesta, a melhor parte, mesmo quando o tempo se encarregou de abrir umas brechas, senti um turpor inesperado, uma inércia no que diz respeito à escrita, mesmo para comentar. Indo mais longe, e sem me preocupar ou me sentir forçado a definir, diria quase desinteresse. Sou um rooky nisto da blogosfera e porventura alguém mais experimentado dir-me-à que é normal. A verdade é que o pouco tempo livre tem sido ocupado com a leitura e com a escrita, sem vontade de qualquer espécie de a publicar. É momento para uma confissão pública. Não senti saudades. E ainda não sinto, apesar de aqui estar a partilhar estas linhas, depois da pausa mais longa a que, voluntariamente, me sujeitei. É certo que tenho trabalhado desalmadamente, mas também é certo que noutros momentos em que isso aconteceu, nunca sentira este desprendimento cibernético. Não sei se consigo explicar mas é como se não sentisse a mesma falta que sentia. Pode ser que seja por causa da proximidade do Natal. É que o meu grau de afinidade com esta época faz-me sentir um homem novo no dia vinte e seis de Dezembro. Mas sei o que digo porque sei o que sinto. Cada dia que vai passando, menos tenho vontade de navegar. Cansaço? Talvez. Cansaço apenas da blogosfera? Talvez, também. Para quem me leu até aqui, deixo uma mensagem que responde a toda e qualquer interrogação. Continuo bem disposto e alegre, muito feliz e a rir-me todos os dias. E sempre que me apetecer, continuarei a fazer visitas e a desconversar com quem sempre bem me recebeu e a quem gosto de ler. Voltar a postar? Talvez, também.
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